Esta semana não posso deixar de referir o tema do momento: os Panama Papers. Não para dizer mais do mesmo, não para ficar chocado com a quantidade de documentos que prometem revelar comportamentos pouco éticos e perversos por parte de políticos, empresários, desportistas, agentes da cultura ou seja lá quem for.
Não para bater nos “nossos” nomes que por lá possam andar. O meu não está, seguramente. Como o da maioria esmagadora da população portuguesa e da população mundial.
Creio que o mundo, mais dia, menos dia, sabia que algo assim poderia acontecer. O que todos teremos sentido é mais ou menos como ter a certeza de que o(a) nosso(a) parceiro(a) tem um caso paralelo de amor (ou apenas sexo) mas que, no fundo, já suspeitávamos e por isso estaríamos à espera apenas do momento em que nos fosse revelada factualmente a traição. Ficamos com a certeza mas nada podemos fazer para trás; apenas tomar, eventualmente, uma atitude para o futuro.
Não registei laivos de profunda indignação com “mais este esquema”, ainda que abarque todo o planeta, gente mais à direita, outros mais moderados e, pelos vistos, até cidadãos mais à esquerda, que normalmente gostam de se exibir como guardiões morais e éticos da Humanidade. No “mundo das sombras do capital global” o dinheiro não tem ideologia e pode ser fator de cegueira, ganância e desonestidade para muitos e até de guerras, atentados e assassinatos em seu nome. Criou-se uma espécie de “irmandade do dinheiro” e já ninguém escapa a este rol de personagens que se vão desfiando a cada dia que passa.
E este fenómeno poderá muito bem ser a manifestação mais exacerbada de capitalismo a que já teremos assistido e poderá, também, permitir a abertura para um outro qualquer modelo de regulação da economia mundial, da ética dos negócios, de negação da selva financeira em que se tornou a nossa vida. Não sei o que se seguirá mas seria bom que, depois disto, depois deste esquema de truques, enriquecimentos manhosos, de esconder dinheiro, de apagar o rasto à origem desse dinheiro, de “regularidade” na lavagem de dinheiro e de branqueamento do enriquecimento ilícito e imoral, algo de novo, para melhor, pudesse surgir.
Será esta uma crise de capitalismo? Será uma crise de valores morais? Será a combinação explosiva de ambas? Não sei. Sei apenas que não gostaria de deixar este mundo pior do que o encontrei. E, apesar de me sentir revoltado, também me sinto impotente para, sozinho, poder dar expressão a um movimento de alteração das relações de poder, das relações de influência, das redes financeiras e de corrupção moral a que assisto, a que assistimos. E isto poderá implica mexer no domínio das liberdades que fomos todos conquistando, no mundo dito ocidental, nas últimas décadas.
Não creio que o anti-capitalismo ético solucione o problema. Não acredito que mais extensa regulamentação e mais poderes de regulação e fiscalização possam, por si, resolver os problemas. O que poderá conduzir-nos à emergência de qualquer coisa nova, que ainda não se consegue teorizar, nem se nos revela tangível, nem perceptível, nem visível, nem sequer na penumbra ainda. Mas algo de muito novo poderá acontecer. É o que acontece quando se esgotam todas as soluções reformadoras, de melhorias incrementais sem que nelas se encontrem novos caminhos de futuro seguro e com harmonia.
Não acredito nas virtualidades do comunismo mas o capitalismo baseado no mercado livre e na democracia liberal também parece ter efeitos nocivos.
Lamento não ser capaz de ver o futuro. Mas sinto que algo grande pode acontecer, que estão criadas as condições para isso.
E é neste quadro que António Guterres fará a sua caminhada para tentar ser Secretário Geral da ONU. Parece que a primeira prova, perante o olhar atento dos 195 membros da organização, terá garantido que não será “nem um secretário nem um general”. A ver vamos se chega ao fim em posição de vencedor e que rumo poderá tentar imprimir à (caduca) Organização das Nações Unidas.
Não será fácil.
Como não será fácil a vida dos portugueses. O Governo admitiu que a criação de emprego, ao longo desta legislatura (se a mesma chegar ao seu final) vai ser inferior à do mandato anterior. O Jornal de Negócios assegura mesmo que “o Governo está a prever que a criação líquida de emprego durante o tempo desta legislatura fique abaixo do que estava projetado no programa eleitoral do PS”. Isso parece mau e parece sustentar a tese de que este Governo não confere prioridade máxima à criação de riqueza, à atração de investimento, à dinamização de um modelo que assente na criação de valor na economia, pelo aumento da produção, da produtividade, do emprego e do investimento privado em paralelo com o investimento reprodutivo por parta do próprio Estado.
As notícias dos últimos dias referem que as previsões do FMI para Portugal são pouco lisonjeiras. Pode mesmo ler-se no “dinheiro vivo”, edição online, que “em 190 países, Portugal terá, este ano, o 39º crescimento económico mais fraco do globo (com uma expansão de 1,4%); no ano que vem cai para 20º neste ranking; no final da legislatura baixa para 11º e no fim do horizonte de previsão, em 2021,o país aparece com o 9º pior registo, não crescendo mais de 1,2% em termos reais”.
Não são sinais bons os que vemos no horizonte. E a Primavera nunca mais chega para que a boa disposição regresse, lado a lado com um espírito de positividade.