Da necessidade dos comerciantes de se reinventarem e encontrarem alternativas para a sobrevivência dos negócios, ao comodismo dos clientes que escolhem cada vez mais comprar online no conforto do sofá, os diretos de vendas através das redes sociais eclodiram e abriram as portas que a pandemia fechou a lojistas e feirantes. Visibilidade, aumento das vendas e crescimento são as consequências positivas elencadas por quem aderiu à tendência e adotou a estratégia dos diretos de Facebook para chegar até ao público. Para conhecer um pouco mais sobre esta nova forma de fazer negócio, o mediotejo.net falou com três comerciantes que provam que por detrás de cada like, partilha ou comentário, está muito trabalho e horas de dedicação.
“Olá, meninas. Vamos lá começar a partilhar, partilhar muito! Hoje temos coisinhas muito giras”, ouvimos do outro lado do telemóvel. São 21h00 em ponto e está a começar mais um direto da Loja da Patrícia by Rita Mendes. Desta vez, é dedicado aos saldos.
“À terça-feira temos sempre o nosso direto à noite. Em alturas de saldos faço sempre mais um, à sexta-feira. As pessoas agora habituaram-se a uma coisa e não querem outra”, conta-nos Rita, a responsável pela loja de roupa localizada no Largo do Chafariz, em Abrantes, que mantém o nome do estabelecimento em homenagem à mãe, a pioneira do negócio e responsável por passar “o bichinho das vendas” à filha.
A loja como se conhece hoje existe desde novembro de 2019, ainda a palavra “pandemia” era algo completamente alheio às nossas vidas diárias. Depois de uma época natalícia em que as vendas superaram as expectativas, em março de 2020 a Loja da Patrícia by Rita Mendes fechava as portas pela primeira vez devido à Covid-19.
“Senti uma descida muito drástica quando fechámos… estávamos a ter um negócio muito bom, tínhamos muitas vendas diariamente”, lembra a jovem de 21 anos ao mediotejo.net.

Perante a incerteza, Rita não baixou os braços, não se adjetivasse a si mesmo como “multifacetada”, e arregaçou as mangas para encontrar uma alternativa que lhe permitisse fazer aquilo que melhor sabe: vender.
“É a minha vida, é o que eu sei fazer. Venho de uma família de feirantes, eu sei vender (…) e nós é que temos de andar a correr atrás das clientes porque as clientes não vêm a correr atrás de nós. Temos que nos reinventar, arranjar maneiras de as clientes virem até nós”, declara.
E apesar de a ideia de fazer um direto já pairasse na cabeça da jovem mesmo antes da pandemia bater à porta, foi o aparecimento da Covid-19 que despoletou a concretização do primeiro vídeo de vendas, no final de março de 2020. “Eu só pensava ‘como é que vou fazer isto’ (na altura ainda ninguém fazia praticamente). O primeiro direto foi um descalabro total: estava vermelha, falava super rápido, não mostrava nada em condições”, recorda a lojista, que chegou a ter 100 pessoas a assistir e conseguiu mesmo assim vender duas peças.
Mas o que é um direto de Facebook? Trata-se de uma ferramenta desta rede social que permite aos utilizadores mostrarem, como o nome diz “em direto”, algo que está a acontecer. No caso dos diretos de vendas, são usados por lojistas e comerciantes para promover os seus produtos no sentido de arranjar clientes e fazer crescer os seus negócios.
Na prática, o comerciante expõe os seus produtos e o cliente que assiste ao vídeo pode comprá-los a partir daí, sendo as formas de pagamento definidas por cada vendedor. Por outras palavras, é como se através de um pequeno ecrã de telemóvel ou computador, os clientes entrassem numa loja para ver o que aí se vende, mas sem sair de casa.
Enquanto Rita Mendes teve de se reinventar perante a obrigatoriedade de encerrar as portas devido à pandemia, Sandra Alves seguia o mesmo caminho, por motivos idênticos.
Feirante desde que se lembra, por conta própria a partir dos 18 anos, é no concelho abrantino e arredores que vai ganhando o seu ganha-pão em mercados como o de Abrantes, o de Tramagal ou o de Gavião. Todos encerrados durante cerca de seis meses. Meio ano em que a fonte de rendimento deixou de existir.
“O negócio parou muito. Tivemos que criar outras alternativas e eu via outras pessoas a fazerem [diretos] e um dia resolvi experimentar”, conta a feirante de 44 anos, que recorda o seu pensamento na altura: “Se calhar bem calha, se não calhar, não calha”. Mas acabou por calhar bem, de tal forma que os diretos perduram até hoje, mesmo já com o regresso dos mercados.
“Por acaso resultou, fomo-nos habituando, ganhámos clientes. Além de clientes, ficaram amigas”, diz Sandra.

Hoje, é raro o dia em que ao abrir a rede social Facebook, sobretudo no período da noite, não se encontre um direto de vendas a decorrer. Desde roupa, bijuteria, calçado, acessórios, todos os detalhes na apresentação dos produtos contam para conseguir chegar aos possíveis clientes.
E todos os dias também há quem se estreie nesta tendência, que é hoje uma nova forma de fazer negócio. Enquanto Rita e Sandra já iam em velocidade cruzeiro, Tatiana Semedo arriscou em dar o passo no verão passado, em agosto de 2021.
“Os meus pais sempre tiveram negócios próprios e incentivaram-me a ter também o meu próprio negócio (…) então em julho surgiu a ideia de abrir a loja e foi em agosto de 2021 que abri as portas”, conta a jovem de 22 anos com o entusiasmo na voz. “A verdade é que toda a gente me disse que era maluca, que em plena pandemia não era fácil. Mas, sinceramente, quando temos uma ideia fixa não devemos esperar pela altura certa, não há alturas certas”, vinca, admitindo que a adesão das clientes fez desvanecer qualquer receio que pudesse ter sobre a viabilidade do projeto.
Foi duas semanas após abrir a loja “Semedo Boutique”, na vila de Sardoal, que a jovem empreendedora se iniciou na aventura dos diretos.
“Quando eu ainda não tinha a loja, assistia muito a diretos no Facebook e via que tinham muito sucesso, eu própria era cliente de diretos. Então, quando abri a minha mãe disse-me logo que eu também podia fazer… mas é preciso ganhar coragem para ir para a frente de uma câmara”, conta, lembrando que da primeira vez “não tinha uma ordem a seguir, não tinha referências nas peças, não preparava bem o espaço, ficava tudo uma confusão e no final do direto era uma confusão para arrumar tudo para retornar no dia seguinte a abrir portas… Hoje em dia já é tudo muito mais organizado”.
3,2,1, EM DIRETO! – A PREPARAÇÃO E O TRABALHO POR DETRÁS DAS CÂMARAS
“É ligar a luz, ligar o telefone e estou pronta!”, conta-nos Rita Mendes, com a desenvoltura de quem já trata os diretos por “tu”.
Ao contrário de Tatiana, ao início Rita tinha uma ordem bem definida para mostrar cada produto, mas com o tempo foi-se apercebendo que a melhor técnica é a de seguir os desejos das clientes.
“No início, passava horas a preparar um direto, a pôr as referências por ordem, cores e tamanhos. Passava muito tempo a arranjar, a pôr no expositor e as pessoas pediam-me para mostrar o que estava atrás e eu dizia que não, tinha um seguimento, era muito certinha. Agora não, tenho só um expositor ao pé de mim com as novidades, se quiserem ver isto ou aquilo vou buscar e mostro. Tornou-se muito mais interativo e muito mais prático”, confessa, deixando o conselho: “Se formos muito rígidas, as pessoas nem sequer comentam. Temos de estar descontraídas”.
Também a mesma atitude segue hoje Tatiana, já com os produtos com referências, para facilitar a identificação das peças. “É tudo muito mais organizado. Acabo por seguir também um bocadinho mais o que as pessoas me pedem para ver, é melhor, é algo que tenho vindo a aperfeiçoar”, admite a jovem que todas as segundas-feiras se liga via online aos seguidores da página.

Mas preparar um direto não é tarefa simples, nem assim tão rápida quanto parece. Sandra Alves explica-nos que este é um processo que pode levar dias.
“É ir às compras buscar as novidades, meter tudo por referências para organizar, para quando chegar a hora termos tudo orientado para conseguir trabalhar. Sou sincera, os diretos são mais trabalhosos do que ter de me levantar às 4h da manhã para ir para uma feira e ter de montar e desmontar. Parece impossível mas é verdade”, confessa.
Com o regresso dos mercados e a reabertura das lojas físicas, os diretos não desapareceram. Antes pelo contrário, entranharam-se nas rotinas destas comerciantes de tal forma que passaram a ser como um segundo trabalho – e, nalguns casos, a principal fonte de rendimento.
“Agora os mercados voltaram, é como se tivesse dois trabalhos, é muito cansativo”, desabafa Sandra Alves. “Às vezes é difícil”, acrescenta Rita Mendes que admite ter tido de arranjar uma funcionária para a sua loja para a ajudar.
“Há dias que tenho de deixar algumas coisas penduradas para poder atender a outras. Não posso estar a responder às mensagens de Facebook enquanto tenho gente na loja. Tenho de deixar a internet um bocadinho mais pendurada para atender as clientes físicas com atenção. Deixo sempre este trabalho [virtual] para um bocadinho mais tarde”, conta.
DO DIRETO PARA OS QUATRO CANTOS DO MUNDO
E se uma das metas dos diretos é o de chegar ao máximo de possíveis clientes, as fronteiras aqui não são um limite. “Os diretos trouxeram-me uma visibilidade enorme. Eu tenho gente do estrangeiro, eu tenho uma cliente fixa da Suíça, outra da França, que todas as semanas me fazem compras porque cá a roupa é mais barata do que lá – os portes são mais caros mas compensa-lhes na mesma”, assume Rita Mendes.
Visibilidade é a palavra proferida pelas três entrevistadas pelo mediotejo.net aquando questionadas sobre a maior vantagem que sentem que a adesão a esta tendência lhes trouxe.
“Enquanto tenho a loja no concelho do Sardoal, atraio clientes sobretudo daqui para vir aqui. E nos diretos já não é assim. As pessoas ao partilharem o direto vão chamando pessoas de outras pontas do país e até de toda a Europa, o que me traz muita visibilidade”, acrescenta Tatiana Semedo.
Também com clientes no estrangeiro, Sandra Alves realça outra tendência curiosa. “As pessoas estão a aderir mais aos diretos, tal que muita gente já chega ao mercado e diz que lá não vê nada de jeito e que no direto vê melhor e esperam pelo direto. As clientes preferem comprar no direto e ir ao mercado levantar”, admite.

Cenário partilhado por Rita e Tatiana. “Eu tenho gente na loja que é de Abrantes e que não vem à loja, só compra no direto. É chegar aqui, levanta o saquinho, paga e vai embora. E foi o meu crescimento maior também aqui em Abrantes, porque as pessoas começaram a conhecer a loja devido ao direto. Porque o centro de Abrantes está morto, é uma cidade fantasma e as pessoas não vêm ao centro da cidade ver o que é que há… O Facebook mostrou-lhes o que é que havia no centro da cidade”, expõe Rita Mendes, que admite já ter “um corrupio maior de entrada e saída na loja devido aos diretos”.
“Há algumas pessoas que ainda têm algum receio de vir à loja porque não querem mexer nas peças e ao fazer diretos as pessoas conseguem ver, perceber se gostam, qual o tamanho”, acrescenta Tatiana Semedo, falando na questão de o direto ser uma maneira mais protegida de fazer compras por parte das pessoas que têm algum receio de ir diretamente à loja devido ao cenário pandémico da Covid-19.
AS VENDAS AUMENTAM, MAS NEM TUDO NOS DIRETOS SÃO LIKES
“O feedback realmente tem sido muito bom. Um direto de duas horas muitas vezes é muito melhor do que um dia inteiro aqui na loja em termos de venda”, revela Tatiana Semedo, que admite a diferença que os diretos fazem no seu negócio. No entanto, o peso maior em termos de rendimento continua a ser a loja.
“Como só faço um direto por semana, compensa-me se for a comparar com um dia de trabalho inteiro. Mas se for a comparar os ganhos que ganho na semana inteira e os ganhos que ganho no direto, o Facebook ainda não tem esse peso maior”, diz.

Por outro lado, Rita Mendes não tem dúvidas em afirmar que hoje “O direto é o meu principal meio de trabalho, é a minha principal fonte de rendimento. A loja é um extra”.
Mas nem tudo é, como se diz na linguagem popular, “um mar de rosas”. As três comerciantes apontam em comum a falta de respeito pelo seu trabalho nos diretos como o principal ponto negativo desta forma de fazer negócio.
“Temos clientes que brincam com o nosso trabalho, que encomendam mas o artigo fica e não é vendido. Mas o que acho pior é pessoas com más intenções que vêm para atrapalhar o nosso trabalho e metem-se no direto a atrapalhar o nosso serviço”, denuncia Sandra Alves.
“Quando vêm pessoas fazer comentários desnecessários só porque sim, estão ali para incomodar e não para comprar, é a pior parte”, acompanha Tatiana Semedo, tal como Rita Mendes que fala em “muita falta de respeito”.
“Há pessoas que criam perfis falsos e vão para os diretos gozar connosco. Estamos ali, estamos à mercê disto tudo porque estamos online. (…) Há mesmo mensagens que nos enviam em que nos tratam abaixo de cão porque acham que isto não é trabalho, mas isto dá muito trabalho”, defende, apelando ao respeito por quem está a trabalhar por aquilo que é o seu sustento.

“Sinto que ainda temos uns passinhos para subir em termos dos diretos, as pessoas perceberem o que é, que dá trabalho fazer e que é o ganha-pão da pessoa – o que eu vender é o que eu vou comer”, acrescenta.
E se um dia os diretos acabarem? Para uns, o negócio prossegue como prosseguia antes do seu aparecimento, mas para outros o impacto pode ser bastante grande. “Se eu deixar os diretos, a minha loja morre, porque as pessoas têm preguiça de vir à loja”, assegura Rita Mendes.