Num sábado que se esperava quente, com os termómetros a disputar os 40 graus centígrados, estrada abaixo pela localidade de Cascalhos, em Mouriscas, encontra-se um portão em madeira envernizada que nos convida a entrar nas Colinas do Tejo.

Uma quinta que promove alojamento e atividades com o intuito de alertar para a defesa e conservação do património natural, onde se reuniram cerca de uma centena de participantes naquela que foi a quinta edição do Vogar Contra a Indiferença, uma iniciativa promovida a 2 de julho, em articulação com o movimento ProTejo.

Com organização de João Gouveia e Paulo Constantino, este evento contou com a presença da representante da Rede do Tejo, Soledad de La Llama, que integrava o grupo de 30 espanhóis pertencentes a várias associações e movimentos de defesa ambientais. Uniram forças com o movimento português em torno da defesa do rio Tejo enquanto cordão umbilical que liga a Península Ibérica.

Outras questões os preocupavam, nomeadamente a luta pelo encerramento da Central de Almaraz. Diziam, assertivos, que o Tejo é de todos e que ninguém tem o direito de interferir no seu ciclo natural, causando descargas de poluentes, não controlando de forma regular o nível de caudal e construindo barragens, diques e outros obstáculos artificiais que prejudicam o ciclo vivo do rio.

A viagem foi feita em canoa, havendo 4 ou 5 elementos transportados em barcos de apoio tradicionais: o picareto, no qual também assisti à preocupação e discussão saudável entre activistas espanhóis e gente que do rio vive. Os pescadores, que faziam o favor de nos transportar nos seus barcos, aproveitavam para também eles lamentar o estado a que chegou aquele que é o recurso que lhes dá o ganha-pão.

“Não quero fazer parte [da manifestação]. Estou aqui para ajudar apenas. Mas é triste, e realmente não se percebe o estado a que as coisas chegaram. Este barco não consegue passar no travessão. E muito menos subir!”, referia um dos pescadores, enquanto indicava com orgulho pedaços de história daquele troço do rio Tejo entre Mouriscas e a tomada de água da Central Termoelétrica do Pego. “Ali se ganhava o dinheiro, as pesqueiras. Naquela diz-se que morreu um padre!”, conta.

Fez-se um esforço para contar um pouco da história do rio, principalmente com base naquele troço, em português a arranhar espanhol, e lá se entenderam os “vizinhos”.

Muitas pessoas participaram na descida do Tejo em canoa, pagaiando pela primeira vez e referindo que valia o esforço. Um grupo da Cercizimbra, de Quinta do Conde, também integrava este momento, vestidos com t-shirts verdes e entusiasmados com a explicação dos monitores que acompanharam e explicaram como proceder ao longo do percurso.

O vento não facilitava e o caudal encontrava-se abaixo do esperado pelos organizadores. Temia-se que não fosse possível descer o rio, mas efetivamente, esta foi uma das razões pelas quais se reuniram: a irregularidade do caudal.

Chegados ao Aquapolis Sul, em Abrantes, após cerca de três horas a pagaiar num troço de nove quilómetros, a sensação era de alívio e de dever cumprido. O entusiasmo vencia o cansaço e os envolvidos mostravam-se irredutíveis na apresentação dos seus argumentos quanto à discussão dos problemas que assolam o rio.

Do movimento ProTejo, Paulo Constantino, justificou a presença das associações espanholas pela existência de problemas e preocupações comuns e pela necessidade de “uma gestão comum e sustentável da bacia hidrográfica do Tejo (…) alertando-se para a “conetividade fluvial e a navegabilidade no rio Tejo, uma vez que o travessão construído pela Pegop – Central Termoelétrica do Pego [que atravessa o Tejo no troço hoje percorrido] não permite a navegabilidade para montante e jusante, porque, chegados ali, tivemos de atravessar com as canoas por cima do travessão”. De facto aconteceu. Os mais experientes tentaram passar, pelo meio da turbulência, e eis que conseguiram fazê-lo ainda que com alguma dificuldade, que envolveu uma canoa virada do avesso e dois ocupantes dentro de água.

Porém, os restantes participantes não quiseram arriscar. Não tinham de o fazer, e depois de recolhidos os cartazes que apelavam à não poluição do Rio Tejo, todos e todas transpuseram o (já famoso) travessão com as canoas nos braços, fazendo um certo esforço para não cair entre as pedras disformes e pontiagudas.

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As canoas tiveram de ser transportadas à mão para serem colocadas a jusante do travessão. Foto: mediotejo.net

Além de não permitir a passagem de “embarcações de pequeno porte, nomeadamente para montante”, referia João Gouveia, das Colinas do Tejo, ao mesmo tempo que clamava “Por um Tejo vivo, navegável e fonte de vida!”.

“Que as nossas mãos unidas protejam o Tejo”

A iniciativa contava com um momento alto que pretendia a leitura da Carta Contra a Indiferença. Em português e em espanhol, mostrando aquela que seria uma união entre os responsáveis pelas associações de defesa ambiental, Paulo Constantino e Soledad de La Llama, leram em voz alta, intercalados, o documento perante uma formação de dezenas de participantes que seguravam lado a lado cartazes e lonas. Junto ao dois oradores encontravam-se hasteadas as bandeiras de Portugal e Espanha.

“Devemos unir-nos e reclamar a unidade e integridade do Tejo e da sua bacia, já que o amor e o respeito que por ele sentimos não se esgotam em nenhuma das fronteiras administrativas e artificiais que os homens impõem à natureza.

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As bandeiras portuguesa e espanhola foram transportadas ao longo do troço por uma das participantes, como símbolo da solidariedade e união perante os problemas vividos no rio Tejo nos últimos tempos. Foto:mediotejo.net

Para que as nossas mãos o protejam temos que as unir e coordenar, mostrando a união dos cidadãos portugueses e espanhóis na defesa do Tejo, enquanto bacia ibérica e internacional, e afirmar a nossa determinação para combater a indiferença ao maltrato que tem vindo a sofrer”, lê-se na carta que contém dez reivindicações perante as autoridades competentes internacionais, nacionais e regionais para a defesa do Tejo e seus afluentes.

Selando a união ibérica neste Vogar Contra a Indiferença, Paulo Constantino e Soledad de la Llama deram as mãos, declamando em voz alta um poema de Miguel Torga.

“Recomeça

Se puderes,

Sem angústia e sem pressa.

E os passos que deres

Nesse caminho duro

Do futuro

Dá-os em liberdade.

Enquanto não alcances

Não descanses.

O Tejo merece!”

Prometeram que a luta irá continuar, pretendem o encerramento da Central Nuclear de Almaraz e dizem defender, até que as forças lhes faltem, o rio Tejo que é de todos. Não querem que este rumo prevaleça, pensando no futuro. Temendo que “as próximas gerações já não conhecerão rios vivos, mas apenas imagens na internet… que serão sombras do que um dia nos foi oferecido com generosidade”.

Joana Rita Santos

Formada em Jornalismo, faz da vida uma compilação de pequenos prazeres, onde não falta a escrita, a leitura, a fotografia, a música. Viciada no verbo Ir, nada supera o gozo de partir à descoberta das terras, das gentes, dos trilhos e da natureza... também por isto continua a crer no jornalismo de proximidade. Já esteve mais longe de forrar as paredes de casa com estantes de livros. Não troca a paz da consciência tranquila e a gargalhada dos seus por nada deste mundo.

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