Nuno Cruz, Presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários Torrejanos. Créditos: mediotejo.net

Nuno Cruz assegura que não mistura as responsabilidades políticas com a atividade de voluntariado que desempenha na Associação e espera conseguir, por via do diálogo e da boa vontade, chegar a um entendimento com a Câmara Municipal no que toca à atribuição de apoios aos bombeiros torrejanos. Para o mandato em curso (2023/2025) traçou três objetivos: modernizar o parque de viaturas, aproximar a sociedade civil dos Bombeiros e valorizar o capital humano da Associação.

Quando é que começa a sua ligação aos Bombeiros Voluntários Torrejanos?

Eu entrei para os órgãos sociais há dois mandatos. Primeiro, para o Conselho Fiscal, por convite do então presidente da direção [Arnaldo Santos], depois, no último mandato (2021/2023), entrei como suplente. Acontece que houve algumas saídas e eu acabei por tomar um lugar efetivo na direção, como vice-presidente. E ocupei esse lugar até às últimas eleições.

Então, o cargo de vice-presidente da direção, ‘caiu-lhe nos braços’ sem esperar…

Foi uma entrada repentina, podemos dizer assim. Aliás, quando me propuseram integrar o Conselho Fiscal e posteriormente a Direção, disse sempre que estaria disponível para ajudar em tudo, dentro daquilo que são os meus condicionalismos profissionais, que existem, naturalmente. Sempre na perspetiva de que haveria de se arranjar tempo, por pouco que fosse, para conseguir de uma ou de outra forma, dar a mão à Associação e, à minha maneira, contribuir para que esta casa se mantivesse de pé e a evoluir no sentido que se pretende. Mas depois, ao fim de uns meses, isto entranha-se de tal forma na pessoa… de uma maneira que não é fácil de explicar.

Como assim?

Chegar aqui e ver tudo operacional, ver as pessoas a trabalhar (ou melhor, a ajudar, que é o que se faz aqui), com tanta capacidade e tanta garra… é muito gratificante assistir a isso. Torna-se um bichinho que nos vai corroendo por dentro e que nos vais orientando para um caminho que nos faz querer ajudar cada vez mais. E há sempre aquele bocadinho de tempo extra que vamos conseguindo criar, mesmo com todas as dificuldades.

Para além do ‘bichinho’ dos Bombeiros, que foi alimentando, tem outro bichinho que o vai acompanhando, que é a política. Estes são dois mundos compatíveis e facilmente conciliáveis? Ou é preciso haver algum cuidado para que os dois ‘bichinhos’ não recaiam num conflito de interesses?

As questão, logo à partida, está inquinada de razão. Quando nós pensamos em integrar os corpos sociais de uma associação humanitária de bombeiros e em paralelo estamos a pensar, ‘mas também há uma conotação política’, essa associação está errada. Não existe. Uma coisa, é aquilo que são efetivamente as funções políticas ou cargos políticos e, outra coisa, é o trabalho de voluntariado que se faz aqui (as direções não são remuneradas, prestam um trabalho voluntário). Cria-se esse chavão de que por se estar na direção dos bombeiros há uma conotação política. Não há! Nem pode haver. Porque isso, além de não trazer nenhum benefício efetivo a quem está numa direção, antes pelo contrário, o facto de haver essa conotação política pode até prejudicar aquilo que é a interação dos Bombeiros com outras entidades com quem colabora, seja com a Câmara Municipal, ou outras entidades. Se se estabelecerem essas diferenças entre as cores, pode haver alguma entropia que seja criada, por a direção ser de um partido ou estar mais ligada a determinada corrente política, e a própria Câmara, estar associada a outra fação política. Ao criar essa clivagem está-se a prejudicar aquilo que é o mais importante… ter um corpo de bombeiros funcional, a trabalhar em pleno e a ajudar a população.

“Cria-se esse chavão de que, por se estar na direção dos bombeiros, há uma conotação política. Não há! Nem pode haver…”

Nuno Cruz, presidente da direção da AHBVT

Que funções políticas assume atualmente?

Eu tenho assento na Assembleia Municipal de Torres Novas [Coligação Afirmar Torres Novas PSD-CDS/PP] e tive até há pouco tempo alguma ligação a um partido político nacional (e tenho, sou filiado num determinado partido) [CDS-PP]. Tenho essa filiação e essa convicção naquilo que são os valores do partido. Concordo e defendo, sempre que tiver de o fazer. Mas, mantenho essa questão à margem daquilo que é a atividade que desempenho aqui [AHBVT].

Preocupa-o que essa conotação possa existir?

Percebo que se faça essa conotação, porque o passado vem carregado desse tipo de associações. Mas, quando criámos a equipa desta direção, tentámos fazê-lo de uma forma um bocadinho diferente daquilo que vinha a acontecer com as equipas anteriores, que se foram proporcionando fazer na altura, que acabavam por se direcionar para uma determinada orientação em termos de cor política. O que é um facto, é que na nossa Associação, atualmente, temos elementos integrantes dos corpos sociais, ligados a todos os partidos políticos. Politicamente falando, muitas vezes têm visões divergentes, (e outras vezes, até se cruzam), em relação áquilo que devem de ser as opções políticas para o concelho.

Foi uma opção estratégica?

Sim e não. É importante que isso aconteça, mas não foi a preocupação fundamental. Aquilo com que nos preocupámos, principalmente, foi em tentar colocar dentro na direção, pessoas com as competências mais heterogéneas possíveis, de acordo com os vários campos de atuação da própria direção no apoio aos Bombeiros. Seja ao nível das infraestruturas, dos recursos-humanos, das finanças ou a nível legal, por exemplo. Tentámos criar aqui um colégio de diretores, que tivesse a maior abrangência possível nas várias áreas em que a direção tem de intervir no apoio à corporação. Essa foi a primeira preocupação. A outra, não sendo uma preocupação, foi uma consequência, que acabou também por ser tomada em consideração.

“Gostávamos de ter um parque de viaturas completamente novo e de ver os bombeiros com uma remuneração mais justa. (…) Eles estão cá todos os dias e dão tudo o que têm e não têm para conseguir ajudar as pessoas. Isso merece um crédito adicional e não um ordenado base e mais qualquer coisa. Acho que deve ser dignificada a profissão e não é.”

Nuno Cruz, presidente da direção da AHBVT

Acabou de ocupar o cargo de presidente da direção da AHBVT. Que retrato faz desta instituição ao dia de hoje?

A corporação atravessou períodos muito complicados nos últimos anos. Nós continuamos a utilizar o argumento Covid-19 como desculpa, porque é uma realidade. Deixou marcas muito fortes na capacidade de investimento da corporação. Houve um conjunto alargadíssimo de despesas que de um momento para o outro alavancou para valores não esperados. E, naturalmente, essa realidade também teve reflexos negativos na receita. O Covid apertou de forma significativa aquilo que era a situação financeira desta e de todas as corporação. Foi uma situação transversal. Com o trabalho da direção anterior, houve sempre forma de mitigar essas dificuldades e de se irem ultrapassando os obstáculos à medida que eles iam aparecendo. Sempre com grande sacrifício, com muito esforço e com muito trabalho. E, estamos cá. Poderíamos estar melhor, e gostávamos de estar melhor, sim. Gostávamos de ter um parque de viaturas completamente novo e de ver os bombeiros com uma remuneração mais justa.

Essa é uma luta antiga e permanente dos Bombeiros…

Muitas vezes, as pessoas só se lembram dos bombeiros quando há um incêndio ou outra tragédia qualquer. Mas, eles estão cá todos os dias e dão tudo o que têm e não têm para conseguir ajudar as pessoas. Isso merece um crédito adicional e não um ordenado base e mais qualquer coisa. Acho que deve ser dignificada a profissão e não é.

Que linhas e que desafios traçou para este mandato?

Quando tomámos posse, deixámos três linhas orientadoras daquilo que deverá ser o trabalho desta direção em prol da Associação. Um dos objetivos, é dotar a corporação de meios mais modernizados. Temos meios suficientes, mas face à idade de algumas viaturas, começa a ser muito difícil mantê-las permanentemente operacionais e disponíveis para poderem sair do quartel em todos momentos. Esse é um dos vetores de atuação, que tem de ser entendido a médio prazo, porque estamos a falar de um investimento significativo. Outra das prioridades, é valorizar o capital humano da Associação. Tentar, o mais possível, criar condições de remuneração mais justas, como já referi. Porque, temos efetivamente de tentar retribuir os bombeiros por aquilo que nos dão a nós, que é disponibilidade total e permanente. Sempre com grande garra e grande vontade. E, em terceiro lugar, outro vetor que também é muito importante. Nos últimos anos, tem havido, um afastamento significativo da sociedade civil a esta Associação (e a outras, também). Não há voluntariado como havia antes. Muitas destas associações, sobrevivem a muito custo, com o pouco voluntariado que têm. Nós temos um quadro de bombeiros contratados, que são bombeiros profissionais, mas dependemos muitos dos voluntários.

Continua a ser preciso fazer esse apelo à comunidade…

Todos os dias. É importante que a sociedade civil tenha essa noção e que perceba que, por vezes, com pouco esforço se consegue muito, se esse esforço for dividido por todos. O pouco esforço de cada uma das pessoas que nos podem apoiar, transforma-se numa capacidade de entreajuda significativa, capaz de nos deixar ir um bocadinho mais além do que conseguimos neste momento. O concelho de Torres Novas tem quase 40 mil habitantes. Se cada um deles der uma ajuda, por mais pequena que seja, nós transformamos esta corporação num projeto realmente muito sério.

“Acredito que, com diálogo e, sobretudo, com boa vontade de parte a parte, vamos conseguir afinar algumas arestas, no sentido de alcançarmos um bocadinho mais de justiça naquilo que é o financiamento público

Nuno Cruz, presidente da direção da AHBVT

A eficácia das linhas traçadas para este mandato dependem diretamente da saúde financeira da Associação e por inerência dos apoios com que conta, nomeadamente, por parte da Câmara Municipal. Esse tem sido um desafio muito visível nos últimos tempos. Como é que espera chegar a um entendimento com o Município em relação áquilo que considera ser um apoio justo à AHBVT?

Lá vem a política outra vez [risos]. Com diálogo. As associações de bombeiros têm várias formas de gerar dinheiro. Isso é público. E está tudo no nosso relatório de contas, que pode ser consultado por quem quiser. A gestão é absolutamente clara ao cêntimo. As fontes de financiamento que temos, são o trabalho que fazemos, por exemplo de transportes não urgentes, cortes de árvores, abertura de portas, entre outras atividades que fazem parte das atividades dos bombeiros. Depois, há o próprio financiamento do Estado, proveniente da Autoridade Nacional de Proteção Civil ou da Câmara Municipal, com quem temos um protocolo de colaboração. Esse é um acordo que está em vigor. E eu acredito que, com diálogo e, sobretudo, com boa vontade de parte a parte, vamos conseguir afinar algumas arestas, no sentido de alcançarmos um bocadinho mais de justiça naquilo que é o financiamento público, face ao trabalho desta Associação.

“Não me parece que seja esse o caminho [Municipalização dos Bombeiros]. Acho que qualquer corporação de bombeiros deve manter-se autónoma do poder político, seja a nível nacional, seja a nível municipal. (…). Nestas associações deve persistir a isenção face àquilo que são os fenómenos políticos.”

Nuno Cruz, presidente da direção da AHBVT

Quando são abordadas as dificuldades das associações desta natureza, surge facilmente o debate sobre a municipalização. Qual é a sua opinião acerca da municipalização dos Bombeiros Voluntários?

Fala-se nisso há muito tempo. Em bom rigor, não existem bombeiros voluntários na pura aceção da palavra. Todas as corporações têm bombeiros assalariados, que são funcionários da associação. Depois, complementam-se os meios humanos, com um conjunto de voluntários, que vão apoiando. Essa questão é demasiado complexa para ser resumida aqui em 5 minutos. Há um conjunto de fatores que podem afetar ou alterar, de uma ou de outra forma, aquilo que são as opiniões em relação ao tema. Eu acho que qualquer corporação de bombeiros deve manter-se autónoma do poder político, seja a nível nacional, seja a nível municipal. Mas, atenção, esta não é a opinião da direção. Esta é a minha opinião. É uma opinião pessoal. Acredito, (a justificar, eventualmente mais tarde), que no momento em que se entrar por um caminho de municipalização dos bombeiros, pode perder-se alguma capacidade em termos operacionais, em termos de recursos. O papel do bombeiro voluntário e o voluntariado deixam de existir. Passam a ser todos bombeiros profissionais, com todos os custos que isso acarreta para a entidade que assumir essa gestão e controlo. O peso que isso gera nas contas do Município é significativo. Basta fazer as contas. Não me parece que seja esse o caminho. Nestas associações deve persistir a isenção face àquilo que são os fenómenos políticos. Essa isenção, dá-nos a capacidade de escolhermos, a qualquer momento, aquilo que é melhor para as pessoas e para a associação, sem estarmos condicionados e sem politizar.

O IPMA – Instituto Português do Mar e da Atmosfera, apontou recentemente que quase 40% do território de Portugal continental está em situação de seca desde o mês de abril. A corporação de Torres Novas está preparada para enfrentar o verão que se aproxima?

Para nós, esse desafio já começou. Já tivemos algumas saídas para incêndios nos últimos dias. Pequenos, mas já vão aparecendo. Dizer que estamos preparados… nós nunca estamos preparados. Isso é uma falácia. Temos os meios e temos as pessoas para aquilo que é um ano normal de incêndios. Agora, se tivermos um ano como já tivemos em tempos idos, em que houve efetivamente um volume muito grande de incêndios e de grande intensidade… a verdade é que nunca se está verdadeiramente preparado para verões dessa natureza. Mas, cá estaremos, para o que vier e quando vier. Prontos, sozinhos, com ajuda, ou a ajudar os outros. Estamos cá, como sempre.

Créditos: AHBVT

 Órgãos sociais da AHBVT eleitos para o triénio 2023/2025:

Mesa da Assembleia-Geral
Presidente: Sócio nº 6681, Arnaldo Filipe Rodrigues dos Santos
Vice-Presidente: Sócia nº 12231, Ana Marta Garcia Luzio Mendes
1º Secretário: Sócia nº 21010, Helena Maria Moura Pinto
2º Secretário: Sócia nº 21601, Ana Rita dos Santos Serras Jorge

Conselho Fiscal
Presidente: Sócio nº 14913, Carlos Alberto Pereira de Sousa
Secretário: Sócio nº 6450, Carlos Joaquim Martinho da Fonseca
Relator: Sócio nº22384, Catarina Isabel Lopes Fontinha
Suplente: Sócio nº 14878, Luís Carlos dos Santos Dias

Direção
Presidente: Sócio nº 21598, Nuno Manuel Duarte da Cruz Caroço
Vice-Presidente: Sócio nº 12299, Gabriel Fernando Felicíssimo das Neves
Tesoureiro: Sócia nº 19785, Ana Cristina de Almeida Pinho
1º Secretário: Sócio nº 22421, Nuno José Ferreira Lopes
2º Secretário: Sócio nº 15860, João Filipe Freire Santos
Vogal: Sócio nº 22422, Paulo Manuel Peixoto Ferreira
Vogal: Sócio nº 7067, Rui Pedro de Carvalho Alexandre

Suplentes:
Sócio nº 12552, Antero Guerra Inácio
Sócio nº 12604, Leonel Seguro dos Santos
Sócio nº 22034, Sílvia Rosália Rodrigues dos Santos Pombo

Carla Paixão

Natural de Torres Novas, licenciada em jornalismo, apaixonada pelas palavras e pela escrita, encontrou na profissão que abraçou mais do que um ofício, uma forma de estar na vida, um estado de espírito e uma missão. Gosta de ouvir e de contar histórias e cumpre-se sempre que as linhas que escreve contribuem para dar voz a quem não a tem. Por natureza, gosta de fazer perguntas e de questionar certezas absolutas. Quanto ao projeto mais importante da sua vida, não tem dúvidas, são os dois filhos, a quem espera deixar como legado os valores da verdade, da justiça e da liberdade.

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