Ana Sofia com a parceira Celina Lourenço e o treinador David Henriques. Depois da proeza nos jogos paralímpicos do Japão, há mais sonhos no horizonte. Foto: mediotejo.net

De 24 de agosto a 5 de setembro, decorreram no Japão os Jogos Paralímpicos 2021, de verão. A equipa portuguesa de boccia levou consigo Ana Sofia Costa, uma atleta de 25 anos residente no Centro João Paulo II, em Fátima, concelho de Ourém. Apesar dos resultados terem ficado aquém do esperado, Ana Sofia foi a primeira atleta mulher a integrar a categoria nacional de BC3, assim como a primeira paralímpica da sua instituição, que possui há muito a modalidade. Um conjunto de vitórias que a atleta junta no currículo e lhe dão motivação para continuar a lutar pela sua paixão. 

Natural da Maceira, concelho de Leiria, Ana Sofia Costa foi diagnosticada com distrofia muscular aos dois anos e é tetraplégica. Para jogar boccia conta com o apoio da parceira, e funcionária do Centro João Paulo II, Celina Lourenço. As duas funcionam como um corpo, com Celina a fazer os movimentos físicos sob a orientação da atleta e Ana Sofia encarregue de toda a parte estratégica e cognitiva da modalidade. Na sua simplicidade, o boccia é um jogo complexo para os atletas com algum tipo de deficiência que o praticam e pode tornar-se “fascinante”, conforme admite o treinador, David Henriques. 

Ana Sofia Costa começou a praticar boccia em 2010, quando entrou no Centro João Paulo II Foto: mediotejo.net

Ana Sofia entrou em contacto com o boccia em 2010 quando ingressou na instituição, recorda ao mediotejo.net. “Comecei a treinar e apaixonei-me”, conta. “Era responsável por um clube, tinha dança, uma banca de fazer doces, um jornal… e abdiquei de tudo para treinar.” A mudança sucedeu quando a fasquia elevou e começou a ser chamada à seleção nacional e a competições internacionais, mas frisa que não tem remorsos das opções tomadas.

A entrada na seleção, admite a equipa fatimense, deu-se para preencher uma quota feminina, que começou a ser exigida no boccia. “Entretanto as coisas mudaram e ela evoluiu bastante”, adianta o treinador, frisando que Ana Sofia conseguiu mostrar o mérito na modalidade. Em Tóquio acabou inclusive por fazer a prova individual, quando, até poucas semanas antes, só estava previsto entrar na prova de equipas. Uma pressão acrescida que trouxe novos desafios à atleta.

Mas a própria chegada ao Japão foi feita de percalços e reviravoltas. Em outubro de 2019, no apuramento na Póvoa do Varzim, não se acreditava na possibilidade de a jogadora de Fátima ir mais além, uma vez que era necessário ficar em primeiro lugar na competição para conseguir participar nos Jogos Paralímpicos. “Já ninguém acreditava”, constata Celina Lourenço. “Nem nós mesmos”, admite Ana Sofia. “Era quase impossível, mas aconteceu”, recorda o treinador.

Com “nervos até ao fim”, a atleta conseguiu o resultado necessário para entrar na equipa olímpica. “Foi muito emocionante”, recorda, um momento de muitas lágrimas para todos os envolvidos no esforço da jovem. 

A pandemia não lhe retirou a promessa da viagem ao Japão, mas deixou-a sem treinos regulares durante cerca de um ano. David Henriques explica que a situação pôde ser contornada porque Ana Sofia vive numa instituição, mas os estágios só regressaram este ano e foram mais alargados, com regras rígidas e períodos de isolamento a que se seguiam novos estágios. O Centro João Paulo II, frisa-se, fez os possíveis para que a atleta pudesse treinar e cumprir o seu sonho olímpico. 

A viagem ao Japão foi tranquila, embora sem tempo para passeios. “Foram muito acolhedores, muito simpáticos”, refere Ana Sofia, lembrando porém o rigor que colocavam nas regras. Apesar das derrotas e de admitir que os nervos atrapalharam o seu desempenho na fase inicial, afirma que aprendeu muito. “Foi uma grande lição.” E agora já sonha com os próximos campeonatos internacionais e os Jogos Paralímpicos de 2024. 

Ana Sofia e Celina formam um corpo de jogo. A primeira fica encarregue de toda a parte estratégica, a segunda dos movimentos físicos, respondendo às indicações da atleta Foto: mediotejo.net

Segundo David Henriques, o Centro tem os meios necessários ao treino da modalidade, sendo que a Câmara de Ourém também apoia a atleta, que recebe ainda uma bolsa. A parceira, Celina Lourenço, é uma funcionária da instituição que começou a ajudar Ana Sofia e agora dedica parte do seu tempo de trabalho à modalidade e ao acompanhamento da atleta nas deslocações. Conseguiram-se assim reunir as condições para que a jovem possa dedicar-se ao boccia e estar ao nível da alta competição.

“Para o Centro é também um orgulho”, admite o treinador, constatando que há muito existia a modalidade, mas a jovem é a primeira paralímpica da instituição e da própria União das Misericórdias Portuguesas. “Foi um marco importante. Fizeram história, estas meninas.”

O Centro João Paulo II tem atualmente 10 utentes a jogar boccia, oito no BC3, um no BC5 e um no BC2.

“Quero chegar o mais alto possível”, afirma Ana Sofia, “e aprender mais do que sei agora”. Afinal, este foi um longo caminho, desde um momento em que não se interessava por desporto até se apaixonar pela modalidade. 

“A gente vê o desporto e nem imagina que estas pessoas conseguem fazer tanto”, constata o treinador. “O desporto é muito mais que correr e saltar”, reflete, dizendo que o boccia, sobretudo na categoria BC3, passa muito pela capacidades cognitivas, o conseguir avaliar distâncias, forças, etc. “Para quem não percebe o jogo, é uma seca. Mas para quem compreende é fascinante.”

Cláudia Gameiro

Cláudia Gameiro, 32 anos, há nove a tentar entender o mundo com o olhar de jornalista. Navegando entre dois distritos, sempre com Fátima no horizonte, à descoberta de novos lugares. Não lhe peçam que fale, desenrasca-se melhor na escrita

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