As primeiras árvores do pomar de Pedro e Luísa já estão plantadas, em Monte Cimeiro. Créditos: Paulo Jorge de Sousa

Com a massificação do teletrabalho, muitos portugueses escolheram escapar ao isolamento nos pequenos apartamentos das grandes cidades e mudar-se para o Interior, revolucionando a sua vida profissional e pessoal. O mediotejo.net tem realizado entrevistas a estes novos habitantes da região, procurando saber o que procuraram – e o que encontraram.

Antes da pandemia, ou talvez até ao verão do ano passado, Monte Cimeiro estava longe, mais ou menos a 180 quilómetros, de ser o lugar escolhido pelo casal Alves/Grácio para estabelecer residência. Apesar de Luísa, 34 anos, ter Alcaravela no coração e pensar naquela terra como um lugar de afetos, para Pedro, da mesma idade, era impensável não estar presente diariamente no escritório onde fazia a gestão de uma empresa de pronto-socorro e reboques.

Luísa Grácio e Pedro Alves viviam na grande Lisboa. Em menos de um ano, de Cascais mudaram-se para Sintra e de lá para Monte Cimeiro, onde já contam com residência fiscal, numa casa construída pelos pais da professora primária, na qual viveu até aos 6 anos quando, por razões familiares, se mudou para a cidade grande.

Agora, a covid-19 permitiu-lhe regressar às origens. Ao invés, Pedro é “um menino da linha”, nascido e criado em Oeiras, mas que aprendeu a amar a ruralidade de tanto ouvir falar dela (e sentir como era, nas férias que passavam).

A verdade é que Luísa nunca se sentiu de Lisboa, confessa ao mediotejo.net. Sempre que visitava Alcaravela, queria ficar. “Uma parte das férias passávamos cá e no regresso falávamos sempre em encontrar uma forma de viver aqui. Achávamos que o emprego do Pedro era inviável de fazer à distância, mas a covid-19 veio provar ser possível”, explica.

Pedro Alves e Luísa Grácio na sua casa em Monte Cimeiro, Sardoal. Créditos: Paulo Jorge de Sousa

Em Monte Cimeiro deparava-se com uma vida quase idílica, um lugar onde a vida decorria tranquila, contrariamente ao que tinha na capital, onde ora corria para o colégio privado onde dava aulas, ora corria para casa, perdendo muito tempo pelo caminho. Queria muito experimentar, por isso, tal como fez recentemente, durante anos candidatou-se ao ensino público pela região do Médio Tejo, com esperança de conseguir colocação numa escola, mas em vão.

No dia da nossa conversa, encontrámos Pedro Alves em frente a três monitores, com os mapas das suas áreas de trabalho – Cascais, Sintra e Oeiras. Em cima da secretária dois telefones tocam frequentemente. Afinal, a empresa movimenta dois mil reboques por mês, exigindo a disponibilidade do gestor 24 horas por dia, tal como acontecia quando vivia no litoral.

Pedro Alves em teletrabalho em Monte Cimeiro, Sardoal. Créditos: Paulo Jorge de Sousa

Quando chegou a pandemia, em março de 2020, tudo mudou. “Como faço parte da gerência da empresa, estive três semanas em teletrabalho e depois fui alternando, passando uns dias no escritório. Estava sempre presente em tudo o que se passava na empresa e quando ia para casa trabalhava no computador. Quando voltou o confinamento… voltei a ficar em casa”, conta Pedro.

Entre o vai e vem de confinamentos, precisamente em meados de outubro do ano passado, Pedro e Luísa testaram positivo para a covid-19, o que obrigou o casal a ficar em isolamento até ao final de dezembro. Pedro negativou primeiro que a sua mulher, e no mês do Natal o casal decidiu passar o restante período de isolamento em Monte Cimeiro. Em janeiro mudaram-se definitivamente.

“Falei com o meu patrão e ele concordou que ficasse a trabalhar aqui. Para já vou uma vez por semana a Lisboa. Tudo o que tenho para fazer lá, agendo para esse dia. Saio de casa de manhã cedo e regresso à noite”, detalha.

Pedro Alves e Luísa Grácio caminham juntos na sua nova vida no campo. Créditos: Paulo Jorge de Sousa

Há muitos anos que os concelhos do interior do País tentam atrair “novos povoadores”, essencialmente casais jovens, proporcionando-lhes, por exemplo, benefícios fiscais. Mas foram medidas que se revelaram insuficientes. O despovoamento é uma dor de cabeça para os autarcas e perante uma realidade de abandono, também o Governo central pensou em medidas que incentivassem a troca do litoral pelo interior. Luísa e Pedro não recorreram a nenhum apoio, pois “o teletrabalho não está incluído” nas medidas apresentadas, dizem, se a sede da empresa permanecer no litoral.

Habituado a uma vida agitada, Pedro confessa que necessita do bulício da metrópole. Mas como acordou com a entidade patronal “passar dois ou três dias em Lisboa” e o resto do tempo no Sardoal, sente que tem o melhor dos dois mundos: “Tenho o movimento e depois a parte calma.” De outra forma, pondera, talvez fosse “impossível” mudar definitivamente para Alcaravela.

Pedro Alves em teletrabalho em Monte Cimeiro, Sardoal. Créditos: Paulo Jorge de Sousa

Antes da covid-19 “era impensável trabalhar à distância, numa área que a toda a horas temos problemas para resolver, há situações que exigem presença física…”, conta. “Achava eu que não seria possível! Foi preciso o vírus para percebermos que também longe as situações eram resolvidas de igual modo.”

Por causa da doença, e da quarentena que tiveram de fazer durante dois meses e meio, Pedro percebeu que o problema afinal não era geográfico mas de condições de trabalho. A juntar a isso, havia o estado de espírito de Luísa, que piorava a cada dia de isolamento entre as paredes do apartamento.

Luísa Grácio e a cadela Zuky, que se mostra radiante com a sua nova vida no campo. Créditos: Paulo Jorge de Sousa

“Foi muito mau! Não aguentava mais ficar fechada. Disse à médica que ia fazer isolamento na terra. Mal cheguei ao campo fiquei muito melhor. Tive imensos problemas respiratórios e só de poder abrir a porta e respirar ar puro, era logo outra coisa. Fechados num apartamento não podemos sequer ir ao hall de entrada do prédio, não podíamos ir ao correio, nem à garagem, nem a lado nenhum. Aqui podia estar na rua sem estar em contacto com ninguém”, explica Luísa.

Foi o momento certo para Pedro acompanhar a mulher, com computadores, bagagens e a fiel cadela Zuky a tiracolo. Para a aposta ser perfeita, faltava só garantir que haveria Internet. A rede revelou-se uma preocupação para quem precisa de estar sempre contactável. “Se até a TDT não funcionava… era preocupante, porque nos meus telefones estão sempre chamadas a cair e trabalho online. Sou obrigado a ter Internet.”

Nos primeiros tempos a trabalhar a partir de Monte Cimeiro, em dezembro de 2020, mesmo estando a casa situada num ponto alto da povoação, e portanto em zona privilegiada, tinha de “colocar o hotspot na janela, Internet mais em baixo não existia…”, lamenta. “Rede de telemóvel, da Vodafone, no andar de cima até não funciona mal, mas no andar de baixo só na rua é que havia rede (e da MEO). Não posso estar num sitio onde não consigo sequer receber uma chamada. Conseguimos encontrar uma solução com a NOS e, quando algo falha, temos o telefone fixo, que também facilita”, conta o gestor.

A qualidade de vida é apontada como uma vantagem de viver no campo. Na varanda, onde tomam o pequeno-almoço ou trabalham, não há barulho que os incomode. Créditos: Paulo Jorge de Sousa

Em Lisboa, a problemática da falta de rede móvel ou de Internet nem se coloca – e portanto não se pensa nisso. No Sardoal, “nos primeiros 15 dias de dezembro ficámos logo sem hotspot, esgotámos o plafond…”. A situação resolveu-se com recurso a satélite, que, segundo afirma, tem uma melhor prestação que o ADSL, sendo que a fibra é uma miragem em Alcaravela. Pedro indica que  “a partir das 17h00 ou 18h00 a Internet nota-se mais lenta, talvez por aumento de tráfego, e se quero descarregar algo ou entrar num serviço é mais complicado”, admite.

Entretanto, a rede piora conforme se avança vale abaixo. Se o casal vai em visita a casa da avó de Luísa, “o telefone tem de estar na janela e, para atender, só muito sossegadinhos num cantinho da varanda, num lugar especifico. Se damos mais um passo, a ligação falha”, refere Luísa.

Pedro Alves e Luísa Grácio na sua casa em Monte Cimeiro. Créditos: Paulo Jorge de Sousa

Adaptação à falta de serviços na ruralidade

Estes novos residentes da interioridade notam também diferença na oferta dos serviços, particularmente no take away da restauração. Onde viviam bastava pegar no telefone e encomendar o jantar ou o que fosse, porque tudo lhes ia parar à porta. No concelho de Sardoal “é uma dificuldade”, constatam. “E para fazer compras temos de ir a Abrantes, mas também não é nada a que não nos adaptemos!”, ressalva Luísa.

Os habitantes de Monte Cimeiro contam com a vantagem de ter “padeira, todos os dias de manhã, à porta de casa, talho à sexta-feira, peixeiro e fruta”, também à porta. Além disso, “só me lembro que há covid-19 quando vou a Lisboa e passo as portagens de Alverca. Aqui esqueço-me” da doença, revela Pedro.

Por outro lado, no que toca a questões de saúde, o casal considera uma desvantagem viver no interior. Ambos manifestam a ideia de haver acesso mais limitado a cuidados médicos. “Para acionar o seguro de saúde, a clínica privada mais perto é em Santarém”. Luísa diz que, por enquanto, a sua saúde continuará a ser seguida no Hospital de Cascais, e no futuro logo se verá.

Outra desvantagem apontada prende-se com a falta de oferta cultural e dos comuns centros comerciais, tão frequentados pelos urbanos. “Aqui para ir ao cinema vamos a Torres Novas”, ao TorreShopping, na entrada da A23, a 50 quilómetros de distância, embora o Centro Cultural Gil Vicente em Sardoal também seja uma opção quando reabrir e voltar a apresentar um cartaz.

Igualmente neste caso, o casal fala em “adaptação” a uma nova realidade, onde também a oferta comercial não abunda. “Se vamos a Lisboa, passamos pelo shopping. Se tenho de ir, por exemplo, ao concessionário da BMW, é uma hora de caminho; ou a Santarém ou a Castelo Branco. Já não podemos ir a toda a hora, temos de programar as compras. É uma questão de ajustar a vida”, refere Pedro.

Pedro e Luísa no curral improvisado onde irão receber dois cordeirinhos. Créditos: Paulo Jorge de Sousa

Luísa lembra que a covid-19 “fechou tudo e ficámos todos em pé de igualdade”. Basicamente, experimentou comprar online e percebeu que era simples e rápido. “Até neste aspeto nota-se uma grande diferença, porque se antes da pandemia não se viam distribuidoras para estas bandas, agora tudo o que comprava online em Lisboa compro online aqui, e chega cá tudo no mesmo prazo.”

Entre vários planos para o futuro, o casal pensa ter filhos e, também no que toca à Educação, a realidade do interior revela-se problemática, embora o tema tenha sido conversado por ambos antes da decisão de mudança.

“Como professora sempre planeei para os meus filhos o ensino particular, e aqui não há. O mais perto fica a 40 quilómetros.” Nota que, até no que diz respeito a berçários, a oferta apresenta-se “escassa”, enquanto na cidade “há imensas escolas que aceitam os bebés logo a partir dos 6 meses”, o que “no Interior é mais difícil”.

Mas são “constrangimentos” que Luísa desvaloriza porque a pandemia também veio mostrar que nada é certo: “Se me dissessem há um ano que vinha viver para a terra, sem trabalho, diria que estava tudo doido!”

Pedro Alves e Luísa Grácio junto da sua casa em Monte Cimeiro. Créditos: Paulo Jorge de Sousa

De olhos postos nas flores, na horta e nos pomares do campo

No fim de contas, a mudança não nasceu de um desvario. Escolheram Monte Cimeiro atraídos pelas memórias de infância de Luísa, pelos terrenos que são seus por herança familiar e pela casa própria, já construída. Em Sintra, onde viviam ultimamente, nem sequer tiveram de colocar a casa à venda, porque o apartamento era arrendado, o que facilitou o processo de mudança. Portanto, instalaram-se e meteram mãos à obra.

“A escolha é para manter. Aqui há qualidade de vida, tomamos o pequeno almoço na rua!”, nota a professora. Apesar dos condicionalismos, o balanço afirmam-no positivo. “Nunca mais faço mudanças”, brinca Pedro.

O gestor entrega-se agora a tarefas próprias da ruralidade, para fazer renascer o que esteve abandonado, nas terras outrora cultivadas pelo bisavô de Luísa. Um campo limpo e organizado, com um pinhal em cenário de fundo, ovelhas a pastar, um curral em preparação para acolher dois cordeiros, um espaço terraplanado onde brevemente nascerá uma horta, terreno para semear pasto, uma zona de capoeiras para criação de galinhas de raças autóctones, um pomar onde já moram laranjeiras, limoeiros, pereiras, pessegueiros, medronheiros, videiras sem grainha, morangueiros e, entre duas oliveiras, o local certo para a futura piscina.

Pedro planta uma nogueira, acrescentando mais uma árvore ao pomar. Créditos: Paulo Jorge de Sousa

“Em Lisboa não temos nada disto. O máximo que posso fazer é descer à garagem para passar um pano na mota ou no carro. E não temos tempo. Aqui há sempre tempo e qualquer coisa para fazer”, explica Pedro, fazendo notar que também em questões financeiras a escolha pelo interior é vantajosa.

“Para termos algo parecido com isto, custa tudo para cima de 250 mil euros e a uma hora de Lisboa, nas zonas mais rurais. Para demorar uma hora, prefiro estar aqui.”

Luísa Grácio, sendo professora, é agora aluna na aprendizagem de alimentar cordeiros. Créditos: Paulo Jorge de Sousa

Com os olhos postos nas flores do campo, as rotinas urbanas ficam para trás, Luísa fala delas como algo ultrapassado, quase como se fosse noutra vida. “As rotinas eram: sair de casa de manhã, trabalho, trabalho, trabalho. Voltar para casa à noite. Descansar. E não passava disto. Aqui parece que os dias têm um tamanho diferente, que as horas rendem mais, e gosto de mexer na terra, ver as coisas a crescer”.

Afinal, estão a construir uma vida nova – e isso “é maravilhoso!”

Ter ovelhas é um dos projetos que Pedro e Luísa querem implementar na sua quinta. Créditos: Paulo Jorge de Sousa

Paula Mourato

A sua formação é jurídica mas, por sorte, o jornalismo caiu-lhe no colo há mais de 20 anos e nunca mais o largou. É normal ser do contra, talvez também por isso tenha um caminho feito ao contrário: iniciação no nacional, quem sabe terminar no regional. Começou na rádio TSF, depois passou para o Diário de Notícias, uma década mais tarde apostou na economia de Macau como ponte de Portugal para a China. Após uma vida inteira na capital, regressou em 2015 a Abrantes. Gosta de viver no campo, quer para a filha a qualidade de vida da ruralidade e se for possível dedicar-se a contar histórias.

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