Na freguesia de Atouguia, no concelho de Ourém, não há percursos pedestres marcados. Existem, no entanto, vários pontos emblemáticos, de interesse histórico, geológico ou paisagístico, que vale a pena explorar. Nesta aventura, partimos no encalço da gruta da Lomba Gorda, também conhecida por gruta da Alvega, uma formação geológica escondida na proximidade de campos agrícolas entre as montanhas da Serra de Aire, conhecida por alguns locais e pelos adeptos de trail, mas afastada do conhecimento geral. Perdemo-nos, tivemos que nos socorrer da tecnologia, até descermos às profundezas de um cenário que parece saído de outro mundo.
O objetivo era fazer uma rota por alguns dos sítios mais emblemáticos entre a aldeia de Atouguia e os limites da freguesia de Fátima, onde nos indicaram situar-se uma misteriosa gruta que merecia visitação. Para além destas grutas e algares, que tendem a ser mais características de outras zonas da serra, o maciço calcário criou neste território uma rede de tanques e fontanários, destinados outrora ao armazenamento de água, e que hoje procuram manter-se como parques de lazer.
Mas para o Poço de João Loução, requalificado em 2019, e para o Tanque do Ferreiro, reabilitado em 2020 por particulares, que distam sensivelmente 500 metros um do outro, não há qualquer indicação, pelo que só aqui chega quem conhece efetivamente os lugares.
Pelo que começamos a aventura pelo Poço de João Loução, tentando traçar a partir daqui uma rota histórico-natural até à gruta da Lomba Gorda. Datado de 1816, o Poço, que inclui ainda uma fonte e um tanque usado noutros tempos para lavar roupa, foi criado para responder às necessidades de abastecimento de água das populações. Não há informação sobre quem foi a figura de João Loução que acaba por dar nome à estrutura, mas esta tem sido mantida com o financiamento das autarquias locais.

O vale, entre a aldeia do Murtal e a aldeia de Fontainhas da Serra, é maioritariamente terreno privado, pelo que vamos um pouco às cegas quando saímos da estrada. Não é muito difícil encontrar o Poço, bastando seguir o sentido da rua de João Loução a partir de um corte na Estrada de Fátima. A ideia de, a partir deste ponto, ir ao encontro do Tanque do Ferreiro revela-se porém mais complicada, porque os acessos não são diretos e a estrada desaparece.
O Tanque é uma significativa estrutura em pedra de 14mx6m, com uma nascente de água, que foi reabilitada por jovens locais na sequência do primeiro confinamento. A ideia original, referiu-se em 2020, seria criar ali um novo espaço de lazer, com o tanque a servir de piscina, mas entretanto o projeto não teve desenvolvimentos.

Saídos do meio do mato, tentando descobrir um caminho de ligação, encontramos o majestoso tanque quase sem água. É uma obra que impõe respeito, encontrando-se identificada com uma pedra esculpida com o nome do espaço, mas sem mais sinalização até ao local. A natureza começa inclusive a invadir novamente o reservatório, questionando-se se não tornará a ser esquecido face à inexistência de um projeto público concreto para dinamizar este património local, herança doutros tempos onde não havia canalização e a água era um bem que unia comunidades.
Por esta altura encontramos novamente a estrada e seguimos serra acima rumo à aldeia do Murtal. Por entre pinhais e muros de pedra, vamos desembocar no Largo da Lagoa, onde o antigo fontanário é hoje um pitoresco parque de merendas. O sentido é agora a zona de Alvega, inevitavelmente pela Estrada de Fátima, o limite geográfico entre as freguesias de Atouguia e Fátima.

Nestas aldeias pacatas que teimam em agarrar-se a uma agricultura e pecuária familiar, mas onde muitas casas permanecem fechadas boa parte do ano devido à emigração, sobressaem os sinais de devoção, com altares a santos variados nos sítios mais inesperados.
Por alturas de maio, é comum estas estradas estarem cheias de colunas significativas de peregrinos que se dirigem a Fátima. O percurso bucólico serra acima, extremamente florido por uma primavera precoce que teimou a anteceder a chuva e o frio, convida à contemplação, não fosse a exigência da caminhada ser pouco propícia a grandes reflexões. Em plena serra, o percurso é sempre a subir.

Cortamos assim à esquerda assim que vemos a placa Alvega e saímos do alcatrão, entrando novamente pelos campos e o mato serrano, aventurando-nos por trilhos desconhecidos e parcamente definidos. O objetivo é chegar à gruta através da serra despovoada, fugindo dos aldeamentos, cruzando os montes de mato raso e os campos agrícolas. A inexistência de marcações e um cálculo errado da localização da gruta acaba, porém, por trazer consequências. Após alguns quilómetros, constatamos que estamos perdidos.
Procuramos um sentido no emaranhado dos caminhos da serra que nos conduza à rua da Lomba Gorda, onde se encontra a subida para a gruta. A paisagem faz uma panorâmica sobre a Serra de Aire que noutra circunstância convidaria a tirar selfies, mas o grupo está desorientado. Não há as tradicionais marcações dos percursos pedestres, pelo que temos que confiar na nossa orientação ou na tecnologia.
Optamos pela tecnologia, mas com a rede de internet a falhar sucessivamente de pouco adianta. Temos que voltar à boa e velha orientação humana e tal implica subir ao cimo do monte e tentar perceber onde nos encontramos.

No topo acabamos por nos aperceber que, ao fundo, encontra-se a estrada da Alvega. É necessário descer a encosta e procurar a gruta a partir da estrada, desistindo da ideia do percurso pelos trilhos do mato. Sem conhecer o terreno e sem o apoio seguro do GPS é perigoso aventurar-nos muito mais mato adentro depois de andarmos perdidos cerca de uma hora.
A aventura segue assim por uma estrada de brita que acompanha os campos de cultivo, onde parecem dominar os olivais. Retomando o sinal de GPS, sabemos estar nas proximidades da rua da Lomba Gorda. Basta encontrar a subida para a gruta.
Acaba por revelar-se um pequeno rasgo entre o mato, em terra batida, com o ligeiro desenho de degraus. Entrando por este carreiro, o percurso é agora sempre a subir, com o mato a adensar por todos os lados, camuflando a luz do sol.

Ao fim de alguns metros encontramo-nos frente a uma parede de pedra e o caminho nivela. Estaremos na entrada da gruta, onde uma tabuleta com palavras ilegíveis e um coração desenhado na pedra nos dão as boas vindas.

O percurso tem fases que faz lembrar cenários do Senhor dos Anéis, outros as cenas mais arrepiantes da ilha do King Kong, ou a solidão do protagonista do filme 172 horas. É uma daquelas descidas às profundezas da terra, que de algum modo deixa extasiado e amedrontado o observador com o impacto visual das formações da natureza e os mistérios do desconhecido.

No silêncio e na penumbra, somos como que abraçados pela terra, num sentimento de inferioridade perante a enormidade do mundo que a fotografia jamais será capaz de captar.

O caminho nunca escurece por completo, pelo que o termo gruta não se aplicará exatamente, sendo antes um desfiladeiro por entre a estrutura rochosa da montanha, serpenteando pelo relevo acidentado. Os amantes de geologia teriam aqui por certos mais histórias para contar.

O trilho não tem, porém, saída, desaparecendo na própria rocha. Como sair?
Ao afunilar o trajeto, o engenho dos locais ou dos amantes de trail teve a ideia de deixar para trás um conjunto de paletes que formam uma escada até uma saída por uma abertura na rocha, que na zona exterior tem a aparência de um algar.
Surge aqui o maior desafio do trilho, uma vez que a subida exige alguma destreza e equilíbrio, confiando na estrutura da rocha para apoio.

Já fora do desfiladeiro/gruta, voltamos a deparar-nos com a exuberância da natureza envolvente. O sentido agora é sempre a descer, com algum declive que exige cuidados, até regressar à estrada e retomar o caminho de regresso ao carro.
Um pouco mais à frente toma-se o sentido da rua da Cardíola, curiosamente identificada com uma placa de pedra, e sobe-se até à aldeia das Fontainhas da Serra, tomando a direção da travessa da Feteira. Sempre em frente, sem mais desventuras, novamente rodeados por pinhais e eucaliptais, rapidamente encontramo-nos novamente no Poço de João Loução.
No final contabilizamos 6,5 quilómetros, com cerca de três horas de percurso, parte dele devido à desorientação e por nos termos perdido. Mas a proposta era partir à aventura, à descoberta de uma mítica gruta que poucos sabem localizar, redescobrindo pelo meio algum do património local esquecido.
A freguesia de Atouguia terá outros espaços a descobrir pelos amantes dos percursos pedestres, assim haja vontade de os definir e marcar.

Parabéns pelo artigo. É bom conhecer os recantos mais escondidos da natureza, obrigado.
Moro em Fátima, já conheço um local, mas os outros vou tentar encontrar 😀. Adoro caminhar no campo.
Parabéns e muito sucesso na “escrita”.
É realmente um território muito agradavél ,rico em ecosystemas e biodeversidade .
É com imensa pena que tenho visto uma enorme degradação na magnifica paysagem do Alvega.
Os eucaliptos a começarem a invadir,aterros clandestinos descontrolados etc etc.
Vou ver se consigo ir la
Será que arranjam o track GPS….???
Excelente artigo, pena é ter apenas uma imagem da rota e não o track GPS. Só por isso vou ter de dar nota negativa ao artigo
Se quiserem contactem a junta de freguesia de Atouguia, que podemos fornecer o KML.
Obrigado
presidente@jf-atouguia.pt