Abrantes despertou gélida, mas depressa os ânimos aqueceram com os grupos de professores que ladearam os passeios junto à Rotunda da Liberdade, na confluência das principais avenidas de ligação ao centro da cidade e aos Agrupamentos de Escolas, onde não deixaram passar a oportunidade de mostrar, a quem iniciava o dia na cidade, as razões pelas quais têm encetado a luta pelos seus direitos e exercido o direito à greve.
Os professores de Abrantes juntaram-se esta quarta-feira, dia 1 de fevereiro, às 8h00, para dar a maior aula a céu aberto das suas vidas, unindo as suas vozes perante um único propósito: pedir respeito e valorização pela carreira docente, justiça na contagem do tempo de serviço e condições justas de avaliação e progressão na carreira.
Munidos de faixas, cartazes, apitos, maracas, vuvuzelas ou flautas, os docentes vieram “fazer barulho” como forma de demonstrar o seu descontentamento e chamando a atenção da comunidade para as razões da sua crescente desmotivação.
Numa organização “espontânea”, a partir das redes sociais, os professores dos dois Agrupamentos de Escolas de Abrantes uniram-se como há muito não se verificava para se fazerem ouvir, dando conta do que sofrem na pele devido às medidas tomadas nos últimos anos pelo Governo, que os próprios sentem que vieram desprestigiar a carreira docente e que trazem regressão ao invés de progressão.
A população que seguia para o trabalho, iniciando o seu dia, não circulava indiferente, buzinando, acenando e sorrindo, gerando ondas de conforto e demonstrando apoio no meio da azáfama e protesto.
Entre os grupos presentes, Ema Calado, professora do Agrupamento de Escolas nº1 de Abrantes, disse ao mediotejo.net que os professores não pedem nada de novo, pedem apenas para ser escutados pela tutela – algo que dizem há muito não suceder.
“Temos um Ministro e um Primeiro Ministro que não entendem, não percebem o que estamos a viver. Não nos ouvem”, critica a professora, ao mesmo tempo que relembra as reivindicações de toda a classe docente que se prendem, nomeadamente, com a recuperação do tempo de serviço, o fim das quotas, a progressão na carreira.
“Isto não ajuda em nada a nossa ‘casa às costas’ e a precariedade”, afirma.

VÍDEO | Entrevista a Ema Calado, professora de Informática no Agrupamento de Escolas nº 1 de Abrantes
Ao lado, mais professores com razões de queixa. Paula César é docente de Física e Química há 33 anos. Dá aulas no Agrupamento de Escolas nº 1 de Abrantes, tendo entrado para o quadro em 94/95. Manteve-se no concelho de Abrantes, tendo dado aulas no Tramagal no primeiro ano de serviço, depois na Escola D. Manuel Fernandes, seguindo-se Gavião. Depois ficou na Escola Secundária Dr. Solano de Abreu, onde permanece até hoje.
O congelamento do tempo de serviço e as quotas de avaliação são as situações onde se sente afetada, desde logo porque se encontra em transição do 6º para o 7º escalão.
“Quando eu entrei, assinei um contrato que indicava que, a esta altura, estaria já perto de me reformar. Mas aí tem que ver com reformulação geral da idade da reforma. Mas as condições do meu contrato foram muito alteradas. Eu já devia estar quase no topo da carreira. E mesmo assim, supondo que subo de escalão, preciso passar dos 70 anos – o que não é possível – para conseguir atingir o topo da carreira, se não recuperar nenhum tempo de serviço. Nunca vou chegar ao último escalão”, lamenta.
Por seu turno Miguel Cardoso vem do Norte do país, tendo iniciado a carreira em 2000. Entrou para os quadros em 2006, e subiu recentemente para o 4º escalão.
“Tenho os 6 anos, 6 meses e 23 dias congelados. Tenho tempo roubado em relação a quem entrou para os quadros após a minha altura, que conseguiram ir buscar tempo”, começa por referir.
O docente de Educação Física já deu aulas na Madeira, no Norte, e agora está pela zona Centro. “Já estive em Alvaiázere, na Batalha, corri praticamente o país inteiro e as ilhas”, indica.

“O que nos custa mais nem é o estar longe, porque é uma opção nossa de querer trabalhar nesta profissão e ter que arriscar ir para longe para tentar evoluir na carreira. Mas a carreira não avança! Eu ganho igual ao que ganhava quando iniciei. Estou com ordenado igual, tenho uma diferença de 10 a 20 euros apesar de ter subido de escalão”, assume Miguel Cardoso.
Por outro lado, também assume que as quotas o assustam. “Assustam-me imenso as quotas, bem como o tempo que está perdido. E acho que temos que lutar pelos nossos direitos e tentar ter uma carreira normal, que não temos tido. Estamos a trabalhar, anos após ano, sempre para o mesmo”, prossegue.
É sindicalizado, e diz tentar confiar que os sindicatos “façam alguma coisa”, porém “ao fim destes anos todos, começamos a perder a esperança porque não fizeram quase nada”.

O S.T.O.P. (Sindicato de Todos os Professores) fundado pelo professor André Pestana veio dar novo alento na luta da classe docente. “O S.T.O.P. tenta repor essa luta que era necessário que tivéssemos para defender a nossa carreira. Enquanto professor, ele sente na pele o que nós sentimos. E acabamos por nos rever exatamente nele, não tanto nos outros sindicatos. Muito mais nele, porque ele luta por nós mas também por ele”, afirma o professor.
Já Ema Calado, professora de informática na Escola Secundária Dr. Solano de Abreu, não é sindicalizada e perdeu a esperança no papel dos sindicatos ‘tradicionais’, até porque recorda com pesar uma altura em que precisou do apoio jurídico do sindicato, tendo quotas em dia, e onde lhe foi cobrado esse apoio indevidamente.
“Deixei de acreditar que nos estivessem a ajudar e dessindicalizei-me. Não é que eu ache que eles não lutam por nós… Mas deviam estar unidos todos pela mesma causa. O que queremos recuperar é igual, somos todos professores, e dá-me a sensação que ficaram também eles congelados. Não tiveram iniciativa. E o André Pestana é iniciativa. Ele está nas escolas, é contratado há mais de 20 anos e sabe o que se passa”, começa por justificar.
Crê, ainda, que “há muitos dirigentes sindicais que não dão aulas há anos e anos. Estão destacados. E por muito que passem nas escolas e falem com professores, não é a mesma coisa do que estar todos os anos na carreira e a perceber o que se está a passar e tudo o que a gente tem que fazer… que é muito. E tira-nos tempo para estarmos com os nossos alunos e prepararmos as aulas. É isso que nós queremos: quero dar um ensino de qualidade, preparar as coisas como dever ser para os alunos, que eles merecem. E inovar. Precisamos de os incentivar com outras tecnologias e temos de ter tempo para isso. E não temos”, critica.
Entre os cerca de 120 docentes que lecionam do ensino básico ao ensino secundário, também se fizeram ouvir os educadores e professores do pré-escolar e 1º ciclo.
Ana Mafalda Alberty, educadora de infância no Agrupamento de Escolas nº1 de Abrantes, segurava nas mãos uma série de cânticos preparados para esta manifestação. Ao peito um cartaz, relativo ao regime de monodocência.
“Não podíamos fazer redução de horário da componente letiva ao longo dos anos. Colegas dos outros níveis de ensino, consoante a idade, vão reduzindo o tempo de serviço letivo. Nós não podemos, porque funcionamos em monodocência. Tínhamos uma benesse, no tempo de serviço para aposentação, que nos foi retirada”, explica ao nosso jornal.

“Agora trabalhamos até à idade da reforma normal, de todos os níveis de ensino, e não temos benesse nessa redução que tínhamos. E hoje em dia, como as crianças estão pouco autónomas, com 60 anos estar numa turma de 25 crianças de pré-escolar, ninguém imagina o que é. Ninguém aguenta, é surreal”, confessa a educadora.
Como também se fez ecoar nesta manhã, os professores estão em crer que “a escola unida jamais será vencida”, e seguem neste exercício de liberdade que defendem ser também um ensinamento para os seus alunos, cientes da luta que têm que travar para fazer valer os seus direitos para exercer a profissão com dignidade.
Os professores não arredaram pé durante cerca de duas horas. Dali muitos seguiram para Santarém, participando na concentração distrital da greve convocada a nível nacional, elevando o protesto e emprestando as vozes à luta da classe por todo o país.
Se da união dos professores dependesse, Abrantes demonstrou que a luta estaria mais que ganha.
A greve distrital decorreu esta quarta-feira, dia 1, em Santarém, tendo a concentração de professores e educadores no Largo do Seminário, na capital de distrito, reunido profissionais provenientes de vários concelhos, alguns dos quais depois de desfiles nas respetivas cidades.
Juntaram-se mais de mil professores no Largo do Seminário, e o secretário-geral do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (SPGL/Fenprof), José Feliciano Costa, anunciou adesões à greve superiores a 90% no distrito de Santarém, com Tomar a registar uma adesão de 99%, com apenas dois professores a trabalhar em todos os agrupamentos do concelho.
“Os professores estão aqui a demonstrar claramente que querem respeito, querem uma carreira respeitada e querem, acima de tudo, uma negociação séria”, disse.

Feliciano Costa afirmou que, na reunião com o Governo agendada para quinta-feira, os sindicatos vão exigir respeito pela lista graduada, pois não querem conselhos locais de diretores a colocar professores, e, “acima de tudo”, exigem a contagem do tempo de serviço.
A greve nacional de professores por distritos foi convocada por oito organizações sindicais – Associação Sindical de Professores Licenciados (ASPL), Federação Nacional dos Professores (FENPROF), Pró-Ordem dos Professores – Associação Sindical/Federação Portuguesa dos Professores, Sindicato dos Educadores e Professores Licenciados (SEPLEU), Sindicato Nacional dos Profissionais de Educação (SINAPE), Sindicato Nacional e Democrático dos Professores (SINDEP), Sindicato Independente de Professores e Educadores (SIPE) e Sindicato Nacional dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades (SPLIU).
A greve teve início a 3 de janeiro e decorreu até dia 31 de janeiro ao primeiro tempo de aulas de cada docente. No dia 16, ao longo de 18 dias úteis e terminando a 8 de fevereiro, arrancou ainda uma greve por distritos, não se cumprindo greve ao primeiro tempo no distrito em causa.
*com Lusa