"MDF/Um projeto e um 1.º de Maio muito especiais" emm Tramagal. Foto: DR

A Metalúrgica Duarte Ferreira (MDF), de Tramagal,  é uma realidade especialmente curiosa, porquanto se afasta daquilo que os historiadores defendem a propósito do desenvolvimento industrial português na transição do século XIX para o século XX: fábricas criadas por famílias abastadas ou por estrangeiros. O pioneirismo de Eduardo Duarte Ferreira fez deste um fenómeno único.

Em 1882, pouco depois de ter fundido pela primeira vez 100kg de ferro, o jovem Eduardo fabricou a primeira charrua metálica com rasto e bico substituíveis. Para além de pioneiro, o jovem ferreiro era criativo. O seu sonho ganhava pernas para se fazer a uma estrada que o próprio adivinhava longa.

Nem a I República pôs travões à empresa fundada por Eduardo Duarte Ferreira. O aumento do nível de negócios obrigou, em 1920, à transferência da «Grande Fábrica Metalúrgica» para as proximidades da linha de caminho-de-ferro, numa altura em que empregava cerca de 250 operários.

Transformada em «Duarte Ferreira & Filhos» em 1923, com os descendentes do fundador a integrarem o projeto, na sequência da sua formação universitária, a empresa inaugurou a unidade de aço vazado por processo elétrico, a primeira a fazê-lo em Portugal. No ano seguinte, foi criado o lagar modelo que constituiu um laboratório experimental oleícola. Em 1927, entrou em atividade um laboratório químico e metalúrgico e de ensaio de materiais.

Apesar das dificuldades decorrentes da instauração da Ditadura Militar, primeiro, e da ressaca da Grande Depressão, um pouco mais tarde, a Duarte Ferreira resistiu e, no decurso dos anos trinta e quarenta, continuou a prosperar. Ferreira Dias, ao ascender a Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria, contrapunha a uma nação industrialmente abúlica os exemplos dos raros, mas bem sucedidos, «capitães da indústria»: Alfredo da Silva, Henrique Sommer ou Duarte Ferreira.

Em 1947, no ano anterior à morte do fundador, com 800 operários, a empresa transformou-se em sociedade anónima, passando a designar-se «Metalúrgica Duarte Ferreira, SARL». Estávamos ainda num tempo em que a construção naval, os cimentos, a química e a metalomecânica eram ilhas num oceano industrial marcado pelo peso de atividades familiares e artesanais.

O fim da II Guerra Mundial e, mais tarde, o começo dos conflitos nas ex-colónias portuguesas obrigaram a MDF a redefinir a sua orientação, que estaria em fim de ciclo no processo de produção de maquinaria agrícola. Em fevereiro de 1964, foi inaugurada a linha de montagem do camião militar Berliet.

Com 3549 unidades produzidas até 1974, a opção Berliet, ainda que tenha permitido grande  promoção da MDF e de Tramagal, ter-se-á assumido como um fator de constrangimento incontornável. Nos anos sessenta, apostou-se ainda na fundição e no mercado angolano, porém, intervencionada na sequência do 25 de Abril, a MDF começou a viver tempos muito difíceis.

Quando olhamos para o percurso da MDF, não podemos ignorar aquela que foi a atividade cultural, recreativa, desportiva ou social que a empresa ajudou a promover. Assim que iniciou a sua caminhada, Eduardo Duarte Ferreira percebeu claramente que tinha que estar atento aos seus colaboradores e à gentes de Tramagal, pelas quais desenvolveu muita da sua ação.

A Sociedade Artística Tramagalense (SAT) foi criada em 1901 por Eduardo Duarte Ferreira e alguns amigos e colaboradores, que a 1 de maio saíram à rua a tocar um hino alusivo à data e, daí em diante, o 1.º de Maio passou a ser o feriado da MDF e o dia da festa da empresa.

A SAT, cuja trajetória se confunde com a história da MDF, depois de vários nomes, recebeu, em 1944, a denominação atual. No seu percurso, proporcionou a organização de uma banda filarmónica, de uma orquestra, de um grupo de teatro e de uma biblioteca, numa dinâmica que só foi possível concretizar em estreita ligação com a MDF, a qual, durante décadas, lhe deu um apoio fundamental.

Ao nível do desporto, a MDF auxiliou de forma evidente o Tramagal Sport União (TSU), clube desportivo nascido a 1 de maio de 1922, como resultado da fusão de dois clubes já existentes. Para além das facilidades dadas aos atletas para os treinos e deslocações, da construção do Campo Comendador Eduardo Duarte Ferreira (1951), a MDF apostou de forma clara no TSU e entre as épocas de 1966/67 e 1973/74 a equipa de futebol sénior disputou o Campeonato Nacional da 2.ª Divisão.

Alguns dos momentos mais marcantes da MDF ocorreram a 1 de maio, que sempre foi o dia de festa da empresa. Conta-se que era um dia de convívio entre famílias de operários metalúrgicos, traduzido numa ida ao campo, com o objetivo de partilhar lanches e confraternizar.

Com a criação da banda da SAT e a fundação do TSU, os espetáculos musicais e os jogos de futebol passaram a ser elementos fundamentais desta jornada de convívio.

Ainda que pareçam não existir razões ideológicas nas origens da festa, com o Estado Novo tornou-se necessário solicitar consentimento superior para realizar qualquer comemoração a 1 de maio. No caso da MDF, a festa não foi autorizada em duas ocasiões. Apesar da proibição, a administração ignorou a decisão ministerial, sem que daí adviesse qualquer punição, tanto para patrões como para operários.

O Museu da Metalúrgica Duarte Ferreira (MDF), fábrica que operou em Tramagal e que tornou a borboleta num símbolo de poderio industrial, foi inaugurado no dia 01 de maio de 2017, faz seis anos esta segunda-feira.

José Martinho Gaspar

José Martinho Gaspar nasceu em Água das Casas (Abrantes), na década de 60 do século XX, e vive em Abrantes. É Professor de História e Mestre em História Contemporânea. Desenvolve a sua ação entre aulas, atividades associativas (Palha de Abrantes e CEHLA/Zahara, mas também CSCRD de Água das Casas), leitura e escrita, tanto de História como de ficção, sendo autor de vários artigos e livros. Apaixonado por desporto, já não vai em futebóis, mas continua a dar as suas voltas de bicicleta. Afinal, diz, "viver é como andar de bicicleta: não se pode deixar de pedalar e quando surge um cruzamento escolhe-se o nosso caminho".

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