Sensivelmente a meia distância entre a vila da Chamusca e a aldeia do Pinheiro Grande, em frente do local onde há pouco mais de um século se construiu a ponte que atravessa o Tejo, num sítio que ainda é um tanto ermo e por entre abundante vegetação, na aba da colina, está, há meio milénio, tanto tempo que isso é, o Convento de Santo António do Pinheiro. O sítio é de devoção muito antiga ao mais popular dos nossos santos, pois já antes de D. Manuel ter aí mandado construir o convento, lá existia uma anterior capela da invocação de Santo António.
Quinhentos anos de existência, com períodos de imensa serenidade e outros de grande turbulência e inquietação, fazem do conventinho – como carinhosamente o povo já o tratou – um dos mais vetustos conjuntos arquitetónicos do concelho da Chamusca e da região. A tudo o convento resistiu: ao tempo que já é tanto, aos terramotos e incêndios que o atacaram várias vezes e à cobiça e à incúria dos homens que são os maiores dos males (1).
Da primitiva capela de Santo António, anterior à construção do convento, sabemos, por um documento de 1505 (2), que tinha, para o lado do Tejo – que nesse tempo lhe passaria um pouco mais perto do que agora (3) –, um grande cerrado com um pomar de muitas árvores de fruto, grandes latadas, um pedaço de vinha e um tanque e, para o lado de nascente, um pátio com umas casas que serviam de estrebaria e palheiro, cobertas de palha, e outras casas com paredes de taipa e cobertura de telha que serviam de morada ao capelão.
Foi neste lugar, por certo há muito associado ao culto a Santo António, que D. Manuel I ordenou a construção do convento.
Um frade franciscano, frei Fernando da Soledade, escreveu, nos princípios do século XVIII, uma História da sua ordem (4), na qual incluiu um capítulo com a Memoria do Convento de Santo Antonio do Pinheyro. É um documento precioso sobre os dois primeiros séculos de vida do convento. Escreve o frade, logo a abrir:
Entre a vila da Chamusca e a igreja do Pinheiro, Comenda da Ordem de Cristo, foi plantado este convento no alto de um pequeno vale que o monte forma para a banda do Tejo. É agradável o sítio pela vizinhança do rio e vista dos campos que o cercam da outra parte, acompanhando a vila da Golegã sua fronteira ao norte em distância pouco mais de meia légua. Neste lugar o fundou el-rei D. Manuel por causas que não alcançámos.
Não alcançava o frade as causas que levaram o venturoso rei a fundar ali o convento. Mas sempre as ia adiantando: que poderia muito bem ter sido por mor da grande devoção que el-rei tinha à ordem franciscana, a que pertencera o bondoso Santo António, ou então para cuidar da piedade dos pobres de modo a que os pastores e montanheses que andavam por aqueles sítios tivessem despertadores que os incitassem a buscar a Deus e a tratar da própria salvação. Fosse por que fosse, o certo é que os franciscanos, a quem o convento se destinava, o receberam com grande alegria, vendo-o deserto e apartado dos comércios e comunicações do mundo, assim proporcionando um ambiente tão adequado à vida religiosa.
Por ter sido concebido para franciscanos, frades cuja regra obrigava a uma vida de estrita privação, tinha o convento uma arquitetura de humildade seráfica e instalações de uma pobreza evangélica, sendo térreos os dormitórios dos irmãos, feitas em taipa as paredes e bem pequena a igreja. Era nas suas origens o convento de tal modéstia que o rei D. Manuel, quando o viu, ficou muito admirado dela e tanta estima fez dessa humilde casa, conta o frade historiador, que logo mandou gravar as suas armas e esferas por numerosas partes dela, para que de todas se visse que, assim pobre e desprezível, a tinha em maior preço do que se fora muito sumptuosa.
O convento começou a ser construído no ano de 1519 e logo no seguinte foi incorporado na ordem franciscana por bula do papa Leão X. Nela se instalaram de imediato os frades que levavam uma vida virtuosa e austera, contentando-se com umas ervas mal guisadas quando a caridade dos povos vizinhos se descuidava.
Quando foi criada em Portugal a Província de Santo António, em 1578, passou o convento a integrá-la. Nessa altura, com pouco mais de meio século de existência, já teria recebido por três vezes a visita real, duas delas do fundador D. Manuel e a outra do desafortunado D. Sebastião, em 1569, quando por aqui andou fugindo à pestilência que grassava em Lisboa.
Entretanto, esteve o convento para ser mudado. Argumentavam os frades que o sítio era pouco saudável por causa dos vapores do rio e das correntes de uma fonte que consideravam nocivas para a saúde. Não conseguiram concretizar a ideia, mas obtiveram de D. Sebastião a prerrogativa de passarem a ter, no Hospital de Santarém, uma enfermaria só para eles, onde se podiam curar a expensas da fazenda real.
Dos tempos do rei Desejado ficou no convento, por longo tempo, uma referência preciosa: o túmulo, enquadrado por um belíssimo arco, de D. Aleixo de Meneses, aio de D. Sebastião, entre outras sepulturas que lá terão existido.
Por várias vezes, umas três ou quatro, foi o convento vítima de incêndios. O primeiro deles aconteceu em 1607. Tantos dias tem o ano e logo havia o fogo de atear em 19 de setembro, a data da festa religiosa da impressão das chagas de S. Francisco, o patrono do convento, o que logo foi entendido como um sinal do Céu. Mais ainda quando se viu a maravilha da forma como se ele apagou.
Veio o lume de uma mata vizinha, onde tivera começo, e tanta violência trazia que era bem capaz de tudo devorar à sua passagem. Mas não quis Deus que assim fosse – e assim não foi. Os pobres dos frades, apavorados, viram o fogo entrar pelo dormitório e, não tendo como o suster, nem com a ajuda de uns homens que vieram em seu socorro, resolveram correr à igreja para pôr a salvo o que havia de mais precioso. Um deles comungou o Santíssimo, evitando que fosse consumido pelas chamas, e todos trataram de retirar as imagens e os paramentos do culto. E quando parecia que tudo seria engolido pelas labaredas, decidiu Deus que assim não seria e deu-se um prodígio que só ao alcance de Deus está. Conta frei Fernando da Soledade que estando o céu claríssimo, de repente apareceu sobre o convento uma nuvem, da qual saiu tanta água que não só apagou o fogo mas, para maior demonstração da maravilha, alagou o claustro, pelo que se transformaram as desconsolações em louvores. Louvores a Deus, bem entendido, e a Santo António e S. Francisco que hão de ter intercedido pela salvação da sua casa.
Em meados do século XVII voltou a falar-se na mudança do convento, tendo mesmo chegado a ser oferecido para o efeito um terreno no Outeiro de S. Pedro, na vila, pelo duque de Pastrana, senhor da Chamusca e Ulme, mas a ideia foi posta de parte porque os frades, saudosos do retiro em que viviam, como nos conta Francisco José de Andrade na sua Descripção da Chamusca (5), resolveram renovar o convento nos alicerces do primeiro e deixaram-se ficar onde estavam. O fogo voltaria no verão de 1696, provocando enormes danos.
Em 1755 tremeu violentamente a terra em todo o país, tendo destruído, como se sabe, grande parte da cidade de Lisboa. Não consta, porém, que tivesse havido estragos no convento que resistiu incólume a mais esta ameaça da natureza.

Com a chegada do liberalismo, foram extintas, por decreto de 30 de maio de 1834, todas as ordens religiosas, cujos bens foram integrados na Fazenda Nacional e depois vendidos em hasta pública. Foi esse, também, o destino do Convento de Santo António do Pinheiro, arrematado, em praça que se realizou em Santarém, por um particular chamado José Maria Cardoso.
Durante a sua longa história, foi o convento acumulando riquezas patrimoniais, com destaque para os azulejos da capela, da sacristia e do claustro, a valiosa biblioteca – apesar das destruições causadas pelos vários incêndios – e o já referido monumento funerário quinhentista a D. Aleixo de Meneses. Todas essas preciosidades do conventinho, preservadas e acrescentadas durante mais de quatro séculos, haveriam, infelizmente, de desaparecer de lá em espaço de poucas décadas.
A biblioteca, que integrava muitos e valiosos livros, alguns deles bastante antigos e com boas encadernações a pergaminho e outros com belíssimas iluminuras, não despertou grande interesse à nova proprietária do convento, uma das filhas do dito José Maria Cardoso, que resolveu oferecê-los ao prior da Chamusca, Francisco de Lacerda. E lá foram todos aqueles livros, de valor inestimável, em duas carradas (6) para a Chamusca, sendo depositados, por ordem do prior, na igreja matriz, onde ficaram durante vários anos. Não viria mal ao mundo se a paróquia tomasse conta deles, mas não foi o que sucedeu: o prior deixou a Chamusca para ir para os Açores, onde viria a ser bispo de Angra, e anos depois uma Junta de Paróquia pouco sensível a estas coisas da cultura, entendendo que tamanho volume de livros estava ali a empatar, sem qualquer utilidade que se visse, resolveu vendê-los a peso, assim fazendo algum dinheiro. Comprou-os Manuel Vaz Monteiro, um rico proprietário agrícola do concelho, e até poderiam, por essa via, ficar os documentos do convento em melhores mãos. Mas parece que as criadas da casa, para quem aquilo era papel apenas e nada mais, terão decidido utilizar as suas folhas para fazer embrulhos de sabão…
A filha de José Maria Cardoso vendeu o convento, por um conto e seiscentos mil réis, em 1886, a um sacerdote chamado Joaquim Luís. Quando o padre morreu, em 1925, fizeram-se partilhas entre os herdeiros e calhou o convento a um sobrinho, Joaquim Morgado, que resolveu vender todo o seu recheio…
Boa parte dele foi adquirida por José Relvas, o revolucionário a quem se atribui a proclamação da República da janela da Câmara de Lisboa no 5 de Outubro de 1910: os azulejos da igreja, da sacristia e do claustro e o artístico arco que em tempos enquadrara o túmulo de D. Aleixo de Meneses foram arrancados dali e levados para os Patudos, em Alpiarça. Outras importantes peças espalharam-se por vários adquirentes, uns do concelho da Chamusca, outros não: altares, painéis de azulejo, o cadeiral do coro, um baldaquino, tudo…
Sendo o bom do Santo António, para além de casamenteiro, tido como muito competente em achar coisas perdidas, para isso se lhe rezando responsos, muito trabalho teria se quisesse encontrar, e trazer de novo ao seu conventinho do Pinheiro, tanta preciosidade que lá houve e por aí anda espalhada (7).
(1) Este texto, no qual se introduziram agora muito ligeiras alterações, integrou originalmente o livro do autor Os Abrigos da Memória, publicado pela Câmara Municipal da Chamusca em 2012, p. 55-60.
(2) Foral da Comenda de Santa Maria do Pinheiro Grande, tombo de 5 de dezembro de 1505, cit. por Álvaro F. do Amaral Netto, O que quer que seja acerca de épocas referente à Chamusca, texto manuscrito, n.º 10574 da Biblioteca Municipal da Chamusca Ruy Gomes da Silva, p. 123.
(3) O leito do Tejo, que até ao século XVI corria rente à base das colinas da Carregueira e do Pinheiro, foi desviado no tempo de D. João III mais de um quilómetro para o interior da lezíria, de modo a evitar o atravessamento de uma zona de areias que arrastava no seu percurso, prejudicando as terras de cultivo. O rio não gostou, contudo, deste novo leito que os homens lhe quiseram impor e foi-se desviando cada vez mais dele para o lado oposto às colinas, criando a enorme curva que o faz passar agora junto à Quinta da Cardiga. Na zona do convento é possível que o Tejo, no início do século XVI, bordejasse mais do que atualmente a colina onde ele se ergue.
Sobre a alteração do leito do Tejo, veja-se o trabalho de João José Alves Dias, Uma grande obra de engenharia em meados do século XVI: a mudança do curso do rio Tejo, revista Nova História: Século XVI, n.º 1, junho de 1984, p. 66-82. 
(4) Frei Fernando da Soledade, História Seráfica cronológica da Ordem de S. Francisco, 1709, tomo IV, cap. 31. 
(5) Francisco José de Andrade, Descripção da Chamusca…, [1759], Garrido, Artes Gráficas, 1997, p. 21-22. 
(6) Álvaro F. do Amaral Netto, Subsídios para a História da Chamusca – II, s/d, manuscrito, p. 5-12, do qual retirámos a informação relativa à delapidação do recheio do convento.
(7) Atualmente, o convento está adaptado a unidade de alojamento de qualidade.