Com pouco menos que uma dezena de passageiros nos horários mortos (tirando os picos com estudantes de manhã e ao fim do dia) o percurso de autocarro que liga Ourém ao Hospital de Abrantes é desprovido de História. Três a quatro pessoas por dia parecem usar este trajecto para realizar visitas ao Hospital de Abrantes, conforme comentam os motoristas responsáveis pelo percurso. A maioria dos utentes, porém, sai em Tomar. Na viagem que o mediotejo.net empreendeu, apenas uma senhora saiu na paragem final.
“Este autocarro vai para Abrantes?” “Vai. E o motorista também!”
A resposta, dita em tom jocoso pelo passageiro da frente, deixa-me meio desconcertada. Entrego o bilhete de 6,30€ – que me levou a empreender uma corrida rápida à caixa de levantamento mais próxima (“Desculpe, não temos multibanco”, informaram-me na bilheteira em Ourém) – e sento-me na segunda fila. São 9h30, primeiro circuito do dia. Devemos chegar a Abrantes pelas 11 horas.
A minha estratégia passa por me manter inicialmente apenas a observar, metendo conversa com os passageiros que se encaminhem para Abrantes. Reabituando-me aos solavancos do autocarro, os quais não devo usar há cerca de uma década, vou-me questionando quem, entre os meus cinco companheiros, estará a empreender a viagem “maldita” até uma consulta no Hospital de Abrantes. Duas senhoras entraram comigo, outros três já estavam no autocarro. A viagem é longa e perspectiva-se conversa.
Mas à chegada a Tomar, cidade templária, começo a aperceber-me que não vou ter sorte com os passageiros. Quatro pessoas deixam a carreira, mais outras duas que haviam entrado em Vale de Ovos, e o percurso continua sem novas adições. Olho em redor e constato meio desiludida que permanecemos apenas duas pessoas na odisseia até ao Hospital de Abrantes!
É uma viagem feita em curvas. Muitas curvas! Nacional 113 acima. A dada altura sou obrigada a abandonar o telemóvel e a revista que trazia comigo. É a única alternativa, a menos que queira vomitar. Olhos em frente, tentar não desviar muito a atenção do horizonte. Na primeira parte do caminho o motorista e o passageiro da frente seguiram em animada conversa. Governo, trabalho, um pouco de tudo. Passados Tomar, reina o silêncio e a paisagem aos ziguezagues, ora solarenga ora encoberta.
Pergunto-me onde sairá a senhora sentada duas filas atrás de mim. Já vinha no autocarro, terá entrado eventualmente em Fátima. Já o motorista prossegue o seu itinerário com uma cronometragem exacta, apita a pessoa sim pessoa não, conhece a maioria dos passageiros que entram. A partir de Constância aumenta o número de utentes. Vão entrando e saindo quase ao mesmo ritmo das paragens, à medida que se completam os mais de 60 quilómetros que percorremos, hora e meia de viagem.
Em Abrantes gera-se alguma confusão. “Para o Hospital é mais lá à frente”, avisa o motorista. A maioria dos passageiros saem e fico novamente eu e a senhora que me acompanhou todo o percurso. Chegados ao Hospital atrevo-me a perguntar ao meu condutor se é normal a carreira ir tão vazia a partir da extrema do distrito. “Três/quatro pessoas por dia” seguem no autocarro da zona de Ourém para o Hospital de Abrantes, contabiliza o condutor. “Mas vai variando, depende dos dias”, reflete. Vêm sobretudo para visitar pessoas, eventualmente consultas, não sabe que especialidades. Recorda que a rodoviária chegou a promover um circuito entre os três Hospitais do Médio Tejo, que o próprio conduzia. Mas a aderência era fraca e desistiu-se do projecto.
Entretanto perdi a minha única utente, apressada em deixar a carreira. Continuo à conversa com o meu motorista conversador, já animado com o tema dos transportes para o Hospital, a falta de aderência, os horários. Pergunto-lhe se o transporte a pedido tem dados resultados. Comenta que pela informação que tem sim, que as pessoas aderem, mas que é uma iniciativa com mais impacto em zonas isoladas. Nas cidades, com tantos transportes urbanos, as pessoas ainda usam as carreiras.
“Posso fazer-lhe uma pergunta indiscreta? Foi este autocarro que bateu naquela casa em Fátima a semana passada?”. O meu motorista sorri, meio atrapalhado com o assunto. Sim, era este o percurso. Vem da Nazaré, faz um transbordo em Fátima, e segue para Abrantes. Naquela dia ficou-se pelo caminho. Ele próprio lá parou para ajudar. Hoje chegámos a Abrantes sem problemas.
Espero meia hora pelo transporte de regresso, mais 6,30€, desta vez com multibanco disponível. Na zona de embarque uma senhora queixa-se que o médico não apareceu à consulta e ela que fez todo aquele caminho de Tomar. São 11h30, ainda nem terminou a manhã. “Mas prontos, os médicos também ficam doentes…”, lamenta.
De regresso a Ourém a carreira sai novamente vazia. Tento passar despercebida, mas num autocarro sem ninguém parece tarefa impossível. Já vai embora? Veio de Ourém hoje? Passou-se alguma coisa? Prontos, lá me explico: quis saber se realmente este era um trajecto muito usado pelos utentes do Hospital. “Ah sim, mas não a esta hora, lá mais para as 8h…”, explica o meu novo motorista. Ah sim?! Mas como? Só tomei conhecimento deste horário em Fátima/Ourém! “Mas não é nesta, é noutras carreiras, de Ourém realmente só há esta carreira às 9h”. Pois…
Voltamos ao tema dos transportes dos hospitais e ao famigerado acidente contra uma casa na semana anterior na Estrada de Fátima. Ao longo do percurso de regresso entram mais pessoas com destino à Cova da Iria. Face à minha interpelação, o condutor constata que realmente o Hospital de Leiria tem mais percursos disponíveis (“quase de hora a hora”, constato eu que verifiquei o horário) e que de Fátima/Ourém a Abrantes só existem aqueles horários, aquele caminho. Sai-se cedo, regressa-se tarde, e a rede Expressos não é opção.
Continuamos aos ziguezagues – é sem dúvida a pior parte da viagem! – e o meu motorista vai falando do fabrico dos autocarros em Portugal. Eu, que não tive utentes, vou pensando no que vou escrever. “A linha dos ziguezagues e dos motoristas sociáveis” responde à realidade.
A bem da verdade, a viagem não compensa! Hora e meia de percurso, o autocarro mais cedo é às 9h25 em Ourém para chegar às 11 horas ao hospital. Podem-se esquecer as consultas da manhã. O seguinte sai às 11h45 de Abrantes, última partida às 16h20. Para quem tem que estar à espera de consultas arrisca-se a ficar sem transporte de regresso.
Expresso há apenas um em Ourém, por volta das 17h10. O de regresso, em Abrantes, sai às 6h30 do dia seguinte.
Chegada a Ourém ainda ligo para uma central de táxis. Quanto fica uma viagem de Ourém até ao Hospital de Abrantes? Cerca de 50 euros a vĩagem, mais 14,80 por cada hora de espera.
Hum…se calhar da próxima tento mesmo ir a Leiria.