As minhas reflexões para esta colaboração encaminharam-se para a questão regional. É natural. Este é um órgão que pretende reflectir regionalmente. O que não é uma inferioridade. Bem pelo contrário.

Frequentemente cito Miguel Torga com a sua frase O universal é o local menos os muros, com que, primeiro, teria titulado uma conferência que fez no Brasil em 1945, e que tem sido muito glosada, nem sempre com rigor.

Para mim, a expressão é verdadeiramente exemplar porque casa a universalidade a que nos vamos adaptando com o lugar onde nascemos e estão fundadas as nossas raízes.

Talvez Torga tenha conseguido, numa pequena frase, exprimir o que nos caracteriza como povo. Como povo que se forjou neste retângulo empurrado para o Atlântico pelo resto da Ibéria, que tem séculos de convivência (vivência, língua, cultura comuns) e se aventura pelos mares (e pelos Pirenéus, e pelos ares) na descoberta de caminhos para o universal, sem nunca perder as raízes, antes mais as fundando nos nossos locais pátrios.

Quantos outros países europeus o podem dizer com tantos séculos de experiência e ser?

Mas muitos são os locais de que partimos para o universal que também somos. São como peças de puzzle, que formam um conjunto, mas que, no entanto, entre si parecem desajustadas. Mas não podem ser peças inamovíveis e separadas por muros.

A regionalização, com sentido de lugar e de totalidade, impede que, ao garantir todo o respeito pelos locais, se perca o caminho da universalidade. Ou, ao contrário, impede que, ao abrir-se para a universalidade (sejam europeias ou mais além), se perca o respeito pelos locais.

Por vezes, sinto-me emparedado como que fazendo parte de um local rodeado de altos muros, porque parece peça que está a mais no meio do resto que não me acolhe. A mim e aos vizinhos.

Uma peça que sobrou do puzzle. É isso…

Adoecemos em Ourém e descobrimos que não somos de lado nenhum, que muros nos cercam, que temos de os saltar para chegar a Abrantes ou a Leiria. Nós, que já tivemos um Serviço Nacional de Saúde, com Tomar e Torres Novas no nosso Médio Tejo.

Claro que há quem defenda, defendendo os seus interesses e/ou de outros, que isso se resolve pelas leis do mercado, isto é, desses interesses – daqui e de muito além – mas eu não aceito. Defendo que primeiro, acima de tudo, estão os interesses dos meus vizinhos e os meus, que com os deles se confundem.

Há que ajustar as peças do puzzle e, para isso, que abatamos os muros. Mas aqueles que só a informação e o esclarecimento derrubam.

 

 

 

 

Doutor em Economia e ex-membro do Comité Central do PCP, é membro da Assembleia Municipal de Ourém. Foi deputado à Assembleia da República em 1986 e de 1989 a 1990. Foi também consultor Chefe de Missão BIT/OIT em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique, Director Geral do Emprego e deputado ao Parlamento Europeu desde 1990 a 1999, onde integrou várias Comissões do Parlamento Europeu e do Inter-Grupo do PE para as Questões de Timor-Leste.
Escreve mensalmente no mediotejo.net.

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