O sistema de castas na Índia considera que existe um grupo que classifica de “intocáveis”, que não se podem misturar com os “puros” e a quem estão destinados os piores trabalhos da sociedade. “Intocáveis”, não se “pode tocar”, têm que viver à parte.

A comunicação de Cavaco Silva ao país, onde indigitou Passos Coelho como Primeiro-Ministro, trouxe-me à memória o sistema de castas, esse sistema violentamente discriminatório.

O ainda Presidente, que tinha pensado todos os cenários e tinha tudo estudado, foi afinal surpreendido pelo resultado das eleições. Os cenários estudados por Cavaco não incluíam a situação em que a coligação de direita (PÀF) perdeu a maioria no Parlamento? Sendo a força política mais votada (ninguém coloca isso em causa) não tem condições para governar.

Surpresa? Não, se os cenários que se equacionam tiverem por base a Constituição da República e o respeito pelo funcionamento da democracia. E democracia é isto mesmo, soluções novas para situações novas. Democracia é encontrar as soluções que melhor correspondem à decisão soberana do povo, assumida através do voto. Respeitar a Constituição é assumir que o que lá está escrito é que os Governos governam se o Parlamento assim o decidir e não pela vontade do Presidente.

E não se venha falar em tradição, um conceito em contramão com o exercício da democracia, que se quer dinâmico e não estático. Temos ouvido e lido os clamores de uma direita que clama pela tradição, evidenciando o desespero de quem já percebeu que se pode mesmo virar uma página.

Mas, voltando à comunicação do Presidente, que foi crispada, conflituosa e arrogante, há que destacar a forma como tenta excluir dois partidos – BE e PCP, do direito a tomarem as posições que entendem no quadro parlamentar. Quais proscritos, não podem falar de coisas tradicionais como o governo da República, área em que são “intocáveis”.

O “guardião da estabilidade”, esse valor tão caro aos mercados financeiros, não hesita em lançar a instabilidade, para que continuem a governar os mesmos, os seus, mesmo sem maioria no Parlamento.

O Governo PSD/CDS foi indigitado, governará por poucos dias. A democracia e a democracia parlamentar vão escrever os próximos capítulos da vida política portuguesa. A tradição não consegue responder aos desafios do presente. E ainda bem.

Helena Pinto, vive na Meia Via, concelho de Torres Novas. Nasceu em 1959 e é Animadora Social. Foi deputada à Assembleia da República, pelo Bloco de Esquerda, de 2005 a 2015. Foi vereadora na Câmara de Torres Novas entre 2013 e 2021. Integrou a Comissão Independente para a Descentralização (2018-2019) criada pela Lei 58/2018 e nomeada pelo Presidente da Assembleia da República. Fundadora e Presidente da Mesa da Assembleia Geral da associação Feministas em Movimento.
Escreve no mediotejo.net às quartas-feiras.

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