A obra “Liceu de Abrantes – 50 anos de uma escola para todos”, de Joaquim Candeias da Silva e José Martinho Gaspar, venceu a 3ª edição do Prémio Literário do Médio Tejo na categoria de Não-ficção. Após o anúncio, o nosso jornal falou com os autores sobre o livro vencedor, que será editado pela Médio Tejo Edições e terá distribuição nacional.
O historiador José Martinho Gaspar, natural de Água das Casas (Abrantes), e o historiador Joaquim Candeias da Silva, natural de Orca (Fundão), mas residente em Abrantes, são os autores do livro “Liceu de Abrantes – 50 anos de uma escola para todos”, uma obra conjunta escrita “a várias mãos” no âmbito do cinquentenário daquela instituição e das respetivas comemorações, em 2017. A direção do Agrupamento Nº 2 de Abrantes decidiu que faria sentido organizar e editar uma publicação, na qual se fizesse uma síntese do que foram as origens e a vida da Escola Dr. Manuel Fernandes (antigo Liceu de Abrantes), ao longo de cinco décadas, mas a publicação acabou por ficar inviabilizada, tendo agora a oportunidade de chegar aos muitos estudantes e professores que ali passaram momentos fundamentais das suas vidas.
A comissão do cinquentenário, presidida pelo professor Mário Pissarra, “traçou determinados objetivos, e acabámos os dois historiadores do Liceu mais… digamos que enfronhados na história geral de Abrantes para redigir esta parte histórica”, conta Joaquim Candeias da Silva ao mediotejo.net, explicando como começou este trabalho em coautoria com José Martinho Gaspar. A Candeias da Silva, professor durante 30 anos naquela instituição, coube analisar a evolução do ensino secundário/liceal no país e na região em que Abrantes se insere. O trabalho introdutório de Joaquim Candeias da Silva teve como objetivo “enquadrar” a história do Liceu. “Entendi por bem fazer um preâmbulo em que dou conta das origens [do ensino secundário], como apareceu no País ainda no século XIX, e referindo também os primeiros colégios que existiram em Abrantes, Rossio, Mouriscas, Alvega. Foi o meu maior contributo para o livro”, refere.
Martinho Gaspar corroborou esta afirmação. “A parte de instalação do Liceu e a história do ensino secundário é da autoria do professor Candeias. Aquilo que foram algumas das primeiras escolas secundárias privadas de Abrantes, até na primeira metade do século XX. E depois fala da instalação do Colégio de Fátima em 1940, da Escola Industrial e Comercial de Abrantes em 1953 e do Colégio La Salle em 1959, maioritariamente escolas privadas, sendo a Escola Industrial pública. O Liceu veio dar resposta, quando foi criado em 1967, à necessidade de uma escola secundária pública que permitisse o prosseguimento de estudos e estudar áreas diferentes” das lecionadas na Escola Industrial e Comercial, explica.
A obra relata então a história do Liceu que em 2 de outubro de 1967 foi inaugurada, no Edifício Carneiro, perto do Jardim do Castelo, como sendo a Secção Liceal de Abrantes do Liceu Nacional de Santarém, que se transformou em Liceu Nacional de Abrantes em 1971 e que chega aos nossos dias com a designação Escola Secundária 2.º e 3.º Ciclo Dr. Manuel Fernandes.
Um Liceu que conheceu diferentes casas. “Em 1975, no pós 25 de Abril, com o encerramento do La Salle, acabou por ocupar as instalações que ainda são as atuais, com as transformações que entretanto sofreu”, refere José Martinho Gaspar.

Mas no ano do cinquentenário, “a obra não ficou completa dentro do período das comemorações, acabámos por terminá-la só no final de 2017. Depois não houve condições para a sua publicação e edição. É um livro relativamente grande, com aproximadamente 100 páginas de texto, com muitas imagens, algumas muito curiosas no Edifício Carneiro, das primeiras turmas, outras dos anos 70, 80, 90 até à atualidade. Fizemos essa compilação mas não tivemos possibilidade de a publicar”, conta.
O Prémio Literário do Médio Tejo surgiu como uma oportunidade agarrada pelo historiador para a publicação da obra. “Entendi que dentro da Não-ficção talvez fosse uma possibilidade de criar condições para o livro ser publicado. E tivemos essa felicidade”, afirmou, confessando ter criado “alguma expectativa” quanto à eventualidade de ser premiado.
“É um livro feito com critério, sobretudo com bastante rigor. Tem muita informação interessante que vai além da história do Liceu”, garante. O titulo assume um subtítulo – ‘uma escola para todos’ – porque “o Liceu permitiu um boom no acesso à Educação” no ensino secundário em Abrantes. “As pessoas tinham acesso através das escolas privadas, mas com o Liceu foi generalizado”. Segundo José Martinho Gaspar, em poucos anos, os alunos do Liceu eram 700. Aquando do 25 de Abril aquela escola já ultrapassava os mil alunos e “na altura que a escola se massificou, o Liceu desempenhou um papel fundamental”, considera.
E assim nasceu a obra, até agora encerrada nas gavetas dos autores, devido a problemas financeiros, sendo agora publicada devido ao galardão no Prémio Literário do Médio Tejo, na categoria de Não-ficção (a Câmara Municipal de Abrantes manifestou entretanto à editora a sua vontade de colaborar na publicação deste livro).
É um trabalho “que nem sequer é a dois, é a muitos, uma vez que há testemunhos de várias pessoas, inclusivamente de alunos”, diz Candeias da Silva. Como coautores “aparecem dois nomes, talvez daqueles que deram o pontapé de saída”, nota, acrescentando que “o professor Marinho Gaspar foi a pessoa que mais trabalho teve na organização, nos contactos, nas escolhas e na recolha das fotografias”.
A publicação em 2021 “faz um certo sentido” para Candeias da Silva, porque “este ano assinala-se 50 anos do início do Liceu propriamente dito, porque antes de 1971 era uma secção de Santarém”. Para José Martinho Gaspar “olhar para esta escola é também olhar para a região, para a nossa cidade, para as nossas aldeias. Creio que o livro dá tudo isso”.
A possibilidade de ver o livro finalmente publicado “é o aspeto que mais nos alegra”, assegura. O historiador acredita que “muita gente que passou por aquela escola – professores, alunos, funcionários – vão com certeza ficar muito satisfeitos por verem a sua escola tratada” neste trabalho, diz.

Como documento histórico, o livro revela também um pouco “da realidade social do concelho de Abrantes e dos concelhos envolventes ao longo destes 50 anos. As escolas acabam por ser um espelho disso mesmo”, acrescenta.
Por seu lado, Joaquim Candeias da Silva afirma que receber a noticia do Prémio Literário “foi bom”, até porque “já estava um pouco esquecido” da obra devido às dificuldades do processo de publicação. Este prémio, não sendo o primeiro de nenhum dos autores, “soube bem” particularmente por “fazer sair a obra da gaveta, para o público, para ser útil à comunidade”.
Atingir os objetivos propostos pela comissão do cinquentenário apresentou-se como “uma tarefa hercúlea, porquanto a informação é vastíssima, as fontes são múltiplas, nem sempre estão suficientemente organizadas; pelo que corríamos o risco de não chegarmos a todos os momentos marcantes do trajeto da instituição. Além disso, esta foi uma escola onde trabalharam milhares de pessoas e que foi frequentada por dezenas de milhares de alunos, que, em função das suas experiências, têm uma visão muito pessoal da ‘sua escola’, o que impede perspectivas consensuais”, lê-se no livro.
Em face das dificuldades, os autores optaram por seguir “uma perspetiva resumida e essencialmente cronológica”. Assim, a informação prestada foi a filtrada da imprensa local, também a captada em documentos da escola, nomeadamente em livros de atas, e a que alguns intervenientes diretos contaram.

A dificuldade neste tipo de investigação, garante Martinho Gaspar, passa pelo “tempo” despendido na investigação e na recolha de material. “Acabei por ter algumas facilidades na medida que estando na escola, nessa altura, enquanto professor, acabei por ter acesso aos livros, ao arquivo da escola e aos livros mais antigos; aos primeiros livros de alunos, aos primeiros livros de professores, dos primeiros conselhos de turma, da própria instalação, aos livros dos conselhos pedagógicos, aos livros das assembleias e de vários órgãos da escola. A leitura dessas fontes acabou por ser muito interessante e fundamental para perceber a realidade” do Liceu, atualmente Escola Dr. Manuel Fernandes.

“Foi preciso investigar, ir aos jornais, consultar bibliografia sobre o assunto” ou seja, traçar a pré-história do Liceu. “Um trabalho que demorou algum tempo”, nota por seu lado Candeias da Silva.
Também José Martinho Gaspar fala num “trabalho muito moroso, porque tinha muitas fontes e muita informação disponível”, o que obrigou a um esforço na tentativa de uma apresentação “mais ou menos equilibrada”.
Realça que os autores quiseram ouvir outras vozes. Ou melhor, que outros com “alguns conhecimentos específicos” também relatassem parte desta história, escrevendo textos para o livro. “Em relação ao edifício propriamente dito, ao patrono que se tornou o Dr. Manuel Fernandes a partir de determinada altura, e pedimos à professora Teresa Aparício, ao próprio arquiteto que fez as obras no âmbito da Parque Escolar no âmbito da nova escola”. Existe, portanto, “a perspetiva dessas pessoas”.
Além disso, José Martinho Gaspar quis ainda ouvir os alunos. “Fui a cada uma das cinco décadas do Liceu encontrar um aluno, uma figura mais ou menos representativa dessa época, alguém que seja conhecido da população e perceber a sua perspetiva enquanto aluno. Houve a tentativa de ter essa componente e funcionou bastante bem”, considera.
O professor Candeias da Silva manifesta “satisfação” pela autoria da parte introdutória, que representa muitos anos até 1967. “Entre os testemunhos também dei o meu. Fui recuperar da memória, falando do meu primeiro ano no Liceu. Foi, dos quase 30 anos que lá estive, aquele que me marcou mais”.
Conta que chegou a Abrantes com o 25 de Abril de 1974, vindo de “um processo revolucionário, digamos assim”. Estava num colégio em Proença a Nova, “que foi intervencionado devido a problemas de índole política e educativa”. Normalmente os anos letivos começam em setembro/outubro, “naquele ano começou em janeiro porque as colocações demoraram imenso”.

Candeias da Silva começou a lecionar no Liceu no dia 2 de janeiro de 1975. “Depois Abrantes foi o epicentro do movimento grevista reivindicativo estudantil. Tivemos um processo de greves, que nunca tinha havido e nunca mais houve, durou mais de um mês. Toda aquela mudança de programas, sem manuais, tínhamos de os inventar, a escola a rebentar pelas costuras… naquele ano cresceu imenso. Imaginem o edifício Carneiro com mil alunos, cheguei a dar aulas no jardim porque o calor era insuportável, havia buracos no chão onde os alunos caíam, foi um ano sui generis”.
Um testemunho, “memórias pessoais que traduzem uma memória coletiva. Creio que é dessa variedade que resulta a riqueza da obra. É um trabalho curioso que deve ficar para a história da cidade” de Abrantes, afirma.
Ou seja, “uma escola que não é só a sala de aula mas que desde o seu início tem essa particularidade de ter dinâmicas ligadas à comunidade”. Mesmo antes do 25 de Abril o Liceu evidenciou “uma posição às vezes contra o próprio regime, nos saraus que fazia, na informação que veiculava, o próprio Dr. Pequito, o primeiro reitor, alguém que se pôs muitas vezes ao lado dos alunos nessas suas reivindicações. E depois à medida que o tempo foi passando o liceu manteve essa proximidade com a população através de atividades curriculares e extra-curriculares. Neste aspeto procurámos enquadrá-los todos e trazê-los a público”, explica Martinho Gaspar.

Quanto ao interesse que a obra pode suscitar no público, José Martinho Gaspar lembrou o atual tempo de pandemia. “Se conseguíssemos publicar o livro antes da abertura do próximo ano letivo, e se vivêssemos num tempo normal, podíamos fazer um grande jantar comemorativo e uma grande apresentação do livro”. Contudo, e apesar dos “tempos difíceis” acredita que “muita gente” que frequentou aquele estabelecimento de ensino “terá gosto em voltar a contactar com a escola. Tivemos essa experiência no âmbito da celebração do cinquentenário. Uma das coisas que fizemos foi partilhar as fichas das turmas na Internet. Acabou por gerar nas pessoas uma grande euforia. Creio que o livro também é um complemento, agora com mais informação escrita dessas memórias que as pessoas têm e de outros que não conhecem e com certeza vão gostar de conhecer”. Para o historiador “vai ser relativamente fácil fazer chegar o livro às pessoas”.
Opinião semelhante tem Joaquim Candeias da Silva. “O liceu que já teve dois mil alunos. Para um concelho desta dimensão representa muito. De um modo geral as pessoas guardam do seu passado a escola; onde se formaram, onde tiveram as primeiras amizades, as suas aprendizagens. É aquilo que viveram, que por vezes recordam com mais saudade, carinho também. O liceu será para muita gente um pouco da sua vida e é importante por isso”.

Sobre a evolução do Liceu enquanto escola, José Martinho Gaspar considera “importante que se percebam as respostas e soluções que foram dadas aos alunos ao longo do tempo até hoje”, por exemplo com os cursos de dança e de música. “A escola tem de se renovar” opina.
O Prémio Literário do Médio Tejo, uma iniciativa da Médio Tejo Edições realizada com o apoio do TorreShopping e da Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo, visa promover talentos regionais e, nesse sentido, distingue obras de autores naturais ou descendentes de famílias de um dos 13 concelhos do Médio Tejo, ou residir na região há mais de um ano. Na 3ª edição do prémio, além do livro “Liceu de Abrantes – 50 anos de uma escola para todos”, foram distinguidas as obras “A esquina do tempo”, de Jorge Fazenda, na categoria de Romance, e “Bendita Sejas”, de Sónia Vieira Pereira, na categoria de Poesia.
Os vencedores recebem um prémio monetário de 500 euros e as suas obras são editadas pela Médio Tejo Edições/Origami Livros, com distribuição nacional e lançamento na Feira do Livro de Lisboa.