Numa estufa com mil metros quadrados, em bitunel, com corredores de 50 metros de comprimento e vinte de largura, em Panascos, freguesia de Alcaravela, encontramos o “hobby” do contabilista Joaquim Serras, que além das contas da profissão deita agora contas à vida para conciliar a produção dos cogumelos shitake donko, com a função de deputado municipal e ainda de presidente da Associação Comercial e Empresarial (ACE) de Abrantes, Constância, Sardoal, Mação e Vila de Rei.
Descomplica. É certo que a produção implica manutenção diária, como controlar a temperatura e humidade do interior da estufa, mas as novas tecnologias facilitam as tarefas, nomeadamente a rega no amplo espaço de frutificação. As 20 eletroválvulas, instaladas na casa das máquinas ao lado da estufa, são controladas à distância via telemóvel.

Desde que tenha acesso à Internet, Joaquim abre e fecha as válvulas, controla os níveis de humidade e descarrega a água para cima das 260 pilhas de troncos de eucalipto, uma espécie de torre, cada uma com 9 a 12 troncos onde despontam os cogumelos, um fungo de desenvolvimento rápido.

Em condições favoráveis, uma semana chega para o cogumelo estar pronto a colher. São cortados pelo pé, um a um, e colocados em caixas. A marca, Joaquim registou-a no Instituto Nacional de Propriedade Industrial como ‘Cogumelos & CA’.
O processo é fácil contudo exige atenção, devido aos “muitos pormenores”. Para aprender as técnicas o contabilista realizou duas formações e ficou a saber que os cogumelos podem ser produzidos em substrato ou em troncos. Os seus possuem certificação biológica.
“Compramos a madeira de eucalipto sem qualquer tratamento, é inoculada, ou seja, furamos a madeira, é colocada uma cavilha de madeira que já esteve em contacto com o inócuo, um fungo branco, um organismo vivo, que também é certificado biologicamente, e o resto é humidade”, deu conta o empresário, tendo feito notar que a mesma madeira produz cogumelos durante três anos. Após esse tempo, a madeira é recolhida para servir de estrume. “Uma forma diferente de utilizar o eucalipto”, notou.

O shitake é o segundo cogumelo mais consumido do mundo e foi escolhido por Joaquim pela simplicidade da mão-de-obra que exige. “Depois da madeira levar um choque térmico, deixamos a água a correr durante 24 horas para cima das pilhas de madeira, em nebulosidade ou choque contínuo, e passadas 24 horas – com temperaturas normais – os cogumelos nascem. O fungo, com o choque, passa do estado vegetativo para o estado reprodutivo. Passado um mês e meio damos outro choque e a madeira enche-se de cogumelos”, descreveu.
No entanto, foram necessários cerca de 8 meses desde a primeira inoculação para a produção arrancar a sério. No outono “produz menos por causa das condições climatéricas. Tenho muitas encomendas e não consigo cogumelos para entrega”, lamentou. Na época de calor, os cogumelos crescem como…cogumelos.
Há cinco anos Joaquim Serra submeteu uma candidatura ao Programa de Desenvolvimento Rural (PRODER), do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural, como “jovem agricultor” na época com 40 anos.

Joaquim não esconde o gosto pela agricultura, aliás sente-se um homem rural, mas a verdade é que até ali não tinha qualquer ligação aos cogumelos ou a qualquer projeto agrícola, este é o primeiro. “Gosto, mas não tenho tempo. A forma de conciliar é ter pessoas a trabalhar na estufa, ou seja, 10% da venda do cogumelo paga os custos de apanha”.
Mas esta vontade prende-se essencialmente com as características. “É um alimento saudável e portanto do futuro. As pessoas mostram tendência para comer menos carne e mais este tipo de produtos. É um cogumelo com muitos benefícios, quer nutricionais quer medicinais. O shitake é conhecido como o ‘tónico da imortalidade’ sendo utilizado na Medicina Tradicional Chinesa há mais de seis mil anos. E temos pessoas vegan que todas as semanas compram os cogumelos porque substitui a carne. Temos apanhado cogumelos com 250 gramas”, afirma.
A produção de Panascos destina-se apenas à alimentação, embora tenha um preço elevado vendido a 9,50 euros o quilograma. Tem um baixo valor calórico e baixa quantidade de gordura, contém um “interessante” valor proteico, sendo por isso indicado para dietas vegetarianas. “É rico em fibras, vitaminas do complexo B, minerais e antioxidantes. Tem ainda compostos com efeito imunopotenciador que favorecem o sistema imunitário prevenindo doenças e infeções”, refere.

Joaquim Serras vende para alguns comércios locais, casas das especialidade nomeadamente de produtos biológicos e também para fora da região, inclusive para França.
O cliente alvo “são as pessoas que querem comer de forma saudável”, observa, aconselhando o “risco” na produção de cogumelos shitake por considerar uma “oportunidade. Há falta no mercado. Existe uma grande procura” do produto, reforça. Naquela estufa, de mil metros quadrados, Joaquim investiu cerca de 75 mil euros, sendo quase na totalidade financiado por fundos comunitários.
Após a aprovação da candidatura, e já com a estufa montada, o processo da inoculação da madeira e outras tarefas necessárias para resultar em produção iniciou em dezembro de 2018, num perurso gradual até chegar à produção semanal considerada ideal de cogumelos shitake e que rondá os 160 quilogramas, melhor, “os 700 quilos por mês”.
Talvez este ano 2020, pela “grande procura” e por ser “um produto de boa qualidade”, e, por isso, conta com a ajuda de um funcionário na colheita diária.

Joaquim acredita que verá este ano 2020 o incremento da produção. Pretende “dar continuidade ao projeto” e até “experimentar outras espécies nomeadamente o cogumelo pleurotus também muito procurado e com venda para o mercado exterior, vendido a um preço mais elevado que o shitake”, deu conta.
Além disso, espera que no seu gabinete de contabilidade e consultadoria “apareçam clientes agricultores que possa influenciar” para a produção de cogumelos. “Pode ser uma boa aposta para quem queira viver no mundo rural, ter uma produção deste tipo e pode utilizar estruturas abandonadas, como um velho complexo industrial, para fazer a produção. Pode ser um caminho, uma boa opção para quem queira empreender na área agrícola”, sugere, confiando que a sustentabilidade financeira virá com o tempo.
Os cogumelos foram colocados à prova, literalmente, por Joaquim Serras e Célia Lopes, responsável pela confeção de algumas iguarias com este produto biológico, no espaço Cá da Terra, em Sardoal, no passado mês de novembro. Os pratos foram depois degustados pelos participantes.
O menu apresentou “uma sopa de cogumelos, cogumelos à lagareiro e uma feijoada de cogumelos”, indicou Joaquim. Uma iniciativa promovida pela Tagus – Associação para o Desenvolvimento Integrado do Ribatejo Interior, no sentido de mostrar os produtos locais.

*Notícia publicada em novembro de 2019, republicada em agosto 2020