Um acampamento de Escuteiros na localidade de Lapas, concelho de Torres Novas, em outubro de 2013, deu lugar ao primeiro cenário de crime. António Júlio dos Santos, na altura com 46 anos, entrou numa das tendas e deitou-se no meio de quatro escuteiras. Terá tocado no corpo de uma das meninas por cima do saco-cama. Uma semana depois, o sacerdote voltaria a reincidir. Na Feira da Golegã, terá tentado acariciar as zonas íntimas de outra adolescente.
No dia 16 de dezembro de 2013, o padre António Júlio dos Santos foi detido pela Polícia Judiciária. A 25 de março de 2015 seria condenado a 1 ano e dois meses de prisão com pena suspensa pelo Tribunal de Santarém, por atos sexuais com duas menores, de 11 e 12 anos.
Quando os crimes foram tornados públicos, o pároco afastou-se das funções religiosas. Mas, cumprida a pena, voltou ao ativo.
Um ano depois de ser condenado, António Júlio dos Santos foi nomeado vigário em Alcanena. Atualmente, exerce o cargo para o qual foi nomeado em 2021, como administrador paroquial de Almoster, Póvoa da Isenta e Vale de Santarém.
José Júlio dos Santos é um dos nomes que consta no relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa. E a pena a que foi sentenciado, em 2015, faz com que o seu nome figure ainda na lista dos quase 7 mil pedófilos condenados em Portugal.

Em declarações à SIC, o padre diz agora que não se orgulha dos atos cometidos e que todos os dias se arrepende do que fez: “É uma dor que fica para toda a vida. Não pense que do outro lado também não há dor. Há muita dor, acredite. Há muita tristeza da minha parte.”
O pároco diz-se “um homem novo” e garante ser capaz de representar a Igreja Católica. Ainda assim, diz que nunca está sozinho numa sacristia, estando ou não menores presentes, e que não acompanha a catequese. Uma decisão pessoal, que justifica “para bem de todos” e não por receio de reincidir.
Sobre o relatório da Comissão Independente, o padre José Júlio dos Santos referiu que “ninguém fica feliz” com uma situação destas. “Nós sentimo-nos envergonhados. Efetivamente, se a situação é esta, a crer naquilo que foi publicado pela Comissão, claro que se tem de tomar medidas”, disse, defendendo a investigação de todas as denúncias.
Pronunciando-se em relação a este caso, a diocese de Santarém recordou, em resposta à SIC, que os juízes não determinaram o afastamento nem aplicaram qualquer medida de restrição ao padre, nem sequer no que diz respeito ao contacto com menores.
“Está deprimido. Não é pedófilo compulsivo”, defende o Bispo de Santarém
O Bispo de Santarém justifica a manutenção do sacerdote em funções, defendendo que o mesmo “não é um pedófilo compulsivo” e que os crimes pelos quais foi condenado aconteceram por o padre se encontrar deprimido.
“Pelos exames a que foi sujeito […], a conclusão foi que se trata de uma depressão. A pessoa está sobre uma depressão e fez o que não devia. Essa depressão não se configura com um pedófilo compulsivo. Não é a mesma coisa”, afirmou D. José Traquina à SIC, assegurando que o padre mantém acompanhamento psiquiátrico e que não acredita este volte a repetir os abusos.
O Bispo defendeu ainda que é preciso “cuidar das pessoas abusadas e cuidar também dos abusadores”.
Diocese de Santarém afirma não ter recebido lista com nomes de padres suspeitos de abusos
No mesmo dia em que foi emitida a reportagem da SIC (na quarta-feira, 8 de março), o Bispo de Santarém emitiu um comunicado, “após ter sido interpelado na Assembleia do Clero” e “por vários cristãos leigos, sobre os dados do Relatório da Comissão Independente”, afirmando não ter recebido até àquela data qualquer lista com nomes de padres suspeitos de abusos.
“Na passada sexta-feira, na Assembleia Plenária da CEP, não lhe foi entregue nenhum envelope com nomes de padres a investigar por denúncia de abusos”, refere o mesmo comunicado, que esclarece também que a área geográfica da Diocese de Santarém, criada em 1975, corresponde apenas a 13 municípios dos 21 que constituem o distrito e que “houve casos referidos a Santarém no Relatório da CI que não se enquadravam na geografia e/ou no tempo histórico da Diocese”.
“O Bispo de Santarém e a Comissão Diocesana de Proteção de Menores continuam disponíveis para escutar todas as pessoas que tenham motivo de denúncia de abusos ou comportamentos inadequados no seio da Igreja Diocesana e tudo farão para assegurar um ambiente seguro para as crianças e para todos”, conclui D. José Traquina.
Recorde-se que a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja Católica validou 512 testemunhos, apontando, por extrapolação, para pelo menos 4.815 vítimas. Vinte e cinco casos foram enviados ao Ministério Público, que abriu 15 inquéritos, dos quais nove foram arquivados.
Os testemunhos referem-se a casos ocorridos entre 1950 e 2022, o espaço temporal abrangido pelo trabalho da comissão.
No relatório, divulgado em fevereiro, a comissão alertou que os dados recolhidos nos arquivos eclesiásticos sobre a incidência dos abusos sexuais “devem ser entendidos como a ‘ponta do iceberg’” deste fenómeno. A comissão entregou aos bispos diocesanos listas de alegados abusadores, alguns ainda no ativo.
*Com Agência Lusa.