Há muito que se sabia que existia lampreia na ribeira de Seiça, no concelho de Ourém, mas só em 2013 a espécie ouriense foi catalogada como única, dadas as características genéticas e morfológicas que possui. O trabalho foi a tese de doutoramento de Catarina Mateus, uma investigadora que se debruçou sobre estes animais pela história que contam da evolução e das transformações no território. Em muitos aspetos, conta ao mediotejo.net, a lampreia do Nabão permanece muito similar ao que foi antes do tempo dos dinossauros.
Catarina Mateus era estudante de doutoramento quando se decidiu debruçar sobre a lampreia. O seu interesse neste animal em específico devia-se às possibilidades oferecidas pela área da genética para tentar compreender melhor as linhagens evolutivas no âmbito das eras geológicas.
As lampreias, explica, são um “fóssil vivo” representativo, uma vez que sobreviveram a vários períodos de extinção e têm uma linhagem de 500 milhões de anos. “Eles têm um sucesso evolutivo enorme”, sublinha, tendo conseguido adaptar-se, sem significativas alterações de fisionomia, a vários épocas da história natural e respetivos ecossistemas.

“Com a genética conseguimos perceber a história da espécie”, esclarece, aquela que não é visível à observação. Foi isso que a levou a conduzir um estudo sobre várias populações de lampreias de todo o país, nomeadamente as que viviam em locais isolados, e tentar perceber se tinham diferenças entre si. A hipótese confirmou-se.
A lampreia do Nabão, entre outras que estudou, era geneticamente diferente das suas irmãs, tendo também menos dentes, o que a tornava uma espécie independente, que foi batizada como lampetra auremensis.
O facto de haver espécies geneticamente diferentes de lampreia em ambas as margens do rio Tejo prova a existência de alterações geológicas importantes ao longo da evolução.
“Isto já remonta a alguns milhões de anos atrás, esta diferenciação”, refere, tendo a sua investigação analisado também as possíveis transformações geológicas que marcaram esta região. A lampreia do Nabão será herdeira de um conjunto de lagos que existiam isolados, com condições ecológicas distintas, antes da conversão nas atuais ribeiras. Como não é uma espécie migratória, acabou por permanecer estrita à zona de Ourém.

Concluída em 2013, a tese de doutoramento de Catarina Mateus trouxe a lampreia do Nabão para a categoria de “criticamente em perigo”, ou seja, uma espécie em vias de extinção, devendo integrar o próximo Livro Vermelho dos Peixes de Água Doce e Migradores, que se encontra a ser atualizado (a última edição é de 2005).
A classificação deve-se às características desta população, pequena e isolado numa área estrita e que facilmente desaparecerá se houver uma intervenção profunda no seu habitat.

Catarina Mateus é atualmente investigadora da Universidade de Évora e do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente. Na época de conclusão do seu estudo, a descoberta trouxe o interesse de algumas entidades locais, nomeadamente da Quercus, para que se atendessem a determinados fatores, como a poluição dos esgotos para a ribeira de Seiça, no intuito de se preservar esta espécie única.
Para além da ribeira de Seiça, foi identificada também na ribeira de Caxarias, na ribeira do Fárrio e na ribeira do Olival, todos afluentes do rio Nabão.
“É a lampreia do nosso quintal”, comenta, rindo, mas é também um pegada discreta da história da evolução e que facilmente pode desaparecer mediante todo um conjunto de fatores, como a intervenção nas margens das ribeiras ou a construção de obstáculos, como açudes.
Com cerca de 12 centímetros quando adulta, a lampreia do Nabão passa três a quatro anos enterrada no substrato arenoso do rio, na fase larvar, para depois vir ao de cima já adulta, durante não mais de três a quatro meses. Nesta fase, não se alimenta, reproduz-se e morre de seguida.

Para ajudar a preservar a espécie, reflete, “a primeira coisa a fazer é sempre uma prospeção” para identificar as ameaças, constata, no sentido de fazer ações de sensibilização e verificar o que possa estar a ter impactos negativos. Este trabalho pode ajudar também a perceber melhor a espécie, além do conhecimento já adquirido. A partir daqui podem ser implementadas medidas de conservação.
A ribeira de Seiça traz-lhe boas recordações, comenta, não só pelo seu trabalho mas também pela experiência que trouxe do terreno. “Podemos observar adultos sobretudo em fevereiro-abril. Quando estão nos ninhos a reproduzir-se são facilmente visíveis a olho nu, se a água for límpida. As larvas estão presentes todo o ano mas estão enterradas, não as conseguimos ver”, explica.
A preservação de espécies passa também pela sua divulgação junto do público, constata, para que as populações conheçam a diversidade do seu território e tenham desejo de a preservar, nomeadamente como marco identitário.
*Entrevista publicada em agosto de 2021, republicada em fevereiro de 2022
Nova espécie: na catalogação ou na “descoberta”?
Na década de sessenta, era comum no inverno, andarem pela cidade de Tomar pessoas dos arredores a vender lampreia de porta em porta. Traziam-nas dentro das antigas sacas de batatas.