Foto: DR

Aos 69 anos, Pedro Barroso era a derradeira testemunha de uma geração de revolucionários que levaram a música feita arma aos mais recônditos cantos de Portugal. Conviveu com os melhores do seu tempo, os baladeiros da música de intervenção, tendo lançado ao longo da sua carreira cerca de 30 discos e escrito mais de 450 canções. Em dezembro esgotou o Teatro Virgínia, em Torres Novas, num concerto que recordou os seus 50 anos de palco. Afastado da vida mediática, debatia-se há algum tempo com problemas oncológicos. Morreu esta segunda-feira, 16 de março, no Hospital da Luz, onde se encontrava internado há algumas semanas, em cuidados paliativos.

Caso novas medidas de controlo da pandemia de Covid-19 não causem alterações, o velório de Pedro Barroso tem lugar esta quinta-feira, 19 de março, a partir das 17h00 na Igreja de Santa Joana Princesa, Lisboa. O funeral decorre na sexta-feira, dia 20, pelas 11h00, seguindo para o crematório dos Olivais. Segundo informação divulgada pelo filho do músico, Nuno Barroso, na sua página de facebook, o pai não era religioso, pelo que Pedro Barroso será cremado.

Posteriormente haverá uma cerimónia em Riachos, com pormenores ainda a anunciar.

Nasceu em Lisboa a 28 de novembro de 1950, António Pedro da Silva Chora Barroso, filho de um professor que dá hoje nome à EB 2/3 em Riachos, próximo da casa onde  viveu até há poucos dias. “Fui feito aqui ao lado”, referiu ao mediotejo.net em entrevista, mas “fui nascer a Lisboa porque havia mais condições” sanitárias. Os pais, ambos professores, foram essenciais na sua educação, sobretudo o pai por ser “permanentemente professor” e de lhe ter ensinado a importância do conhecimento.

A infância foi vivida em Lisboa, para onde o pai foi transferido, com longas passagens por Riachos, sobretudo nas férias. Pensou seguir Direito, mas, antevendo já estar na lista da PIDE, optou por uma carreira na Educação Física, que equacionou ser mais útil em caso de ter que procurar trabalho na Europa. O pai não gostou, recordava, tendo até deixado de lhe falar alguns meses.

Pedro Barroso tirou posteriormente uma pós-graduação em psicoterapia comportamental (“procurei entender o outro lado do eu”), tendo sido professor durante mais de 20 anos, até ter condições de se dedicar apenas à música.

O interesse pela música teve início em criança, mas desenvolveu-se já na idade adulta, com um esforço pessoal por aprender e desenvolver as suas aptidões. A carreira musical começou antes da revolução, no palco do programa da RTP “Zip Zip”.

Pedro Barroso esteve posteriormente envolvido nas campanhas de dinamização cultural do Movimento das Forças Armadas (MFA). “Chegávamos a sítios onde nunca tinham visto um microfone, em que não havia eletricidade”, e onde por vezes o pagamento era a refeição.

“Isto foi uma militância para lá de todas as militâncias”, constatava, uma militância pela cultura, espontânea, realizada pelas e em prol das populações locais. “Estivemos lá”, frisaria, um facto histórico que não poderá ser negado.

Pai de dois filhos, um professor e um músico (Nuno Barroso), confessou que esperava ser lembrado pelas “coisas profundas e sérias e poeticamente mais perfeitas que fiz”. “A obra é sempre muito mais importante que o autor. A obra fica. A obra é que é importante.”

Recebeu alguns prémios nacionais e estrangeiros, destacando-se, entre outros, o prémio para a melhor canção (“Menina dos olhos d’água”, prémio Eles e Elas, 1986), melhor disco de 87 (Prémio Diretíssimo), diploma de mérito da Secretaria de Estado do Ambiente pelos serviços prestados à causa do Ambiente (Ano Europeu do Ambiente 88), Troféu Lusopress para o melhor compositor português (Paris 93) e menção de Mérito Cultural do Município de Newark em 2003.

Foi ainda distinguido com a chave da cidade de Danbury (USA) e o o título de “Ribatejano Ilustre”, atribuído em 1994 pela Casa do Ribatejo, em Lisboa. Passou pelos palcos de Espanha, França, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Alemanha, Suíça, Suécia, Inglaterra, Canadá, Brasil, Hungria, Macau e Estados Unidos, para além dos grandes palcos nacionais.

Foi também escritor, tendo lançado em 1996 a obra “Cantos Falados” e em 2003 “Das Mulheres e do Mundo”. Em 2005 publicou “A história maravilhosa do País bimbo”, a que se seguiram “Contos Anarquistas”, “Memória Inútil de Mim”, “Palavras Mal Ditas” e, em 2017, “Diários da Brevidade”.

Esta terça-feira, 17 de março, o município de Torres Novas aprovou um voto de pesar pelo desaparecimento do músico. “Neste momento de dor, endereça as mais sentidas condolências a todos os familiares e amigos da mítica voz da música portuguesa, o último «trovador» português, ao qual se associa também a Assembleia Municipal, através do seu presidente”, refere o documento.

“Em janeiro de 2020 foi aprovada por unanimidade pelo executivo municipal a atribuição da Medalha de Honra do Município de Torres Novas a Pedro Barroso pela sua carreira e projeção nacional e internacional”, refere.

O município de Torres Novas tem em estruturação uma Casa-Museu Pedro Barroso, na Biblioteca Municipal Manuel Simões Serôdio, ainda sem data prevista de inauguração. Contactado a este respeito pelo mediotejo.net, o presidente da Câmara Municipal, Pedro Ferreira, recordou um amigo de longa data, ainda antes dos tempos da música, quando se encontravam em Riachos no Café Pilrcho. “Sou um privilegiado de ter convivido com ele”, afirmou, admitindo que chegou a ser repreendido pelo também compositor.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, lamentou também a morte de Pedro Barroso, recordando a carreira intensa do músico “ativo, interventivo e enérgico”, um dos “baladeiros” antes dos 25 de Abril que se envolveu “nos combates democráticos e nas campanhas de dinamização cultural”.

Apresentando condolências à família do músico, o Presidente da República recorda a “carreira intensa” de Pedro Barroso, ao longo da qual “gravou dezenas de discos, com textos seus e de diversos poetas portugueses, colaborou musicalmente em encenações de Carlos Avilez para o Teatro Experimental de Cascais e cantou um pouco por toda a parte”, tendo ainda publicado livros e desenvolvido “um trabalho meritório nas áreas da saúde mental e da musicoterapia”. Dele ficará “o que hoje lembramos: a sua voz, o seu empenho, a sua ‘violentíssima ternura'”.

O presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, manifestou também o seu pesar pela morte do músico, de quem era amigo, e que recordou como “uma das figuras mais importantes da música popular portuguesa”.

“Acabo de ser informado do falecimento de Pedro Barroso, autor, músico e intérprete que conhecia há mais de 50 anos e de quem tive a honra de ser amigo. Pedro Barroso foi, sem dúvida, uma das figuras mais importantes da música popular portuguesa”, refere a segunda figura do Estado, numa mensagem de pesar enviada à Lusa.

O presidente da Assembleia da República transmitiu, em seu nome e do Parlamento, “o mais sentido pesar e fraterna solidariedade” à família e deixa uma palavra de agradecimento a Pedro Barroso. “Pela sua atividade enquanto músico de intervenção, e, bem assim, pela defesa intransigente dos direitos dos autores, é enorme a minha gratidão”, refere.

Já a Ministra da Cultura, Graça Fonseca, lembrou o músico como “uma das vozes da canção de intervenção portuguesa e um dos trovadores do 25 de Abril”. A responsável recordou que o músico tinha “uma ligação especial ao Ribatejo” e salientou que “iniciou a sua carreira musical nos anos 1960, no programa ‘Zip-Zip'”, que “revelou muitos dos cantautores que marcaram durante décadas a música portuguesa”.

A ministra refere-se a Pedro Barroso como “autor multifacetado” que “foi pioneiro nas áreas da musicoterapia e do ensino de crianças surdas-mudas”.

Pedro Barroso, realça Graça Fonseca, pertenceu a “uma geração única da música portuguesa, que transformou a canção em protesto, manifesto, pensamento e transformação social”.

“Pedro Barroso ensinou-nos que ‘a resistência de um povo também se cria a cantar’, uma mensagem tão importante quando a escreveu como nos dias que vivemos, em que é preciso cantar e continuar a resistir”, remata a governante.

A última publicação de Pedro Barroso nas redes sociais foi a 18 de fevereiro, para uma breve homenagem a Júlio Isidro. No texto o cantor dava conta da preparação de um próximo CD. O álbum “Novembro” deveria ser editado em abril, segundo a discográfica Ovação.

*Com Lusa

Cláudia Gameiro

Cláudia Gameiro, 32 anos, há nove a tentar entender o mundo com o olhar de jornalista. Navegando entre dois distritos, sempre com Fátima no horizonte, à descoberta de novos lugares. Não lhe peçam que fale, desenrasca-se melhor na escrita

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