O Sr. Chiado voltou a ser o ponto de encontro dos membros e voluntários do Centro de Estudos de História Local (CEHLA) e autores de artigos da revista de História local, Zahara. São já 41 números de publicação ininterrupta e inabalável, numa dedicação ímpar sobre o património, a cultura, as tradições e memória dos povos da região, e o sentido de missão continua a ser o mesmo de há 20 atrás. Nos próximos tempos José Martinho Gaspar, docente e historiador, mantém o cargo de diretor desta revista, ao passo que José Alves Jana passa a coordenador do CEHLA.
Voltou a ser uma noite dedicada a conhecer melhor os usos e costumes de Abrantes, Sardoal, Constância, Mação e Belver (Gavião). E apesar de neste número não constarem artigos, a revista abarca também os concelhos de Vila Nova da Barquinha e Vila de Rei – e é sobre estes dois que faltam mais contributos para publicar.
No número 41 desta publicação semestral, que saiu agora em julho, fazem destaques de capa os artigos sobre “As Guardas de Passagem de Nível”, numa investigação de Teresa Aparício sobre as profissões que estão a cair em desuso, e o artigo de José Alves Jana sobre o Rancho do Pego e um detalhe sobre o seu 70º aniversário. Também Joaquim Candeias da Silva faz capa com a História religiosa das localidades abrantinas a norte, nomeadamente Rio de Moinhos e Souto.
Em declarações ao mediotejo.net, José Martinho Gaspar, diretor da Zahara, relevou a qualidade da publicação “quer em termos gráficos, quer em termos de estrutura e consistência do projeto”, falando de um “projeto com características muito únicas” e que é editado dentro de uma associação e por voluntários.

“É a abordagem possível dentro do território, com uma perspetiva que não é só a do concelho de Abrantes, mas também dos concelhos envolventes. Com a perspetiva que não é só a da História académica mas também a da etnografia, mas também uma forma de olhar para o passado muitas vezes através de uma entrevista, através de um objeto, de uma imagem… às vezes, até de forma um pouco inusitada, um olhar diferente para o património”, notou.
“Sentimos muito orgulho por termos ao longo destes 21 anos conseguido concretizar este projeto, é óbvio que há alguns aspectos que gostaríamos que fossem um bocadinho diferentes. A questão do rejuvenescimento dos próprios colaboradores, é um problema que queremos ultrapassar e queremos envolver mais pessoas. Já o conseguimos numa situação ou noutra, mas as pessoas que até se revelam bastante capazes, acabam, por qualquer motivo, por se afastar”, aponta José Martinho Gaspar.
Por outro lado, a revista, ao longo das duas décadas de existência, mantém o mesmo preço, pela quantia de 5 euros. “A revista tem algum apoio, mas se formos fazer contas à despesa em termos de gráfica, a despesa em termos de paginação ou design gráfico e o valor que obtemos através das vendas, o saldo seria negativo. Estamos a falar de uma associação que tem isto como um projeto-âncora, importante, e que por isso sente que não faz sentido aumentar o preço da revista, não é o mais significativo”, afirmou o historiador.
No editorial deste número, destaca o diretor o trabalho desenvolvido ao longo dos anos, que “merece reconhecimento” e que é “um trabalho de missão” com intuito de “deixar estas páginas para quem vier a seguir”, assente em voluntariado cultural que é muitas vezes invisível, mas que também é objeto de “alguma ingratidão global por um trabalho que é para sete concelhos e que, quando produzimos 500 exemplares, não devíamos ficar com dezenas de números em nossa posse”.

Reconhecendo que não há ali experts na distribuição, publicidade e marketing, diz que o principal apelo é feito ao seio do CEHLA e aos autores da Zahara, para uma melhor organização e distribuição e promoção da publicação, como, por exemplo, tentando chegar mais às autarquias locais, para levar a revista a outros pontos da região, nomeadamente às aldeias.
“Há muito trabalho por fazer, nomeadamente do registo audiovisual de muitos testemunhos que de outra forma desaparecerão. Em particular de um assunto que já várias vezes abordámos, a questão dos militares que participaram na Guerra Colonial e que estão numa fase avançada da sua vida e hoje nós dizemos isto, e se não fizermos nada, daqui a dez ou quinze anos ter-se-á perdido tudo. Aconteceu um pouco assim com os militares da Primeira Guerra Mundial, e agora com os da Guerra Colonial pode acontecer o mesmo”, alerta.
Apesar de outras instituições, e os municípios, terem o dever de preservar este património, defende o historiador que deve existir um “trabalho de mãos dadas”, que incluam a sociedade civil, para um trabalho de recolha e divulgação. “Caso contrário, o património acaba por se perder. É inevitável”, frisa.
Durante a apresentação, numa espécie de mesa redonda habitual com participação e apresentação breve por cada um dos autores sobre os trabalhos publicados no novo número, José Martinho Gaspar também relevou o papel de Teresa Aparício, que além de colaboradora é uma das fundadoras do CEHLA e também diretora adjunta da revista Zahara, cargo partilhado com Alves Jana.
“Somos um grupo de quatro, ou cinco ou seis pessoas que se mantém desde os primeiros tempos, mas parece-me que é digno de realce o papel que a professora Teresa Aparício tem desempenhado desde o início, no sentido aglutinador dentro do grupo e também uma série de tarefas que ela faz que nenhum de nós faz com a mesma eficiência, ou às vezes nem fazemos. Que é distribuir as revistas, que é fazer chegar as revistas às pessoas, muitas vezes entrega em mão, leva até pessoas que sabe que gostam da revista e leva até aos concelhos à volta. Tem tido um papel determinante para que a revista esteja aqui e chegue aos nossos dias”, tendo os presentes aplaudido a referência elogiosa e a dedicação de Teresa Aparício.

Após este momento de reconhecimento, cada um dos autores presentes embarcou no seu artigo e falou um pouco sobre a temática que assina e promove nesta publicação recente.
Da história da Cervejaria Tonho Paulos e do testemunho de Manuel e Cila, à história de Alice Tavares, a última guarda da passagem de nível de S. Macário, à história dos 70 anos do Rancho do Pego que José Alves Jana descreve desde o seu início até à consolidação, renovação e manutenção, até aos dias de hoje.
Também Joana Margarida Carvalho dá a conhecer a emblemática Quinta da Capela, um ícone na aldeia de Rio de Moinhos, pertença da família de José Sousa de Macedo, e que vem passando de geração em geração a admiração e a vontade de preservar e modernizar o espaço para melhor aproveitamento deste que era “o prédio” de Rio de Moinhos.
Carlos Grácio traz também a história do Coronel Jorge Saco, militar várias vezes condecorado ao longo do seu percurso recheado de 42 anos ao serviço, e é hoje, com 98 anos, utente do Centro Social Belverense, tendo a vontade expressa de abrir as portas de sua casa enquanto espaço de cultura, mas que só deverá abrir ao público a título póstumo, conforme indicação desta personalidade da freguesia de Belver, concelho de Gavião, e que inclusive mereceu Medalha de Mérito Municipal nas cerimónias do 25 de Abril deste ano.
De Queixoperra, concelho de Mação, Vasco Marques e Lurdes Vicente vieram falar das tradições da sua pequena aldeia feita de grandes usos e costumes, e onde os 150 a 180 habitantes fazem por manter e preservar as tradições, como é o caso do Cantar as Janeiras e do peditório da manta por altura da festa em honra de Nossa Senhora da Luz, todos os verões.
Candeias da Silva mostra em dois artigos a importância da religião na História de Portugal, assegurando que 90% do património é religioso, e focando os seus artigos sobre a história da paróquia de Montalvo (Constância) e de Rio de Moinhos e Souto (Abrantes).

Do Sardoal, Mário Jorge de Sousa prossegue com a publicação sobre o ensino e promoção da música no concelho, desde as filarmónicas, aos ranchos, às orquestras, grupos corais, bandas e vozes, do fado ao rock. Neste número também merece destaque a vida e obra de Judite Serrão de Andrade, professora e benemérita que ergueu o Externato Rainha Santa Isabel em Sardoal.
Por seu turno, José Rafael Nascimento aborda a sátira política em Abrantes, fazendo referência a publicações antigas como o jornal O Môlho, “quinzenário humorístico, crítico e literário”, onde se releva essencialmente o papel do humor político e social, associado à caricatura e sátira. Seguiu-se A Tranca, em substituição d’ O Môlho em 1922, e considerava-se “o jornal mais popular e de maior tiragem do distrito de Santarém”, com 20 mil exemplares. Depois veio A Foice, que tinha como editor José d’Almada Burguete, e como diretor Aires de Saldanha e redactor José Patronilho.
A publicação de julho de 2023 conta também com um texto de João Pires Silva, sobre o Liceu de Abrantes, e com base numa foto de um projeto de solidariedade por altura do Natal, em 1968, com o professor Cónego Freitas através da disciplina de Moral e Religião, onde foi entregue um berço e enxoval de bebé a uma família carenciada residente na altura na Rua da Barca.
Já um breve texto de Alves Jana sobre a revista Vida Nova, da Escola Industrial e Comercial de Abrantes (atual Escola Dr. Solano de Abreu), destaca a capacidade poética de Luís Pereira Eduardo, um antigo aluno do curso geral de comércio.
A revista Zahara pode ser adquirida nos pontos de venda habituais, nomeadamente no edifício Sr. Chiado (junto à Câmara Municipal de Abrantes), junto dos membros do CEHLA, na Biblioteca Municipal de Abrantes e no Espaço ‘Cá da Terra’ em Sardoal. Pode ainda ser contactada a equipa através da página de Facebook da Revista Zahara.

