Cerca de uma centena de utentes reuniram-se esta quarta-feira em frente à extensão de Saúde de Assentis, em Torres Novas. Foto: mediotejo.net

A vigília estava marcada para as 19h00 mas antes disso já vários populares se juntavam no local, numa ação que acabaria por juntar cerca de uma centena de pessoas que foram chegando e instalando em frente à extensão de saúde de Assentis (Torres Novas). Sozinhos ou acompanhados pela família e amigos, todos estavam ali com uma preocupação e um único objetivo: mostrar o seu descontentamento pela falta de médicos de família na localidade e reivindicar a colocação urgente de um clínico em Assentis, freguesia com cerca de 2500 habitantes.

Houve até que tenha lembrado a Constituição Portuguesa e os direitos que a mesma confere às populações assim como os deveres aos representantes do Estado, no caso, ao governo.

Embora tenha sido convidada pela CUSMT, entidade que organizou a ação, a Câmara Municipal de Torres Novas não se fez representar na vigília que se prolongou noite dentro. Também o Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Médio Tejo compareceu ou se fez representar. Pelas 21h00 eram já cerca de uma centena aqueles que ouviam as intervenções com a máxima atenção e contribuíam com o seu desagrado perante uma situação que se prolonga desde 2022 nesta localidade, que dista 17 km de Torres Novas.

À medida que chegavam, iam-se acomodando e entre conversas, eram notórias as reivindicações, comuns à cerca de uma centena de habitantes e simpatizantes com a freguesia. “Acho que a união de todos pode fazer a força e conseguirmos alguma coisa, nomeadamente um médico”, afirmou Carminda Leal.

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A habitante de Assentis, freguesia que, ao momento não tem nenhum médico disponível para serviço de atendimento, acrescentou ter já procurado “uma médica particular” e tem agora de realizar exames, estando “à espera de uma consulta”.

Junto a Carminda Leal, o mediotejo.net encontrou Isabel Teixeira que afirmou que desde março do presente ano não têm serviços médicos naquela extensão de saúde. “Estamos sujeitos a que aconteça o mesmo do senhor que esteve seis horas à espera e morreu nas urgências antes de ser atendido. Isto é mesmo um caos, é de lamentar”, afirmou.

Isabel Teixeira, Carminda Leal, Rita Ferreira e Deolinda Domingos em declarações ao nosso jornal. Foto: mediotejo.net

Rita Ferreira, também habitante de Assentis, junta-se à conversa e acrescenta: “temos de ir ao particular ou então a Torres Novas ao Centro de Saúde, mas é preciso ir de madrugada para apanhar vaga. Só dão três vagas e muitas vezes as pessoas vêm-se embora sem conseguir, porque as três vagas são para as duas freguesias, de Assentis e da Chancelaria”, explica.

O porta-voz da CUSMT, Manuel José Soares, começou por agradecer a presença de todos, sublinhando a importância a ocasião. “O objetivo desta iniciativa é alertar e pressionar as entidades responsáveis para que anunciem e tomem decisões que concretizem a vinda de um médico para estas instalações”.

Manuel Soares acrescentou que a Comissão de Utentes se tem mantido atenta aos anseios e tem procurado dar resposta a um problema que se arrasta desde 2022, afetando uma população maioritariamente idosa.

Segundo Manuel José Soares, o problema da falta de um médico de família numa freguesia com cerca de 2.500 habitantes e que dista 17 quilómetros da sede do concelho, Torres Novas, “não se prende apenas com questões de ordem clínica, mas também de ordem burocrática, com as necessidades dos utentes ao nível de baixas, atestados médicos”, e outros.

“A alternativa que é dada aos utentes é deslocarem-se à sede do concelho, onde nem sempre conseguem marcar ou ter consulta”, indicou o representante da CUSMT, sublinhando que, recentemente, muitos utentes foram “aliciados” para se inscreverem numa Unidade de Saúde Familiar (USF), “mas na cidade” de Torres Novas.

ÁUDIO | Manuel Soares, representante da CUSMT

Em reuniões com o ACES Médio Tejo, o representante da CUSMT afirma terem sido colocadas algumas alternativas para a resolução do problema, mas foram confrontados com a relutância por parte dos profissionais. “O que nos disseram é que não é fácil, os médicos não querem, não é possível (…). Nós queremos cuidados de saúde de qualidade, mas essa qualidade só é maior se houver proximidade”, notou.

“Ontem à noite recebemos um carta de um dos vereadores, o responsável pela saúde, assumindo o compromisso que o mais tardar, até 1 de outubro, vem um médico para aqui, quatro manhãs ou tardes”, anunciou o porta-voz.

Para a Comissão de Utentes, trata-se de uma “solução provisória”, dado que o objetivo é ter um profissional “que venha aqui cumprir e possa ter alguma disponibilidade” a tempo inteiro. Perante os presentes, Manuel Soares frisou que “não foi dito que esse médico já existe… o que nos foi dito é que estão a arranjar um médico para, no mais tardar, dia 1 de outubro já cá estar”.

“Sabeis que há uma série de anos que nós andamos às voltas com a situação da falta de médicos e chegou-se ao ponto em que está mal, e muito mal”, começou por lembrar Leonel Santos, presidente da Junta de Freguesia de Assentis, presente na vigília.

Perante os habitantes, sublinhou os esforços realizados pela Junta de Freguesia, nomeadamente os pedidos de esclarecimento à autarquia que, por diversas ocasiões, ficaram a aguardar “desenvolvimento da situação”.

Leonel Santos, presidente da JF de Assentis (Torres Novas). Foto: mediotejo.net

Depois de ter sido avisado na véspera da Assembleia Municipal, que decorreu no dia 27 de junho, sobre a implementação do projeto “Bata Branca”, Leonel Santos voltou a questionar a autarquia a 2 de agosto, sobre os desenvolvimentos para o avançar da iniciativa. A resposta que obteve indicava que tudo “estaria encaminhado e se haveria de resolver”.

“Depois desta situação de hoje já ficámos mais esclarecidos. Irei reunir com a CUSMT, pedir uma opinião relativamente à situação com eles para ver se sabem mais alguma coisa do projeto com as Misericórdias e, nessa altura, irei ver se havemos de lá ir novamente a Torres Novas”, anunciou.

Leonel Santos sublinhou ainda que não irá desistir, sendo uma “pessoa que nunca desiste destas vontades, muito mais quando se trata da saúde da população em geral”, concluiu o responsável.

ÁUDIO | Leonel Santos, presidente da Junta de Freguesia de Assentis

Preocupada com a situação em que a população de Assentis se encontra, Rita Ferreira disse que a falta de médicos não lhe tem permitido o acompanhamento médico necessário. “Ao tempo que já não vou ao médico, mas acho que devia. Agora até vou tentar para ver se consigo uma marcação”, disse, preocupada.

“Ainda no domingo fui ao hospital e se tivesse aqui médico não tinha ido para as urgências”, afirmou, por sua vez, Maria de Fátima. “Há quem queira ir para Torres Novas mas nós, para nos deslocarmos, hoje conduzimos, mas amanhã podemos não conduzir. E para ir a Torres Novas de táxi e estar lá tantas horas à espera não é possível. Morremos sem assistência… anda uma pessoa uma vida inteira a descontar para não ter nada agora”, lamenta.

Maria de Fátima, habitante de Assentis. Foto: mediotejo.net

“Estamos a falar de populações cada vez mais idosas, algumas dependentes, muitas delas sem transporte próprio, para além de ausência de transportes públicos eficientes entre Assentis e Torres Novas”, notou Manuel Soares, tendo lembrado que os utentes já transmitiram o seu descontentamento em assembleias de freguesia e assembleias municipais, “sem sucesso”.

O representante da CUSMT defendeu ainda que, “se há médicos na cidade, estes devem deslocar-se às freguesias rurais”, sendo “mais fácil deslocar um medico a Assentis do que deslocar dezenas de pessoas a Torres Novas”, numa questão que, notou, “é de ordem social, de ordem humana e de ordem económica”.

José Henrique Alfaiate, residente na localidade, mostrou-se indignado com os “problemas com a saúde” e o “abandono” a que a freguesia de Assentis tem sido “sujeita há décadas”.

José Henrique Alfaiate. Foto: mediotejo.net

“Fui à Assembleia Municipal onde esteve grande parte da população e vi três intervenções que me agradaram, a do presidente da Assembleia de Freguesia, a do presidente da Junta e a do Manuel Soares. O resto, em termos políticos (…) não vi nada. Vi uma mão cheia de nada, palavras muito bonitas mas que não disseram nada”, afirmou.

O cidadão lamentou ainda a ausência da autarquia e da falta de investimentos na freguesia de Assentis. “A Câmara de Torres Novas não quer saber de nós para nada. Para lá tudo… há compras disto e daquilo, há dinheiro para tudo”.

ÁUDIO | Intervenção de José Henrique Alfaiate

O deputado municipal eleito pela CDU, Júlio Costa, também se fez ouvir e mostrou-se solidário com os anseios da população. Durante a iniciativa que reuniu dezenas de pessoas em frente à extensão de saúde de Assentis, relembrou que o grupo parlamentar tem procurado levar a questão à Assembleia Municipal, ouvindo as preocupações daqueles que se deslocaram ao local numa luta pelo acesso a cuidados de saúde.

“O único caminho para salvaguardar um Serviço Nacional de Saúde de qualidade é este, a população juntar-se, lutar e reivindicar aquilo que realmente é o seu direito. A saúde não é só para alguns, não é só para quem pode pagar”, referiu Júlio Costa.

ÁUDIO | Júlio Costa, deputado municipal eleito pela CDU

Luís Antunes, ex-presidente da Junta de Freguesia de Paialvo (Tomar), que se juntou à vigília de protesto, parabenizou Leonel Santos pelo esforço envolvido na resolução das dificuldades da população. “Não há outro caminho que é defender aqueles que confiam em nós”, vincou.

“Não temos de perguntar se o médico vem da Santa Casa, daqui ou de acolá. Queremos médico! Quem é que aqui não tem os impostos em dia? Temos todos, portanto exigimos, salvo erro, o artigo nº46 da Constituição que garante o direito à saúde de proximidade”, reivindicou Luís Antunes.

ÁUDIO | Intervenção de Luís Antunes durante a vigília em Assentis

Questionada a Câmara Municipal de Torres Novas sobre a vigília de protesto que se estendeu até às 22h00, o vice-presidente da autarquia, Luís Silva (PS) havia referido estar “solidário” com a iniciativa, não tendo, no entanto, ninguém do executivo comparecido na mesma.

“A única coisa que podemos fazer é juntarmo-nos a eles na vigília”, havia afirmado Luís Silva, tendo feito notar que “o poder ao nível autárquico não é muito”, ao nível de colocação de clínicos, e que as freguesias “mais afetadas e que preocupam mais neste momento são as de Assentis e Chancelaria”, situadas no norte do concelho, e onde a população “está sem médico”.

O autarca disse estar “a decorrer a fase de candidaturas” no âmbito de um programa de incentivos fiscais e financeiros de âmbito municipal, para captação e fixação de médicos, assim como está a ser “ultimado” um protocolo com a União de Misericórdias Portuguesas (UMP) para implementação do projeto ‘Bata Branca’.

“Pela nossa parte estamos a tentar encontrar as soluções possíveis mas, se não houver médicos a concorrer, não há forma de ultrapassar isto”, afirmou.

O nosso jornal solicitou esclarecimentos ao Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) e à Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) sobre o caso concreto de Assentis e que soluções se perspetivam para resolver a falta de médicos no Médio Tejo.

O ACES Médio Tejo referiu que naquele polo de saúde estão inscritos 1.290 utentes, todos “sem médico assistente (…) desde 30 de abril”.

“Estamos a tentar encontrar um médico interessado em prestar assistência aos utentes de Assentis, mas até ao momento isso não aconteceu”, acrescentou, tendo referido ainda que o polo de Assentis integra a Unidade de Cuidados Personalizados (UCSP) de Torres Novas e que, mesmo sem consultas médicas, “encontra-se a funcionar com atendimento administrativo e de enfermagem”.

O ACES indicou que, “para os utentes da UCSP de Torres Novas, incluindo os inscritos no polo de Assentis, (…) existe uma consulta de recurso”, na sede da UCSP (situada no edifício do Centro de Saúde de Torres Novas) que funciona às segundas, quartas e sextas-feiras.

A CUSMT anunciou que irá solicitar uma reunião à Santa Casa da Misericórdia e à Câmara Municipal de Torres Novas, que “são comparticipantes nesta questão, para além do ACES”, no sentido de poder “encurtar” o tempo de espera e trazer cuidados de saúde à população o mais depressa possível.

“Se fosse ontem já vinha atrasado, as populações já estão a sofrer”, salientou Manuel Soares.

O problema é extensível a outras freguesias do concelho e a outros municípios do Médio Tejo, tendo a Comissão de Utentes afirmado que vai desenvolver mais ações públicas no território. Manuel Soares apontou uma “falta de 37 clínicos” na região e a “problemas em quase todos os municípios”.

Foto: mediotejo.net

Tendo em conta que “estão em perigo muitos cuidados de proximidade em toda a região”, a Comissão de Utentes anunciou a realização de uma reunião com a população em Fungalvaz, localidade da freguesia de Assentis, em “data a anunciar”, e “vigílias por colocação de médico” junto às Extensões de Saúde de Atalaia (Vila Nova da Barquinha), no dia 11 setembro, e em Carrazede, freguesia de Paialvo (Tomar), no dia 15 de setembro, sendo as datas “provisórias”.

O ACES Médio Tejo tem 2.706 quilómetros quadrados e abrange 11 municípios com cerca de 225 mil utentes/frequentadores, sendo composto pelos municípios de Abrantes, Alcanena, Constância, Entroncamento, Ferreira do Zêzere, Mação, Ourém, Sardoal, Tomar, Torres Novas e Vila Nova da Barquinha, todos no distrito de Santarém.

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Atualmente a frequentar o Mestrado em Jornalismo na Universidade da Beira Interior. Apaixonada pelas letras e pela escrita, cedo descobri no Jornalismo a minha grande paixão.

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