Houve tempos em que outras plantas abundavam por este território do Médio Tejo. Depois, pouco a pouco, a paisagem foi mudando. Algumas plantas “desapareceram”, nota Tiago Lopes, responsável pelo Parque Ambiental de Santa Margarida (Constância), há 21 anos à frente de uma equipa que criou o espaço a partir de uma ideia de proteção do ambiente. Uma das plantas desaparecidas é a camarinha.
A recolha de informação sobre plantas da região começou há 20 anos, mas por causa de uma candidatura a fundos comunitários tornou-se mais intensa, em forma de projeto com um grande objetivo: “tentar preservar algum conhecimento, alguma informação e poder transmiti-lo a quem estiver interessado nisso”.

Durante a pesquisa, Tiago Lopes descobriu que a camarinha, um arbusto existente em algumas zonas do litoral português, também esteve presente neste território. Em tempos “disseram-me que aqui existiu essa planta, mas não há referência! A única referência que existe da planta no interior é em Alcochete que, na verdade, é perto do litoral”.
Mas nesse trabalho sobre a longa relação que as comunidades locais mantêm com as plantas e dos conhecimentos que chegam aos nossos dias sobre a identificação de espécies, a sua ecologia, a sua biologia e os seus usos e tradições, Tiago levou uma fotografia da planta para que as pessoas mais velhas vissem, sendo que algumas identificaram a existência de camarinha em Bemposta (Abrantes) e em Ulme (Chamusca).
Desta forma conseguiram “perceber as espécies que existiam no nosso território e agora já não existem. Atualmente ninguém diria que poderiam existir. Acabamos por perceber como era a paisagem, que plantas faziam parte da nossa flora e a alteração que houve na paisagem, que fez com que desaparecessem”.

Fala do projeto que deu lugar à publicação de um livro e à criação do Percurso Etnobotânico no Parque Ambiental de Santa Margarida como “uma tentativa de perceber a relação que as pessoas têm com as plantas, os saberes e as práticas. Mas foi ir um bocadinho mais além. Conseguimos perceber como era a paisagem e apareceu-nos coisas curiosas”, relata.
Conta que perto do Centro de Ciência Viva, junto ao ribeiro Carvalho, no limite do concelho de Constância, existe um local “referenciado nas cartas militares como Cova dos Castanheiros. Vamos lá agora é só eucaliptos, não há castanheiros”. A equipa falou com pessoas com cerca de 70 anos que confirmaram a presença de castanheiros naquela local há cerca de 50 anos. Dizem que até aos seus 20 anos havia lá castanheiros e até comeram castanhas. Ou seja, a toponímia não está errada”, refere.
A inauguração do Percurso Etnobotânico assinalou o 21º aniversário do Parque Ambiental de Santa Margarida, localizado em Vale de Mestre, no dia 22 de abril deste ano. Uma iniciativa do Município de Constância com o apoio da TAGUS – Associação para o Desenvolvimento Integrado do Ribatejo Interior, através do Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020, e do projeto Renovação de Aldeias – Práticas e Saberes Tradicionais sobre Plantas.
O circuito resultou da recolha de informação quer de Tiago Lopes, do Parque Ambiental, quer de Anabela Cardoso, do Museu dos Rios e das Artes Marítimas. Esses conhecimentos, retidos nas pessoas mais velhas, são um património imaterial de cada comunidade que vai passando de geração em geração, por vezes de forma contínua, mas, muitas vezes, perdendo-se no tempo.






“Antigamente esse conhecimento passava de geração em geração, era mais fácil, hoje em dia é mais complicado. A modernidade cria algumas barreiras à sua passagem, que não passa de avós para netos, até pelo desinteresse dos mais novos. Nota-se esse afastamento cada vez mais embora haja, há alguns anos a esta parte, interesse pela utilização das plantas, sobretudo ao nível da medicina e da parte condimentar, a questão dos produtos naturais, das pessoas se voltarem para a natureza. Em 20 anos no Parque já notamos esse interesse mas vem mais das pessoas urbanas e não das rurais, o meio onde nos inserimos. Como trabalhamos com muitas pessoas que vêm de fora notamos esse interesse pela utilização das plantas”.
O Percurso Etnobotânico resulta, então, do trabalho de recolha sobre o saber e as práticas tradicionais do uso das plantas que as comunidades do concelho de Constância ainda conservam.
“Acaba por fazer parte de algo maior que temos estado a trabalhar no Município” de Constância, explicou o responsável pelo Parque Ambiental de Santa Margarida. O Parque trabalha em parceria com o Museu dos Rios e das Artes Marítimas através da responsável pelo Museu, Anabela Cardoso.
“Tentamos fazer a ponte entre o património natural e o património cultural e ao longo do tempo fomos desenvolvendo algumas atividades em conjunto”. Como já referido, avançaram com a pesquisa, há cerca de duas décadas, inicialmente sem ter a pretensão de realizar um projeto, ou seja, editar um livro ou delinear um Percurso Etnobotânico, o que acabaria por suceder.
Explica que no Parque Ambiental tinham “um pequeno espaço, de plantas medicinais, onde colocámos algumas das plantas referidas pelas pessoas e é um tema que sempre explorámos muito como atividade para o público. No nosso plano anual de atividades temos a ‘Conhecer as plantas do tempo dos nossos avós’ que está disponível para todos os grupos, incluindo escolares, sendo uma atividade bastante pedida. Basicamente o nosso interesse era recolher informação, para registar e não se perder mas sempre no sentido de podermos transmitir e incorporar nas nossas atividades”, notou.

Por sua vez, Anabela Cardoso “tem feito muita recolha sobre os saberes, práticas mais variadas, de sistemas mais variados, no fundo são recolhas etnográficas, relacionadas com o património cultural e imaterial”, acrescentou.
Assim, através de uma candidatura a fundos comunitários, a autarquia materializou o projeto ‘Práticas e saberes tradicionais do uso das plantas’, tendo lançado um livro e criado um circuito Etnobotânico.
“No fundo, no Parque Ambiental, poder chamar a atenção dos visitantes que algumas das plantas têm utilizações que a comunidade local ainda utiliza, é um saber que existe e para nós isso é importante”.
‘Gentes & Plantas – Saberes e Práticas Tradicionais do Uso das Plantas no Concelho de Constância’ é o título do livro apresentado ao público no dia 18 de março, numa edição do Município de Constância com o apoio do Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020, através do projeto Renovação de Aldeias – Práticas e Saberes Tradicionais sobre Plantas.




Anabela Cardoso e Tiago Lopes são, por conseguinte, os autores desse livro, um trabalho que além de pretender salvaguardar os saberes e as práticas tradicionais do uso das plantas no concelho de Constância, pretende também “prestar homenagem às pessoas deste território, guardiãs do conhecimento e da cultura local, que, carinhosamente e de forma generosa, transmitem esta herança, através das suas vivências, das suas memórias, dos seus testemunhos e das suas histórias de vida”.
Paralelamente à apresentação do livro esteve patente uma mostra dos diferentes usos das nossas plantas, que contou com a presença dos verdadeiros guardiões das memórias deste património.
Sendo que as plantas têm uma utilização muito mais ampla do que pode parecer à primeira vista. “Por exemplo têm carácter esotérico, referidas em canções, orações, plantas utilizadas para ornamentar as fontes por altura dos Santos Populares, plantas queimadas nas fogueiras pelos Santos Populares, utilizadas para produzir objetos que, hoje em dia, são artesanato mas antigamente eram utensílios para uso no quotidiano, como o junco ou a tabúa”.

Um painel em frente à zona da Borboletário Tropical, no Parque Ambiental de Santa Margarida, mostra o circuito Etnobotânico. Um circuito que segundo o engenheiro “já existia, no Parque. Optamos por não assinalar exatamente onde estão as plantas, por uma questão mais prática e de gestão: falamos de plantas que existem no meio natural, no Parque, são quase todas plantas espontâneas, e a ideia de não assinalar passa precisamente pela possibilidade de se poder mudar as placas, caso seja necessário”.
Durante o passeio, o visitante vai encontrando algumas placas, com informação em português, inglês e braile. Tímida, justamente para despertar a curiosidade e também desafiar para a procura de mais informação. “Tentámos que fosse o mais acessível possível”, justifica.
Tiago Lopes confirma a recetividade do público, indicando que a procura, pelo percurso e pelas plantas, existe, incluindo de grupos. “Temos realizado bastantes atividades relacionadas com as plantas, seja para grupos escolares, seja para grupos de idosos. Acaba por ser um tema muito interessante para explorarmos com os nossos visitantes”.

Nesta visita guiada, a nossa primeira paragem foi no Jardim das Aromáticas e Medicinais – salva do mato, murta, orégão – são algumas das plantas que encontrámos nesse espaço, com o nome comum e respetivo nome cientifico. As placas chamam a atenção para algumas utilizações, no caso da murta para cobrir o chão e enfeitar os locais, nas cerimónias religiosas e festividades, e os frutos usados para a preparação de licores.
O responsável ressalva que o projeto não está terminado. “Há sempre hipótese de acrescentar mais qualquer coisa”. Na placa encontramos também um pequeno quadrado para aplicar um QR Code que depois fará ligação a um site onde o Parque Ambiental disponibilizará num futuro próximo “muito mais informação. As placas são só para chamar a atenção, uma pequena referência porque era impossível” colocar naquela pequena placa todos o material recolhido. Por exemplo plantas como o alecrim ou a oliveira, em destaque no livro, ocupam quatro páginas sobre utilizações.
Portanto, a ideia passa agora por colocar essa informação recolhida em formato digital, incluindo o próprio livro acessível à consulta por qualquer pessoa. Tendo sido um projeto apoiado com fundos comunitários o livro, nos seu 500 exemplares, foi oferecido, não podendo ser vendido nem restando um único exemplar disponível. Uma possibilidade em estudo passa pela Câmara “poder fazer uma nova edição, já não financiada, e nós podermos acrescentar mais algumas plantas, que já temos referenciadas. Isto é um projeto não acabado que está sempre em progresso”, observa.
No livro encontramos referência a 45 plantas, e em anexo uma lista com mais outras 100.
“A partir do momento em que a candidatura foi aprovada começamos a fazer uma recolha mais intensa, e conseguimos aumentar o material que tínhamos. Ficámos quase com 200 plantas com utilizações, escolhemos 45. Tentámos valorizar aquelas que as pessoas referiam mais, que à partida teriam mais valor, algumas que tinham utilizações mais peculiares, mas sempre na tentativa de abarcar o máximo. Para o Percurso Etnobotânico, escolhemos 16. Tivemos de fazer uma seleção”.
Nessa fase do projeto realizaram um levantamento das plantas existentes no Parque, e optaram “por aquelas que poderiam ser mais importantes, e também por aquelas que, tendo só uma utilização, são mais particulares”, explicou o engenheiro.
Na placa informativa da planta encontramos ainda uma informação mais gráfica, em relevo, pensada para que o visitante, essencialmente o invisual, possa reconhecer a planta no espaço onde nasceu de forma espontânea, entre muitas outras, num trabalho que Tiago considerou “inclusivo”.
Na zona das plantas silvestres a referida murta, medronho, perpétua, alecrim cujo nome local é anecril e essa particularidade também não foi esquecida. Arruda, estevão com a qual “eram feitas cruzes para colocar nos bolsos, debaixo da almofada para evitar o mau olhado”, rosmaninho, oliveira, carqueja, sobreiro, trovisco “planta tóxica utilizada para pescar. Uma vez colocada na água atordoava os peixes e a casca, bastante resistente, era usada como atilho, e ainda para afastar as toupeiras” devido ao cheiro bastante ativo, a figueira “cujas folhas eram utilizadas como esfregão, muitas vezes com sumo de limão ou cinza, para lavar copos e tachos” explica.
Ainda pode ser observado o espargo, o lentisco, utilizado para fazer vassouras, a tabúa ou o salgueiro branco.






A informação recolhida, segundo Tiago Lopes, “é muitíssima. Aqui está só a ponta do icebergue”, assegura. Nessa pesquisa consta também o registo em vídeo do saber fazer, por exemplo de chá, da mistura de plantas, de defumadores, etc. Como pretensão futura: “ficar então disponível online de forma organizada, catalogada para que qualquer pessoa possa ter acesso. Neste momento ainda não existe. Mas o nosso interesse, além da recolha, é sempre divulgar”, sublinha.
E é neste lugar onde a simbiose com a natureza encanta todos quanto arriscam entrar pelo portão verde gradeado, em Vale de Mestre, na margem sul do concelho de Constância, para lá do Tejo que encontra o Percurso nos cerca de seis hectares de um ecossistema natural onde insetos, anfíbios, mamíferos, répteis e aves habitam em liberdade por entre as plantas, árvores e vegetação, num ambiente onde a preservação do estado orgânico é palavra de ordem.
Segundo Tiago Lopes, o futuro passa por “consolidar os projetos existentes e melhorá-los com mais e diferentes atividades” no sentido de atrair mais público e, por outro lado, “sem grandes investimentos financeiros”.
Com a chegada do verão e das férias proporciona-se uma visita ou um passeio ao fim de semana pelo Parque Ambiental deste concelho do Médio Tejo, onde pode fazer um piquenique à moda antiga ou visitar o Borboletário Tropical que recentemente celebrou o décimo aniversário. A participação no Percurso Etnobotânico é gratuita, mas com inscrição obrigatória que poderá realizar por telefone.
De portas abertas todo o ano, as visitas no Parque intensificam-se entre março e outubro, tendo em média entre 1500 a 2200 visitas por mês, a realizar atividades não só relacionadas com as plantas. Trata-se de um projeto de proteção do ambiente por onde passam, contando também com os visitantes sem visitas guiadas, entre 25 a 30 mil pessoas por ano.
Até porque há muito mais para explorar neste paraíso verde. Uma caminhada ou corrida pelos percursos ao ar livre, com passagem pelas máquinas de ginástica de manutenção, um almoço de família com direito a churrasco nos grelhadores do Parque de Merendas, um jogo de futebol entre amigos no Campo de Jogos ou ainda um brincadeira com os mais pequenos no Parque Infantil.

Como chegar ao PASM: Estrada Municipal 592, Vale de Mestre, Santa Margarida da Coutada.
Horário: Aberto todos os dias exceto 1 de janeiro e 25 de dezembro: de abril a setembro – 08h30 – 20h00; fevereiro, março e outubro: 08h30 – 19h00; novembro, dezembro e janeiro: 08h30 – 18h00.