Um destes dias tive uma conversa muito engraçada com um senhor que passava no centro de Abrantes. Teria já uns 70 anos, mas bem conservado e com umas roupas, diria eu, até bastante jovens. Ele estava a olhar para uma fachada de um edifício do centro de Abrantes, que eu também tinha estado a observar.

Aquela em cima da perfumaria, mesmo no centro, que agora tem uma flor gigante?

Essa mesmo! Eu tinha passado de carro na segunda-feira, quando estavam a montar os andaimes, e pensei que seria uma normal pintura de fachada. Quando lá voltei, dias depois, quase parei o carro para ver melhor. Aliás, ao longo daqueles dias quase todos os carros abrandavam e quase toda a gente parava para ver.

Tal como tu e esse senhor…

Sim. Nessa altura já se percebia bem que não era uma simples recuperação de uma fachada. Quando o senhor me interpelou, já a enorme flor que nela pintaram era claramente visível. Eu tinha acabado de pensar: “Fica mesmo bem, esta pintura alegre e arejada, na entrada da cidade, como que a dar as boas vindas a quem chega!”

E achas que toda a gente pensou o mesmo? Não me parece…

Esse senhor não estava a achar muita graça… Mas fui falando com várias outras pessoas sobre o assunto. Apesar de uma ou outra dizerem que “há gente que gosta e gente que não gosta”, o certo é que criou impacto. Obrigou a reagir. Fez pensar. Lançou conversas. Sensibilizou alguns. Terá irritado outros. Mas esse é que é o interesse destas coisas. Intervir no espaço urbano para dar origem a reações.

Sim, mas há intervenções e intervenções. Nalguns casos parece que nem os artistas sabem o que querem transmitir. São meras provocações!

Que sejam! As provocações fazem parte da vida… Mas nem é o caso. Falei com um dos jovens artistas do grupo que pintou a flor. Eles quiseram fazer qualquer coisa que tivesse a ver com Abrantes e com as suas gentes. Por isso pintaram uma enorme malva silvestre. Eu acho que ficou linda! E ouvi muito gente a falar com muito entusiasmo sobre o resultado final.

Isso é fantástico. Porque, na verdade, resulta de um trabalho de formação de consumidores de Cultura, um trabalho que se faz lentamente.

Verdade… O certo é que, três anos depois, os abrantinos parecem já ter incorporado esta ideia de, durante uma semana do início de julho, conviverem com algumas dezenas de pessoas de fora, que vêm criar e ajudar a comunidade a interpretar diferentes formas de Arte. Claro que haverá sempre alguém preocupado com a quantidade de diluente que será preciso para retirar a pintura artística da fachada do prédio. Mas também falei com uma miúda de 16 anos, completamente deliciada com o que estava a ver…

Sabes, fico sempre com a sensação de que há tanta coisa que ainda temos para conhecer. Falta-nos, quase sempre, a disponibilidade e o interesse para procurarmos essas coisas. O que é triste…

Por isso é que, às vezes, é preciso colocar as coisas em tamanho gigante bem na frente das pessoas… Se as pessoas não vão até à Arte, que a Arte venha até às pessoas!

Hália Santos

Professora e diretora da licenciatura em Comunicação Social da Escola Superior de Tecnologia de Abrantes (ESTA), do Instituto Politécnico de Tomar, doutorou-se no Centre for Mass Communications Research, da Universidade de Leicester, no Reino Unido. Foi jornalista do jornal Público e da Rádio Press. Gosta sobretudo de viajar, cá dentro e lá fora, para ver o mundo e as suas gentes com diferentes enquadramentos.
Escreve no mediotejo.net à quinta-feira.

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1 Comentário

  1. Professora… que bom ter encontrado este texto e ainda bem que gostou do trabalho de pintura. So o vi hoje e tambem gostei bastante! Espero que esteja tudo bem consigo… beijo do seu ex aluno jorge

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