"Os incêndios são inevitáveis" e risco no sul da Europa "vai agravar-se", disse em Abrantes o investigador Xavier Viegas. Foto arquivo: Paulo Jorge de Sousa

“No princípio, no meio e no fim de qualquer incêndio florestal está o Homem”, começou por afirmar Domingos Xavier Viegas, em Abrantes, numa palestra designada “Incêndios em Portugal, como evitar”. Ora o professor catedrático jubilado defende que os incêndios são “inevitáveis”. Portanto, considera a limpeza da floresta contra os incêndios um dos fatores mais importantes nesta luta contra o fogo, uma vez que “a prioridade é a defesa da vida das pessoas”. Para essa defesa, a aposta deve centrar-se “na formação da população” no sentido de perceber como pode evitar riscos, em cenário de incêndio. Desde logo “ficar em casa é mais seguro”, defendeu, recordando os incêndios de 2017, em Pedrogão Grande.

O estudo dos incêndios tem levado o professor catedrático a visitar diversos países e a percorrer uma boa parte de Portugal para conhecer locais onde ocorreram incêndios, acidentes ou eventos dos quais se extraiam lições e se possa evoluir no conhecimento para a adaptação e combate a um fenómeno que se vai agudizando e intensificando, sendo o homem o principal responsável, a par das alterações climáticas.

Xavier Viegas (ao centro), o presidente da Academia Tubuciana de Abrantes, Victor Lobo (à direita) e o secretário da Academia, Paulo Falcão Tavares (à esquerda). Créditos: mediotejo.net

Xavier Viegas considera que os incêndios florestais constituem uma das maiores ameaças para o nosso ambiente natural, económico e social e tudo devemos fazer para mitigar o seu risco, lembrando que, em Portugal, mais de 90% das ignições são causadas por ação humana. Os fogos são, portanto, maioritariamente causados pelo Homem, mas dependem fortemente das condições ambientais. Para além do Homem os fatores que mais afetam os incêndios são a topografia, a vegetação e o clima ou a meteorologia.

Por estar em Abrantes lembrou um episódio em que o Comandante Capitolino, dos Bombeiros de Abrantes, em 1989, correu risco de vida, na zona do Brejo, juntamente com um jovem bombeiro. Ambos protegeram-se numa tenda abrigo – um equipamento de proteção -, salvando-se os dois. “Um equipamento simples mas que nem sempre os bombeiros trazem consigo, esquecem-se dele na viatura, e que poderia ter salvo muitas vidas”, afirmou, fazendo o contraste com o comportamento dos elementos da GNR que também possuem e transportam o mesmo equipamento.

Lembrou que vivemos numa época em que o clima está em mudança e, como tal, as condições meteorológicas a que estamos sujeitos podem também modificar-se. “Infelizmente, para o caso dos incêndios florestais, estas mudanças não são para melhor”, referiu.

Em Abrantes lembrou um episódio em que o Comandante Capitolino, dos Bombeiros de Abrantes, em 1989 correu risco de vida, na zona do Brejo, juntamente com um jovem bombeiro. Créditos: mediotejo.net

Em Portugal têm lugar entre 20 mil e 30 mil ocorrências por ano, embora tenham vindo a diminuir as “verdadeiras ocorrências”, ou seja, fogo em mais de um hectare, o que prova, segundo Xavier Viegas, que tais números traduzem uma melhoria na eficácia do combate entre 1980 e 2020. Atualmente a eficácia ronda os 90% e apenas 12% das ocorrências se transformam em incêndio.

Isto num país com quatro milhões de hectares de área florestal. Xavier Viegas não descarta a possibilidade de se contabilizar áreas ardidas de 700 mil a um milhão de hectares por ano em Portugal, um cenário, no mínimo, dantesco…. mas possível.

E foram vários os fatores apontados que contribuíram para este risco de incêndio. Desde logo o aumento da temperatura no planeta, em 1,5 graus nos últimos 70 anos, existindo atualmente “picos de temperatura, ondas de calor, períodos de seca, etc”, e a redução da precipitação. Explica que, em média, a chuva reduziu 12% em relação à precipitação existente no final do século XX. Por isso, os incêndios “não são a mesma coisa que eram há mais de 20 anos. Em cada ano perdemos, morrem, até 12 pessoas em queimadas”, referiu, embora notando que tal “está em mudança porque há cada vez mais apoio nas queimas e queimadas”.

Seguindo-se o despovoamento do interior, o abandono das zonas rurais. Xavier Viegas disse não conceber a floresta sem pessoas, falando na controversa Carta de Risco que inibe, por exemplo, a construção de novas habitações em espaços rurais, numa tentativa de evitar a dispersão e promover a concentração de pessoas em aglomerados.

Por isso, uma das medidas prioritárias para o especialista é a gestão das florestas, falando na possibilidade de uma alteração da política florestal no futuro, dando conta já de “alguns sinais” de mudança.

O professor Xavier Viegas na Academia Tubuciana de Abrantes numa palestra sobre incêndios. Créditos: mediotejo.net

Lembrou que nos anos 80 o eucalipto chegou em força, sendo o professor um defensor de medidas de gestão das florestas da qual exclui a plantação de eucalipto, incluindo a árvore entre os fatores favoráveis ao aumento dos incêndios, onde inclui também o facto das pessoas terem deixado de utilizar lenha para cozinhar os alimentos devido à “melhor organização da sociedade, melhor tecnologia e mais recursos”.

Com a perda de população do interior para o litoral do país, para Xavier Viegas “não podemos estar à espera que a situação se inverta”. Se no passado qualquer ocorrência de fogo era rapidamente combatida pela população local, agora com a perda de residentes nas zonas rurais, traz-se para o interior “outros recursos, a tecnologia, sistemas de deteção, sistemas robotizados e sapadores florestais” embora “ainda não aparecem como força nacional” mas também essa realidade o professor considera estar em mudança.

Contudo, a proteção das pessoas é essencial e, nessa sequência, a gestão das aldeias, evitando que a população fuja dos espaços rurais. Embora existam muitos outros indicadores dos danos causados pelos incêndios nomeadamente no que toca a bens patrimoniais e no ambiente, os mais relevantes estão relacionados com danos pessoais. “O pior que pode acontecer às pessoas nos incêndios florestais é a perda da vida”, sublinha o especialista.

Nesse âmbito, “ainda que não devamos distinguir entre a vida dos cidadãos operacionais e dos cidadãos comuns”, Xavier Viegas na palestra na Academia Tubuciana de Abrantes optou por incidir mais sobre a dos cidadãos comuns também referidos como “civis” ou “populares”.

Em Portugal, desde 2017 o número de vítimas, acidentes mortais, aumentou nos civis. “Esta realidade que tivemos em Portugal em 2017 aconteceu depois em outros países por exemplo na Grécia, na Califórnia [Estados Unidos], no ano passado na Argélia”, recorda.

O investigador Domingos Xavier Viegas abordou também o incêndio de Pedrogão Grande, sobre o qual o governo solicitou um trabalho de análise ao Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais, dizendo ter falhado “o sistema” naquele incêndio, nomeadamente na Estrada Nacional 236-1. A sua equipa identificou “pelo menos 16 pessoas que terão morrido por causa da queda de uma árvore” nessa estrada.

Ou seja, se a gestão de combustível tivesse sido feita atempadamente e de forma adequada, a possibilidade de sobrevivência das vítimas de Pedrogão Grande que tentavam escapar ao fogo pela referida estrada seriam maiores.

Para evitar os incêndios importa ainda perceber a causa. “Felizmente em Portugal temos um sistema de investigação de causas muito bom. Um sistema exemplar!”, assegura. E dá conta de uma tipologia de 60 causas de incêndio, sendo as causas principais: vandalismo, queimas extensivas, reacendimentos, linhas elétricas e raios. Estas duas últimas são aquelas que mais preocupam o especialista.

Xavier Viegas defende, como solução, a formação de cidadãos, melhores condições de segurança e pensar o futuro, ou seja, a floresta que queremos, no âmbito da promoção de um plano de reorganização da paisagem, tal como está a ser estudado para o Vale da Lousã, um projeto no qual trabalha atualmente o professor, para um “novo arranjo” da vegetação, com redução “drástica” do eucalipto.

Insiste que importa salvaguardar a segurança dos cidadãos, valorizar o seu rendimento, fazer chegar o que lhes é devido por justiça e vigiar o uso dos fundos públicos e privados.

O professor Xavier Viegas na Academia Tubuciana de Abrantes numa palestra sobre incêndios, ao lado do presidente Victor Lobo. Créditos: mediotejo.net

Domingos Xavier Viegas é professor catedrático jubilado do departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Coimbra. Fundou e presidiu desde 1990 até 2020 ao Conselho de Administração da Associação para o Desenvolvimento da Aerodinâmica Industrial integrada no Laboratório Associado de Energia, Transportes e Aeronáutica, no âmbito de ADAI coordena o Centro de Estudos de Incêndios Florestais. Desde 1985 têm-se dedicado à investigação sobre incêndios florestais com o apoio de uma equipa multidisciplinar que dirige em vários temas relacionados com a gestão integrada dos incêndios com particular ênfase no estudo do comportamento do fogo e da segurança pessoal. Criou o Laboratório de Estudos Sobre Incêndios Florestais, participou em mais de uma centena de projetos europeus e nacionais no tema dos incêndios florestais alguns do quais coordenou. É autor ou coautor de 90 artigos internacionais e orientou cerca de 20 doutoramento. Coordenou a sua equipa na elaboração de diversos relatórios solicitados pelo governo português e de outros países sobre alguns grandes incêndios e acidentes pessoais. Foi membro do observatório Técnico de Incêndios Florestais criado pela Assembleia da República em agosto de 2018 e junho de 2021. É membro do Conselho Consultivo da Agência para a Gestão Integrada dos Incêndios Florestais desde de outubro de 2019. É consultor do Banco Mundial para assuntos relacionados com incêndios florestais. Quando veio de Goa, entre 1957 e 1965 viveu em Santarém e foi naquela cidade ribatejana que fez a escola primária e deslocava-se com frequência a Abrantes. Realizou ainda um estudo sobre a ação do vento sobre as pilhas de carvão e sobre as perdas de carvão durante o transporte, a propósito da produção de energia na Central Termoelétrica do Pego (e também em Sines) solicitado pela Tejo Energia.

Paula Mourato

A sua formação é jurídica mas, por sorte, o jornalismo caiu-lhe no colo há mais de 20 anos e nunca mais o largou. É normal ser do contra, talvez também por isso tenha um caminho feito ao contrário: iniciação no nacional, quem sabe terminar no regional. Começou na rádio TSF, depois passou para o Diário de Notícias, uma década mais tarde apostou na economia de Macau como ponte de Portugal para a China. Após uma vida inteira na capital, regressou em 2015 a Abrantes. Gosta de viver no campo, quer para a filha a qualidade de vida da ruralidade e se for possível dedicar-se a contar histórias.

Entre na conversa

1 Comentário

  1. No final do dia a mensagem é: as florestas vão continuar a arder e nada nem ninguém vai mudar esta realidade.
    Tempos houve em que existia a Guarda Florestal, que limpavam/ e faziam manutenção das áreas ao seu cuidado ao longo do ano e vigiavam nas alturas quentes. Em vez de expulsar os incompetentes e meter outras pessoas para renovar a guarda, simplesmente fecharam as portas… meteram o que restava na GNR e tem sido a desgraça que se vê ano após ano… aparentemente é melhor poupar uns tostões e perder milhões.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *