“Sim, a freguesia sentiu, no início foi muito complicado porque todas pessoas estavam indecisas e perguntavam-se sobre “o que é que iria daqui sair, a central a carvão vai fechar e o que é que será de nós”, diz a presidente da Junta de Freguesia do Pego, lembrando que o fecho da central a carvão, a 30 de novembro de 2021, afetou muitos trabalhadores e teve impactos diretos negativos na economia local.
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Segundo Bia Salgueiro, os impactos foram sentidos “através dos trabalhadores, através da restauração, do comércio local e também através das pessoas individuais, porque durante a manutenção da central tínhamos sempre aqui 300 a 400 pessoas no Pego instaladas em casas particulares que viviam disso”, tendo relatado um “sentimento de dor” pela “falta de movimento” e “quebra” da dinâmica económica e social. “Isso quebrou e também vimos que a nossa aldeia ficou mais triste”, sintetizou, tendo feito notar existir um sentimento de que “agora as coisas estão um bocadinho melhores”, em termos de perspetiva de futuro.
“Como é que eu hei de dizer? Se calhar aquela luz que nós víamos ao fundo do túnel… a luz já passou o túnel. Como disse o senhor presidente [da Câmara de Abrantes], através da Endesa que já cá está… portanto, nós sentimos que essa luz já está presente, sentimos que os trabalhadores já conseguem ter uma visão” de futuro.

A leitura ambivalente da presidente da freguesia do Pego, aldeia com cerca de 2.500 habitantes, é partilhada por António Larguinho, proprietário do restaurante ‘Tulipa’, que não esconde os prejuízos nem um otimismo moderado, com a reconversão da central a carvão num centro produtor de energia ambientalmente sustentável.
“Está mais fraco, como era natural que fraquejasse, porque era muita gente que empregava ali a central e tínhamos muitos clientes e notou-se bastante. E vai-se notar agora para os próximos anos até isto voltar à normalidade, não sei se voltará, mas notou-se bastante”, tendo lembrado momentos de “grande apreensão” após o anúncio do fecho da central.

“São coisas que não estávamos à espera, embora se falasse. Falava-se em 2030, depois passou para 2026, depois encerrou em 2021. Basicamente à espera de um fecho tão rápido não estávamos, mas sabíamos que ia acontecer. Trouxe quebras, como é natural, trouxe quebras aqui no comércio, na movimentação de pessoas, tudo negativo, nessa parte foi negativo”, relatou o empresário de restauração, que partiu de Sines há 28 anos para abrir negócio no Pego, em plena estrada nacional 118, quando soube que se ia construir uma central a carvão.
A visão de negócio foi acertada, e apesar dos tempos conturbados, Larguinho investiu na remodelação do espaço, na poupança energética e adaptou o restaurante às novas circunstâncias, sem promover despedimentos. “Temos de fazer mais contas, não abrimos de manhã nem abrimos à tarde porque não tem movimento que justifique, e vamos vivendo assim, até ver, mas acho que há de correr bem”, afirmou, com um misto de confiança e de expectativa.

Com o fecho do ciclo do carvão em Portugal, para cerca de 150 pessoas, que de forma direta ou indireta mantinham relação com a Central, acabou também o trabalho e um ciclo que haviam construído em conjunto, com promessas de um futuro melhor, mas também com incertezas sobre esse amanhã que há de vir.
“Se não houver a aplicação do Fundo de Transição justa, todos estes trabalhadores, os que estão no ativo e os que já estavam na fase de formação, irão para o desemprego. E grave é, irão perder mais de 50% do rendimento familiar. Esta é uma transição que nós entendemos que não tem nada de justa se não for aplicado os mecanismos que estão previstos na lei”, disse à Lusa João Furtado, 64 anos, engenheiro na central e ainda no ativo.
Para Furtado, um dos trabalhadores mais antigos e chefe de equipa de operação da sala de comando da Central Termoelétrica do Pego, esta é a preocupação do momento para quem ainda está no ativo, cerca de 25 trabalhadores com contrato até dezembro, quer para os antigos funcionários, que estão em processo de formação, cerca de 50, na expectativa de retomarem funções e não caírem no desemprego.

“Essa é a nossa principal preocupação. Ou seja, em janeiro todos estamos no mesmo barco. Os que estavam na formação terminam em dezembro, e nós que vamos ser despedidos, o despedimento está efetivo, já. Portanto, estamos aqui a falar num universo de cerca de 70 trabalhadores que, se não houver aplicação do Fundo de Transição Justa, iremos todos para a fila do desemprego”, alertou.
A falta de informação era o principal motivo de apreensão e preocupação dos trabalhadores, que se concentraram junto à entrada da central do Pego no momento da reportagem da Lusa, tendo o presidente da Câmara de Abrantes anunciado ali que era portador de uma garantia do ministro do Ambiente da continuidade da proteção social e da formação, que a todos tranquilizou.
“A informação que tínhamos até agora era que iria terminar no final de dezembro, iria terminar aí, e para o ano teríamos subsídio de desemprego, portanto, iríamos para o desemprego normal”, disse à Lusa Fernando Machado, 59 anos, em representação dos cerca de 50 trabalhadores em processo de formação.
“Essa era a informação que tínhamos até agora e continuamos a lutar para esclarecer, dado que, quando integrámos o programa da formação, que foi o despacho que o governo produziu, o regulamento para a transição justa, era de que iríamos ter formação genérica, durante os primeiros meses e, a seguir, com as empresas que ganhassem o concurso ou que viessem a admitir as pessoas, iríamos para formação dedicada, digamos assim, para aderir então e entrar novamente no mercado de trabalho. Coisa que até ao final do ano não aconteceu”, notou.
Por outro lado, acrescentou Machado, o grupo “é bastante diverso”, em termos de idades. “Há alguns colegas que conseguem ir para a reforma, estão perto da idade da reforma, há uma grande quantidade de pessoas como eu, na casa dos 59 anos… Portanto, novos para a reforma, velhos, digamos, para o mercado de trabalho, apesar de toda a formação que temos e sermos especializados nesta área, não é uma área que exista agora por exemplo novos projetos das energias renováveis, é necessária requalificação. Agora se as empresas têm interesse ou não em requalificar pessoas com a nossa idade e se somos competentes para o projeto temos de esperar para ver”, referiu, com expectativa moderada.
Em declarações à Lusa, Manuel José Fernandes, do SIESI – Sindicato das Indústrias Eléctricas do Sul e Ilhas, da CGTP-IN, que se juntou aos trabalhadores na central do Pego, lembrou um “processo negocial e de transição que se quer justo” e que, por si, “tem um sentido” claro.
“São cento e muitas pessoas, muitas delas que estão presentes aqui, que por força do encerramento da central a carvão viram ameaçados os postos de trabalho que teriam vários quadros. Um quadro eu diria ser já numa situação de carreira, porque esta central tem 30 anos, não tem dois dias, e há gente que já tem uma carreira bastante prolongada e há outra gente que iniciou a carreira há pouco tempo. A transição desta gente não era fácil, aliás conhecendo algumas situações que foram muito complicadas, daria algum relevo à central de Sines, que é uma central idêntica que fechou há algum um tempo atrás”, notou.
“Era extremamente importante que se desse uma transição justa. Na altura, com o Governo, foi possível olhar para este quadro que tentámos mostrá-lo com todas as suas consequências, tendo sido aceite pelo Governo e que prometia criar um processo que foi chamado um processo integrante de transição, que visava, fundamentalmente, após o encerramento da central a carvão, permitir que as pessoas pudessem continuar a sua atividade, encontrando emprego. É necessário que se diga que o despacho que é feito dizia exatamente isso, encontrar emprego”, notou.
O dirigente, que recebeu a notícia do prolongamento da proteção social naquela manhã, ao mesmo tempo que os trabalhadores, lembrou a apreensão e as dúvidas geradas pela “não resposta aos sucessivos contactos feitos com o Governo” (…) e que “tinham a ver com o despedimento no final do ano, mais precisamente no próximo dia 28 de dezembro, do último grupo de trabalhadores que operavam pela Central a carvão”, altura em que vão sair aproximadamente 25 trabalhadores.
“Lamentamos, de facto, que o Governo, não tenha, mais cedo, colocado em cima da mesa a possibilidade da continuidade do projeto, que era obrigatório digamos assim, mas enfim, hoje, o senhor presidente [da Câmara de Abrantes] teve oportunidade de transmitir aos trabalhadores, e a nós também, que tinha recebido indicação do senhor ministro do Ambiente e da Ação Climática que o projeto iria continuar”, informação que saudou.

“Apraz-nos fundamentalmente registar esta situação porque entendemos que isto, de facto, é um projeto que, dessa forma, pode dar continuidade a um trabalho que resulte não numa perda irrecuperável para a região e para o país. Quem fala de 150 trabalhadores fala de 150 famílias, fala quase de 500 pessoas, que estariam numa situação muito complicada. É preciso perceber que estas pessoas perdiam metade a dois terços do seu rendimento. Era impossível”, afirmou.
Em declarações à Lusa, o presidente da Câmara Municipal de Abrantes disse que o fim da produção de energia a carvão foi um momento histórico para o país e que o fecho da central é vivido de forma ambivalente na região, pela importância social e económica da Central do Pego nos últimos 30 anos, tendo afirmado a sua confiança no futuro, pelas oportunidades que a reconversão da central a carvão vão proporcionar.
“Há, de facto, um momento antes. Durante 30 anos a Central Termoelétrica a carvão funcionou para dar energia ao país. Fez-se aqui um trabalho, durante 30 anos, extraordinário para iluminar o país. Entretanto, em 2019, foi decidido o encerramento da produção a carvão, por parte do Governo, e, digamos que, para além das questões da economia regional e local, os trabalhadores estiveram sempre como elementos centrais das nossas preocupações”, vincou.
Hoje, afirmou, “há aqui um sentimento de preocupação, de angústia” sobre o futuro dos trabalhadores e das suas famílias. “Os trabalhadores, os que já saíram num primeiro momento, os que vão sair agora, num segundo momento, e essa é a nossa grande preocupação, é com os nossos trabalhadores”, afirmou Manuel Jorge Valamatos, tendo confirmado a garantia do ministro do Ambiente da continuidade da proteção e integração social dos funcionários da central a carvão, através do Fundo Ambiental.
A garantia que recebe da tutela é, por isso, uma boa notícia: “Sabemos que, através do Fundo Ambiental, e esta é, de facto, uma confirmação do senhor ministro do Ambiente, [para] todos os trabalhadores que continuaram a receber os seus vencimentos e estão a fazer formação, esse processo vai continuar no ano de 2023. E esta segunda vaga de trabalhadores que vão agora deixar de trabalhar na central a carvão também irão ter essa metodologia.”
Além do anúncio de que “todos aqueles que ficarem desempregados irão ter apoio nos seus vencimentos, de acordo com aquilo que era o vencimento que recebiam na central, e irão ter formação”, o autarca diz ser expectável que possam ser integrados no projeto da Endesa (de 600 milhões de euros e com a promessa de “reciclagem profissional” de mais de 2.000 pessoas) ou noutros.
“Sabemos que, através do Fundo Ambiental, e esta é, de facto, uma confirmação do senhor ministro do Ambiente, todos os trabalhadores que continuaram a receber os seus vencimentos e estão a fazer formação, esse processo vai continuar no ano de 2023… E esta segunda vaga de trabalhadores que vão agora deixar de trabalhar na central a carvão também irão ter essa metodologia”, assegurou o autarca à Lusa e aos trabalhadores reunidos à sua volta.
Segundo afirmou Manuel Jorge Valamatos, “serão garantidos os vencimentos dos trabalhadores, com formação, obviamente haverá alguns trabalhadores que procurarão outra atividade profissional, mas todos aqueles que ficarem desempregados irão ter apoio nos seus vencimentos, de acordo com aquilo que era o vencimento que recebiam na central, e irão ter formação, e é expectável para nós que possam, num futuro próximo, vir a ser integrados quer no projeto da Endesa, quer em outros projetos que precisam rapidamente de se instalar para garantir, de facto, esta dinâmica económica capaz do nosso desenvolvimento global”.
A central a carvão do Pego, instalada no concelho de Abrantes, começou em 1993 a produzir energia elétrica com uma licença detida pela Tejo Energia, válida por 28 anos, terminando o Contrato de Aquisição de Energia (CAE) a 30 de novembro de 2021, não tendo o mesmo sido renovado pelo governo, que decidiu acabar com o carvão no âmbito da estratégia de descarbonização nacional.
A central a carvão instalada na freguesia do Pego encerrou em 30 de novembro de 2021, tendo o Governo decidido abrir um concurso para a reconversão daquele equipamento e ao qual concorreram seis empresas.
A Endesa, que venceu o concurso para o ponto de ligação à rede elétrica da central do Pego, em Abrantes, apresentou um projeto avaliado em 600 milhões de euros e prometeu a “reciclagem profissional” de mais de 2.000 pessoas.
Há duas semanas, a Endesa anunciou um novo escritório em Abrantes, com a incorporação dos primeiros ex-funcionários.
Num comunicado datado de março de 2022, a elétrica adiantou que “através da sua filial Endesa Generación Portugal, venceu o concurso de transição justa do Pego, em Portugal, com um projeto que combina a hibridização de fontes renováveis e o seu armazenamento naquela que será a maior bateria da Europa, com iniciativas de desenvolvimento social e económico”.
***Agência Lusa, Mário Rui Fonseca (texto), Jessica Filipe (fotos e vídeo)**
Para o bem (e para o mal) de todos, a 4.a Revolução Industrial está aí: A Indústria 4.0. Se ninguém “sabe o que aí vem”, só gostava de perceber que formação está a ser lecionada aos trabalhadores da Central?