Quinta de Santa Bárbara em Constância. Créditos: mediotejo.net

Antes de entrarmos na vila de Constância, para quem chega do lado de Abrantes, encontramos à direita uma estrada que nos leva até à Quinta de Santa Bárbara, uma antiga casa abastada seiscentista e antigo convento – pelo menos assim designado logo à entrada. Basta seguir em frente, passar uma ponte por cima da A23, encontrar do lado esquerdo o Centro Hípico de Santa Bárbara e segundos depois avistar, implantada num outeiro entre o rio Tejo e o rio Zêzere, a casa e os edifícios que a cercam.

O edificado é antecedido por um muro elevado, rasgado por um portão com cunhais rusticados em pedra. À entrada a designação de ‘Quinta de Santa Bárbara – Convento ‘ e uma explicação histórica.

Pode contar-se, por isso, entre os vários conventos e mosteiros que, por todo o país, ganharam uma nova vida graças ao turismo, mas na realidade é uma típica herdade ribatejana, com historial agrícola, transformada e concebida a pensar naqueles que ambicionam um completo repouso num ambiente tranquilo.

Ali respira-se uma harmonia de serena beleza campestre, adornada com carros clássicos à disposição dos clientes, cavalos pela herdade, uma piscina e restaurante a preceito – o Refeitório Quinhentista.

Quinta de Santa Bárbara em Constância. Créditos: QSB

Esta unidade de alojamento turístico conta, desde fevereiro, com gestão operacional da empresa Heaven’s Sleepy, de Daniel Pereira e Tiago Nabiço, incluindo o restaurante Refeitório Quinhentista e o Bar Magdala. Daniel arriscou sair da sua área de conforto e apostar em diferente negócio e Tiago abraçou o desafio perante a oportunidade de ficar em Portugal.

Na verdade, após duas décadas de trabalho numa área distinta, ligada a animais, sendo engenheiro zootécnico com uma carreira internacional tendo passado pela Holanda e pelo Qatar, Tiago regressou ao seu país “para ajudar a desenvolver o Biopark da Barquinha, projeto que por agora está parado. Tenho quatro filhas e não queria sair de Portugal outra vez” apesar da sua carreira “facilmente” o levar novamente para o estrangeiro optou por ficar, conta ao nosso jornal.

“A hotelaria sempre foi um gosto. Além de trabalhar na área para pagar os estudos – fui barman -, o meu avô teve um restaurante e a minha avó uma pensão na Costa da Caparica” de onde é natural, explica.

Por terras do Médio Tejo, a Quinta de Santa Bárbara dispõe de serviço de restauração e abre-se nomeadamente para celebrações. Dispõe de instalações que lhe permitem receber reuniões de empresas, casamentos, batizados, festas de aniversário ou uma simples reunião de amigos, procurando personalizar, ou seja, ir ao encontro dos pedidos de cada cliente.

Os jovens empresários – Tiago tem 40 e Daniel 38 anos – conheceram o proprietário da Quinta de Santa Bárbara, o espanhol Xavier Blasco, que lhes abriu as portas do empreendimento turístico.

“Entrei aqui pela primeira vez e apaixonei-me. Olhei para o restaurante e vi que não estava a funcionar 7 dias por semana. Agora já funciona, ao almoço e jantar à carta. Vimos um enorme potencial e até agora tem sido positivo, sempre a crescer”, refere.

De autoria de António Bellini, o edifício principal, situado à direita de quem entra, é antecedido de uma plataforma ajardinada e arborizada, rasgada na parte central por balcão circular com guarda em ferro e por portão de acesso a uma escada.

De planta retangular centrada por um pátio estreito onde encontramos estacionados vários automóveis clássicos, designadamente um Rolls Royce. Disponíveis para aluguer quer para eventos, como casamentos, quer a qualquer hóspede que deseje alugar um carro “para dar um passeio por Constância ou passar uma noite mais romântica”, diz Tiago. Convém, no entanto, reservar atempadamente.

“São carros clássicos e não modernos. Por isso, o aluguer pode não ser muito espontâneo, caso o carro não esteja a funcionar ou em manutenção. Mas se for reservado com tempo até pode ter motorista”, refere.

Os edifícios, pintados de branco e amarelo ocre, cumprem o tradicional ribatejano e não ultrapassam os dois pisos. Do lado esquerdo de quem entra, vários edifícios de diferentes volumetrias dispostos segundo um eixo longitudinal, interrompidos por portão rematado por sineira. Destaca-se o edifício de dois pisos da antiga adega e um longo edifício rasgado por arcada de vãos redondos.

Tendo sido um convento, pelo menos casa de jesuítas, embora com construções e remodelações, a adega, agora adaptada a restaurante, mantém-se intocável desde o século XVI, tal como o soalho do solar. Onde aliás, a religiosidade pode ser encontrada na capela dedicada a Santa Bárbara e a história envolve o poeta Luís Vaz de Camões, não estivéssemos na Vila Poema.

“O chão do solar, em madeira, também é o mesmo desde sempre. Há muitas coisas na Quinta que o cliente tem de perceber que são muito antigas. E depois temos a componente camoniana, da Vila, conhecido Punhete na época. Reza a história que Camões passou tempos aqui com o seu amigo Sampaio. Diz-se que escreveu aqui algumas das páginas dos Lusíadas… é uma coisa única. Embora sem confirmação histórica, não queremos perder esse valor”, assegura.

Das muitas histórias à volta da Quinta existe ainda uma que garante ter sido encontrado, naquele local, o baralho de cartas mais antigo do país.

Esta casa de turismo de habitação, na mais pura ruralidade a um par de quilómetros da vila de Constância, oferece para já 10 quartos, sendo um deles uma suite com sala acoplada e dois tipo estúdio familiar. A todos os quartos foram dados nomes de figuras relevantes da História Nacional, como Luís Vaz de Camões ou D. João de Castro, Vasco da Gama ou Dona Catarina de Bragança e ainda o quarto dos Jesuítas, alguns com a curiosidade de manterem à porta uma cavidade redonda, no chão, que servia para os religiosos ajoelharem, rezarem antes de entrar no quarto.

Aos quartos, fora do edifício principal, deram-lhes nomes das antigas colónias portugueses, como Timor ou Macau, com uma capacidade atual para acolher até 30 hóspedes.

“Existe um projeto para construir mais oito quartos. Não queremos ter 30 ou 40 quartos. Interessa-nos que proporcionem experiências únicas para atrair um cliente de segmento mais alto. A ideia é menos quantidade e mais qualidade, o que não invalida que façamos eventos para 200 pessoas”, indica Tiago.

Se existiu no passado, a simplicidade eclesiástica foi, portanto, substituída pelo conforto da oferta hoteleira, mas sem perder essa ligação, permitindo quase uma viagem no tempo. As lareiras, fontes de calor de outros tempos, mantém-se nas salas e nos quartos, mas no restauro, além de respeitada a traça arquitetónica original, introduziram-se elementos de conforto, como o aquecimento central, essencial também a quem procura o rústico e a ruralidade.

No mobiliário optou-se pelo antigo, com formas sóbrias mas confortáveis, com cores neutras, muito focadas nos brancos, verdes, castanhos e grenat. O preço de um quarto, na Quinta de Santa Bárbara, pode flutuar, tendo em conta a época e a tipologia, entre 65 e os 200 euros/noite, com pequeno-almoço incluído.

Já no século XVI existia naquele local uma quinta, chamada Quinta do Paio por pertencer a D. Francisco de Melo Sampaio, neto da castelã de Punhete e amigos de Camões que lhe dedicou uma trova do célebre ‘Banquete das Trovas’. Dos tempos de Camões, cuja passagem pela quinta é muito provável, subsiste então da primitiva construção a antiga adega, agora adaptada ao restaurante Refeitório Quinhentista.

O salão nobre do restaurante, a antiga adega “onde as uvas eram trituradas”, precisamente no referido salão onde normalmente recebem grupos, “vê-se ainda o aparelho no meio. O vinho corria por baixo do chão e saía num salão de baixo, da adega, e era engarrafado. Esse túnel é a única parte da Quinta que permanece exatamente como estava há 500 anos; as paredes, o chão, até a mesa é a mesma”, assegura o gestor.

Diz que “o ambiente é propício a transportar-nos para um século passado. Mas não podemos ter essa envolvente e servir comida demasiado moderna, por exemplo sushi. A oferta tem de ser tradicional. Procuramos fazer algumas formações e o nosso menu atual está a ter muito sucesso, mas queremos ainda adicionar pratos que tenham mais de duzentos ou trezentos anos. Estamos a trabalhar nisso”.

No restaurante que os gestores querem manter “cada vez mais medieval” podem saborear-se diversas iguarias. A titulo de exemplo destaca-se o bife quinhentista, lagartos de porco com migas de noz e abacaxi grelhado ou bacalhau confitado com tomilho em puré de grão e batata a murro. Pode terminar a refeição com leite creme com frutos vermelhos e suspiros ou um petit gateaux de chocolate com gelado de baunilha ou caramelo salgado.

Além da tradição gastronómica querem aliar inovação, disponibilizando “fardas temáticas à equipa e outros projetos que ainda não posso revelar. Mas a ideia passa pelas pessoas perceberem que é um restaurante quinhentista, no qual são transportadas para séculos passados mas com requinte num ambiente intimista, onde se sintam bem”, acrescenta Tiago.

A Quinta pertenceu, no século XVII, a D. Fernando Mascarenhas Lencastre, capitão de Goa, governador da índia e depois de Pernambuco que, por testamento de 1714, doou a quinta então chamada de Santa Bárbara, aos jesuítas. Daí até à expulsão da ordem de Portugal, em 1759, a quinta conheceu a sua época de maior esplendor.

Foram os jesuítas que mandaram restaurar e beneficiar a capela, que ocupa dois pisos, com coro alto comunicando com uma das salas, através de um contrato estabelecido com o escultor italiano João António de Pádua, em 1739. Nela merecem destaque o retábulo e o silhar de azulejos que conta a história de Santa Bárbara.

As Memórias Paroquiais, de 1759, referem a existência de duas fontes dentro da propriedade da Quinta de Santa Bárbara, de São Francisco e a Fonte do Castanheiro. Com a expulsão dos jesuítas, a quinta reverte para a coroa. Em 1773 é vendida a Jacinto José de Castro. Em 1987 realizou-se uma obra de restauro da quinta e adaptação a turismo de habitação.

No dia da nossa visita encontrámos no local Alberto Moreno, sócio de Xavier Blasco desde novembro do ano passado, que explicou as razões de ter investido em Portugal. “Para investir, um país muito melhor que Espanha. Tem muitas facilidades para investimento, é fácil criar negócios em Portugal”, afirmou.

“Somos povos irmãos, gosto de Portugal e estou como em minha casa. Xavier trabalha em Portugal há mais de 20 anos e tenho a segurança que estou com um bom parceiro que conhece o país”, afirmou Alberto.

O empresário espanhol explicou que o motivo da aposta no interior de Portugal prendeu-se essencialmente com o valor do investimento.

“No litoral; Lisboa, Porto, Algarve os imóveis são mais caros, no interior de Portugal ainda existem oportunidades de negócio, ainda é barato, e existem facilidades. Além disso, temos o conceito histórico, o convento está em Constância não está em outro local. O que queremos para o nosso negócio é o conceito de luxo, por isso temos o hotel, os carros clássicos e os cavalos. E a região do Médio Tejo tem ótima localização; uma hora de Lisboa, uma hora de Espanha, uma hora do Porto. Além disso é um lugar único”.

Por seu lado, Daniel Pereira confessa-se “preparado” para qualquer projeto turístico porque “no curto espaço de tempo já tivemos várias provas fogo”, garante, dando como exemplo as 700 refeições preparadas para o Dia da Unidade no Polígono Militar de Tancos, em Vila Nova da Barquinha.

“Com estes desafios vamos evoluindo”, refere, explicando que a Heaven’s Sleepy oferece serviços de catering e projetos de gestão de outros hotéis.

A grande dificuldade prende-se com a contratação de profissionais na área do turismo. Os empresários tecem uma critica no que toca à formação, ou seja, aos cursos profissionais oferecidos pelas escolas da região, que excluem, por exemplo, a aprendizagem de inglês.

Daniel defende uma oferta formativa diversificada, contrariamente à oferta do mesmo curso em várias escolas. “Não faz sentido! Estamos num momento em que falta muita mão de obra operacional em diversas áreas, se calhar na região podia, cada escola, especializar-se numa área. Implicava uma parceria no transporte dos alunos, mas seria preferível do que investimentos separados”.

A Quinta merece também ser visitada sob a perspetiva de um antiquário, num roteiro histórico que o levará através de objetos e relíquias de origens diversas e colecionados pelos proprietários ao longo dos tempos, muitos deles expostas no Bar que os gestores operacionais querem abrir ao público em geral e não apenas aos hóspedes.

A ideia é “servir cocktails e outras bebidas com música ambiente, por vezes ter música ao vivo e trazer também para o bar um ambiente mais intimista”, explica Tiago, reforçando que a grande aposta vai para eventos corporate, team buildings, casamentos, batizados, eventos que já realizaram desde que agarraram na gestão do espaço, em fevereiro.

“Desde a festa da criança a um jantar de gala tentamos fazer tudo mediante as possibilidades, mediante o que o cliente deseja. E tentarmos adaptar àquilo que o cliente quer. Normalmente oferecem-se pacotes standard… por enquanto não queremos fazer isso. Vai depender da procura, no futuro poderemos ter algo parecido mas nunca vamos oferecer apenas pacotes standard”, assegura.

Certo é que, o ambiente de tranquilidade que nos rodeia, convida-nos ao descanso e ao lazer, com a companhia do pastor-alemão Gucci, o pachorrento cão da Quinta. Os mais calmos podem passear pelo jardim ou relaxam junto à piscina. Os mais ativos desfrutam do ginásio, dedicam-se às caminhadas, passeiam de bicicleta ou descem até ao Centro Hípico, entidade parceira da Heaven’s Sleepy, na eventualidade de um passeio a cavalo.

Quinta de Santa Bárbara em Constância. Créditos: mediotejo.net

Podem descer ainda mais até à vila de Constância e aproveitar a praia fluvial no rio Zêzere para um mergulho ou para remar de canoa. No futuro, a oferta da Quinta promete um Spa, talvez com sessões de ioga, ambas ideias em projeto, à semelhança do golfe que poderá ser uma realidade ou, até, uma quinta pedagógica. Propostas para outros verões.

A sua formação é jurídica mas, por sorte, o jornalismo caiu-lhe no colo há mais de 20 anos e nunca mais o largou. É normal ser do contra, talvez também por isso tenha um caminho feito ao contrário: iniciação no nacional, quem sabe terminar no regional. Começou na rádio TSF, depois passou para o Diário de Notícias, uma década mais tarde apostou na economia de Macau como ponte de Portugal para a China. Após uma vida inteira na capital, regressou em 2015 a Abrantes. Gosta de viver no campo, quer para a filha a qualidade de vida da ruralidade e se for possível dedicar-se a contar histórias.

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4 Comentários

  1. Simpatia e gosto de bem servir em ambiente de tranquilidade repousante.Instalações de puro requinte antigo muito limpas e arrumadas.Restaurntes charmosos,diferentes com bom serviço gastronómico.ú

  2. Sou residente em Constância e a Quinta de Santa Bárbara sempre me encantou. Visitei várias vezes o espaço e considero que tem potencial para ali desenvolver um projecto turístico de muito sucesso com os alojamentos quase sempre “fully booked” e um restaurante virado sobretudo para a clientela do hotel mas também aberto ao exterior. A inclusão nesse projecto da vizinha Quinta Florzinha (que já pertenceu à Quinta de Santa Bárbara) e respectivos edifícios bem como a reabilitação das antigas casas dos trabalhadores rurais que ladeiam a Rua dos Jesuítas, faria todo o sentido para ampliar a oferta de alojamento, piscina e espaços circundantes. Conheço projectos de luxo semelhantes, em especial no Alentejo, que são um encanto e nunca páram, com ofertas de programas muito interessantes durante todo o ano. Desejo aos novos proprietários e à sua equipa todo o sucesso.

  3. Passei uma semana maravilhosa na quinta de Santa Bárbara. A simpatia das pessoas, o local calmo e agradável, a comida excelente. Sem dúvida um local que recomendo vivamente. Onde tenciono voltar.

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