“Quando eu morrer, o que se passar já não passará por mim.” A citação pode não estar 100% fiel, mas a ideia de Bénard da Costa, num documentário sobre si próprio, é mesmo esta: as memórias ficam, por uns anos, mas os indivíduos não. E as coisas que eles amaram – como bem explica o título do documentário, numa ideia recuperada das palavras de Sofia (de Mello Breyner) – passarão a ser amadas por outros.
A Associação Cultural Palha de Abrantes, através do Espalhafitas, continua – e bem – a mostrar cinema de qualidade nesta cidade. Foi o que voltou a fazer com o documentário “Outros amarão as coisas que eu amei”, de Manuel Mozos, sobre João Bénard da Costa.
É um registo que nos faz pensar sobre a vida, a nossa e a dos outros, os que chegaram antes e os que virão depois. Ver este documentário, num momento em que surgem notícias sobre pessoas que deixam de viver, subitamente, faz-nos repensar tudo.
Nem sequer precisamos de pensar nos atentados de Paris (que aconteceram dois dias depois da exibição do documentário em Abrantes) nem nessas estórias de vida interrompidas. Bem perto de nós, nas nossas comunidades, tem desaparecido gente que estava muito longe do fim da vida. Jovens até. E parece que cada vez há mais gente com problemas de saúde graves, que resultam sobretudo de vidas agitadas. O famoso stress. O excesso de preocupações e a falta de soluções. Tudo junto a causar ansiedades, com os corpos a ressentirem-se.
E quem se preocupará com as nossas ‘coisas’ quando morrermos, sobretudo se morrermos antes de termos vivido o normal, o suficiente, o tempo que corresponde à esperança média de vida?
Outros as amarão certamente.
Porque a vida continuará e tudo se ultrapassa, quando cá se fica. Quem parte, parte. Quem fica, fica.
Mas no meio haverá sempre um vazio. Como preencher o vazio? Voltando ao princípio de Bénard da Costa. As memórias. Fazendo com que tudo o que fazemos deixe um conjunto de memórias ricas e felizes.