À hora a que escrevo o senhor Presidente da República ouve formalmente os partidos e políticos com assento parlamentar, na sequência das eleições do passado dia 4 de Outubro. Ao cabo de mais de duas semanas continuamos sem Governo e, aparentemente, sem soluções de estabilidade governativa, apoiadas em maiorias parlamentares.

Creio, contudo, que António Costa fracassou, desde já. Não conseguiu o acordo de esquerda que pretendia levar a Belém. Não conseguiu reunir a tal força consensual de esquerda de modo apriorístico. Estou convencido de que isso se deve ao chamado Tratado Orçamental Europeu, ao qual os socialistas europeus moderados estão vinculados e que BE e PCP-PEV preferem mandar para as urtigas. Tudo bem com o Euro (para já), aceita-se a NATO (para já) e a União Europeia (para já) mas respeitar o Tratado Orçamental Europeu significará sempre manter a austeridade, continuar com a despesa controlada, haver limites à folga. Isso BE e PCP-PEV não querem porque já se viam a conceder benesses, a nacionalizar empresas e sectores, a criar novas regalias na função pública e entre trabalhadores do Estado e a confiscar os bens e rendimentos dos mais ricos… até que estes deixassem de o ser e ficassem pobres e o país acabasse estoirado e de pantanas, a necessitar de nova ajuda externa e nova visita do FMI e seus pares.

O Tratado Orçamental Europeu implica défice orçamental de menos de 3% do PIB, no nosso caso. O PS tem de decidir se respeita este tratado e não pode casar com radicais de esquerda ou só se, também, o quer mandar para as urtigas. Nesse caso, significa romper com o seu ADN de uma vez por todas. Significa reposicionar o Partido Socialista em Portugal e perante os portugueses.

Creio que após a fase de inebriação de António Costa, iludido com a possibilidade de ser primeiro ministro, já estaremos na fase de ressaca. Os estilhaços internos no PS, as dúvidas do editorial do Avante, que reforça os seus dogmas para poder apoiar o PS e algumas fissuras no seio do BE, vão trazer António Costa para a fase da conformação, em que já não poderá viver mais em fase de negação face à realidade.

Se assim for, cada Orçamento de Estado terá de ser rigorosa e laboratorialmente escrutinado, negociado e concertado entre PSD, CDS/PP e PS. O que até pode ser bom para Portugal e para os portugueses, porque exigirá mais humildade da parte da coligação de Governo e maior intervenção das políticas sociais do PS, dentro de limites.

Dito isto, se houver bom senso, este Governo aparentemente frágil poderá até, no limite, chegar ao termo da legislatura. Não é impossível. Porque esta crise encenada pelo PS nos trouxe para um novo campo: o da negociação permanente, o da fuga ao autismo das maiorias absolutas, o da necessidade de colocar vaidades e orgulhos de parte (sempre com dúvidas…) em nome dos interesses mais elevados do país e das populações.

Quem cometer o erro de antecipar eleições correrá riscos maiores de erosão de apoiantes. Mas não se pode garantir nunca que este Governo chegará a 2019. Poderá chegar ou poderá ficar algures pelo meio. Dependerá dos partidos, dos líderes, da conjuntura económica e do novo Presidente. Não podemos é dizer, com toda a certeza, que não chegará ao fim da legislatura. Vai requerer muita habilidade, maestria, concertação, diálogo, e de circunstâncias de momento em cada Orçamento de Estado.

Vai ser bonito de ver. Como foi bonito assistir à disponibilidade de Portas em ceder o lugar de número dois do Governo a António Costa, se este aceitasse integrar um Governo de coligação mais alargada. Não fará, depois de tudo o que disse e fez. Mas bem que podia. E o país ficaria ainda mais tranquilo. Assim vai ser mesmo um exercício de permanente caminhar no arame. Com (quase) todos nós a torcer para que consigamos continuar a sair desta grave crise para onde fomos empurrados, por muitos fatores externos mas também internos. Por erros de sucessivos governos mais interessados em serem populistas do que rigorosos. E onde Sócrates desempenhou o papel principal.

Mas isso agora já são outras contas. Importa muito mais olhar para o futuro do que ajustar contas com o passado. Porque, nessas, todos os que votaram e os que não votaram também têm as suas culpas. Todos ralhamos e todos queremos ter razão. Mesmo que não haja pão.

Pedro Marques, 47 anos, é gestor, gosta de ler, de exercício físico e de viajar

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