Convidámos os responsáveis das bibliotecas municipais do Médio Tejo a fazerem as suas recomendações neste espaço de forma alternada, às segundas-feiras. “Um Pedaço de Viagem”, de Rúben Marques, é a sugestão apresentada esta semana por Óscar Martins, da Biblioteca Municipal Dr. Carlos Nunes Ferreira, em Alcanena.

Passe pela biblioteca… e boas leituras!

Rúben Marques, um jovem licenciado pelo Instituto Politécnico de Tomar, agora operário numa fábrica de curtumes de Alcanena, é um poeta que já vai no seu segundo livro de poesia. Um Pedaço de Viagem é uma etapa no seu amadurecimento poético e pessoal que promete alcançar o espaço para lá do horizonte à sua frente.

Avança agora mais firme a cada palavra com que corajosamente constrói a viagem que nos leva pelas veredas do despertar da sua consciência e identidades próprias, atravessando as estações do ano, um ciclo eterno e contínuo.

Começa na primavera, como tanta coisa no universo, e vai pela noite, sua amiga, aprofundando a pertença dispersa na liberdade das sensações da natureza, e tudo o que dela faz parte, na paisagem despida. O poeta constrói-se no espelho de água da chuva que cai levada pelo vento num beijo súbito, primaveril.

O verão no horizonte de um céu azul interminável constrói-se em sonetos de noite, com calor nas pedras almeja a libertação de nós próprios, sem medos a tolherem a vontade de ser mais nos ventos da noite, para chegar à paz depois da trovoada. Pelo marulhar segue na noite pela praia que acredita existir, iluminada pela lua insigne e pelas estrelas nuas ao ritmo do bater dos corações. A lua, confidente, repleta de pirilampos que lhe trazem a luz que tanto quer aprisionar, manter, segurar, para lhe iluminar os sonhos dos seus segredos despertados, chega no verão do céu limpo e indiviso.

No outono das sensações, do sentir, as folhas das tílias caem pela avenida de cores do sempre amado rosto. O carinho das borboletas, as casas velhas, o tempo que não será muito conforme a premonição, a vida breve mede-se nas oliveiras que permanecem nas ondas das encostas agarradas às raízes profundas. E vem o ocaso do sol que não sabe onde se põe, esconde-se em lugares que não se circunscrevem. O poeta perde a conta às marés do mar, desconfia dos objectos que vagueiam e dos desejos das ondas. Fica a dúvida!

Que resta depois da queda das folhas?

Os ecos que fazem o quase silêncio existir.

E a desconfiança brota na ausência preenchida pela chuva. A névoa veste o corpo nu que explode ao toque. E nada mais importa.

No inverno, o gélido beijo adensa-se nos dias tristes que fazem a primavera bem-vinda.

“Só é verdadeiramente feliz
Quem já foi verdadeiramente triste.”

E:

“Cada segundo do presente
Escapa para o passado,
Ao ritmo ligeiro e inocente
Como um pestanejar descuidado.”

O dilúvio pacífico seca as lágrimas do rosto do poeta que amadurecidamente se envolve no próprio nevoeiro de si mesmo, desvendando mistérios com a força de quem olhou o sol de frente e de alma aberta. Caminha iluminado pelo calor das luzes que lhe lembram a sua existência. As palavras, como filamentos, tecem silêncios sedutores.

Tudo o que somos é efémero, somos incapazes de esperar por alguém e além de nós tudo permanece. O ciclo de vida e morte, de princípio e fim, repete-se para que o caminho concretize a vontade.

A luz e as penumbras da noite concebem a liberdade de um caminho que se vai fazendo, entre ecos do passado, pelos montes que se sucedem.

Enfim, uma viagem em pedaços que será apresentada dentro em breve na terra do autor, Louriceira.

Óscar Martins

Diretor da Biblioteca Municipal de Alcanena

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