Tornou-se uma das figuras mais importantes de Tomar com a sua eleição em abril como Mordomo da Festa dos Tabuleiros, mas considera-se “apenas mais um dos obreiros desta Festa que se fez, desde sempre, com a união e boa vontade do povo. Com 51 anos, Mário Formiga nasceu em terras longínquas, na África do Sul, tendo passado a viver em Tomar aos 14 anos, tendo em conta que o seu pai é natural da freguesia de Serra.
Foi em Tomar que completou os estudos – primeiro no ensino secundário, mais tarde no Politécnico – casou, criou família e teve os seus filhos. Desde que chegou de África, nunca mais saiu da cidade pela qual diz ter um “grande amor”, assim como pelas suas gentes. Trabalha por conta própria, num centro de explicações, leccionando várias disciplinas, essencialmente da área das ciências matemáticas.
A seis meses da celebração maior da cidade que foi sede da Ordem dos Templários e da Ordem de Cristo, fomos conhecer melhor o homem que está à frente da organização da Festa que em 2019 atraiu mais de um milhão de visitantes e que poderá em breve, finalmente, ser reconhecida como Património Cultural Imaterial Nacional.
Como descreve esta tradição e o sentimento das gentes de Tomar com esta celebração da sua história e património, que se realiza novamente este ano?
Noto por parte dos tomarenses um grande entusiasmo em nome da festa, como era de esperar. Passámos uns tempos difíceis, e eu noto que as pessoas, e os tomarenses em particular, estão muito ansiosos pela realização da Festa, o que para nós – para mim e para a Comissão – nos dá mais força para trabalhar. Esperemos que a Festa de 2023 volte a ser, como tem vindo a ser nas últimas edições, uma das maiores manifestações culturais e religiosas do nosso país. Na edição passada tivemos um milhão de visitantes ao longo da semana, mas no dia principal do cortejo maior estavam 700 mil pessoas. Num concelho que tem 40 mil habitantes… é um número é um bocadinho assustador para nós. Mas as pessoas gostam e faremos tudo o que estiver ao nosso alcance – nós e Câmara Municipal – para receber condignamente essas pessoas, o que não é fácil. Estamos a falar em estacionamento, sanitários, várias coisas, naquele dia torna-se muito complicado. Um conselho que dou às pessoas é que possam vir no dia anterior, quando temos cortejos parciais, e aí há menos gente e veem os tabuleiros à mesma.

A Festa dos Tabuleiros é uma das mais antigas celebrações nacionais, tendo as suas origens na festa em honra de Ceres, deusa romana das colheitas, da agricultura e da fertilidade, ganhando carácter cristão no tempo das Festas do Imperador, no quadro do culto do Espírito Santo (séc. XIII-XIV), por vontade de D. Dinis e da Rainha Santa Isabel. Tradicionalmente, o tabuleiro é transportado por uma rapariga vestida de branco e tem a altura da mesma. É decorado com flores de papel, espigas de trigo e 30 pães de 400gr enfiados nas canas de um cesto de vime, envolvido num pano branco bordado. O tabuleiro é encimado por uma coroa com a Cruz de Cristo ou a Pomba do Espírito Santo. Além do Desfile principal, realizam-se várias celebrações em dias diferentes, como o Cortejo das Coroas, o Cortejo dos Rapazes, o Cortejo do Mordomo, os Cortejos Parciais, a chegada dos Bois do Espírito Santo e os Jogos Populares.
Talvez haja ainda mais ansiedade pela Festa devido ao período pandémico que foi atravessado…
O entusiasmo acho que é mesmo mais acrescido por causa disso. Foram dois anos muito difíceis. A festa não apanhou a pandemia, não foi afetada pela pandemia, mas nota-se que as pessoas estão muito entusiasmadas. Por elas a festa seria amanhã, mas vamos com calma, ainda faltam uns meses até lá.
Quem é Mário Formiga, o responsável máximo por esta festividade tão importante?
O Mário Formiga é mais um tomarense, que gosta muito da festa, que tem um grande amor pela festa. Já faço parte da comissão desde 1995, fui convidado pelo Mordomo Luís Santos. Tenho participado nas várias comissões setoriais, e nas últimas quatro festas fui o responsável pelas ruas populares ornamentadas, o que me deu uma certa bagagem. Este ano o povo quis assim, fui eleito o Mordomo principal.
Sente-se preparado para esta tarefa?
É uma grande responsabilidade, sim. Tendo em conta a dimensão da festa, eu e os meus colegas de comissão – que é muita gente que está comigo há muitos anos e que já fazem parte, já estão habituados – faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para que corra bem.

O que o levou a aceitar este desafio?
Não foi uma decisão nada fácil por razões pessoais e profissionais, isto requer muito tempo. Depois de conversas em casa, também acabou por ser uma decisão de família. Fui “pressionado” a aceitar este convite por muitos amigos, por muitos tomarenses. Tive ali uma semana que pouco dormia, mas tomei essa decisão, cheguei ao dia e dei o passo em frente. E agora estou numa missão. Até dia 10 de julho, trabalhar, trabalhar, trabalhar, para que a festa seja cada vez maior e que, no final, as pessoas fiquem satisfeitas com o trabalho.
Considera que tem as pessoas certas a seu lado?
As pessoas certas, sim. E pessoas com experiência. Também quisemos este ano chamar malta mais nova para integrar as várias comissões, porque a festa vai continuando, nós vamos envelhecendo e portanto temos também de puxar os mais novos para dentro das comissões, para começarem a ganhar alguma experiência. Os mais velhos também ganharam essa experiência assim.
Até ao final desta “empreitada” é, porventura, a pessoa mais importante do concelho para os tomarenses….
Às vezes na brincadeira aí na rua dizem que eu sou “o dono disto tudo”, mas não é bem assim, eu sou um tomarense, apenas… sou mais um. Porque os verdadeiros obreiros desta festa são os tomarenses. De uma forma direta ou indireta, participam todos na Festa dos Tabuleiros. Eu sou mais um que ama a Festa, apenas isso. Mas é normal isso acontecer, no ano da Festa o Mordomo acaba por ser a principal figura tomarense.
O que tem a oferecer à Festa dos Tabuleiros?
É uma festa com tradição. E a minha primeira missão é manter essa tradição. Mas, mantendo a tradição, podemos inovar nalgumas coisas. Nestas últimas edições houve coisas que correram bem, outras correram menos bem, e essas que correram menos bem vamos tentar melhorá-las. Este ano decidimos reduzir o número de tabuleiros, por exemplo, porque achamos que na Praça da República a quantidade de tabuleiros eram em demasia. A Praça é a mesma, portanto não foi uma inovação, mas verificámos que havia esse problema e vamos reduzir o número de tabuleiros para cerca de 620 (ainda faltam os números finais) e alteraram-se uns certos percursos. São são inovações que têm a ver com trajetos, com as saídas de coroas, alterar algumas datas, mas não mexemos no que estava já feito, tentamos de alguma forma melhorar o que dá para melhorar, porque o que está bem é para se manter, como é óbvio. É só afinar o processo, a nível organizativo, porque a festa está lá, é só manter.
São então cerca de 620 tabuleiros. Que mais números ou aspetos “organizativos” nos pode adiantar?
São 620 tabuleiros e estão confirmadas 33 ruas. A minha grande preocupação era o centro histórico, por várias razões, e a principal tem a ver com a desertificação a nível de habitantes, mas conseguimos através das instituições aqui do concelho – e não vou nomeá-las porque são tantas – trazê-las para a festa. Neste momento temos 33 ruas populares confirmadas. Faltam uma ou duas e ainda tenho esperança de conseguir convencer as pessoas a enfeitar essas ruas.
E algumas pessoas começaram a trabalhar nos enfeites das ruas logo após a sua eleição. Há realmente alguma ansiedade…
Uma ansiedade, um entusiasmo enorme. As pessoas vieram logo ter comigo a perguntar: “Quando é que há papel? Onde é que podemos ir buscar papel para começar a fazer flores?” Houve quem começasse logo a fazer flores, em maio do ano passado, por isso em junho fizemos logo uma reunião com as ruas populares, quando costuma ser realizada apenas em outubro. Houve uma grande afluência de pessoas, ficaram logo as ruas quase todas fechadas nessa altura. Portanto, há um grande entusiasmo e isso é bom, porque a festa é feita disto, a festa é união. Mas é agora, a partir de janeiro, que começam a trabalhar mais em força.

E em termos de orçamento, já se sabe se é equiparado aos anteriores?
Já fizemos o nosso orçamento provisório, é logo das primeiras coisas que fazemos. A festa é de quatro em quatro anos, é normal que o orçamento varie, ainda por cima com as dificuldades com que estamos agora, isto com a inflação não tem sido nada fácil, mas o orçamento em relação à festa de 2023 rondará os 600 a 700 mil euros. Estou a falar a nível de orçamento da Comissão Central da Festa de Tabuleiros. Há sempre depois o investimento também feito pela Câmara.
Uma parte do orçamento da Festa dos Tabuleiros é subsidiado pela Câmara Municipal?
A Câmara atribui-nos um subsídio e nós depois, com todas as nossas atividades, temos de gerar receita para fazer frente a estas despesas todas. A Festa não vive exclusivamente do subsídio da Câmara. Nós temos fontes de receita que tentamos em todas as edições potenciar. Por exemplo, a angariação de fundos, que temos mantido, é uma das fontes de receita que nós temos. São aquelas pessoas que vão de porta em porta –até para manter a tradição – fazer o peditório, e isso tem outra função também muito importante, que é a de divulgar junto dos tomarenses a própria Festa. Temos também a receita das bancadas na Cândido Madureira, vamos tentar reforçá-las porque houve uma grande adesão em 2019, e é outra fonte de receita que nós temos. E depois temos todos os patrocinadores oficiais, e essa parte toda que tem de ser trabalhada, com várias reuniões, e é com a ajuda de todos que conseguimos fazer face a esta despesa.
O subsídio da Câmara que foi atribuído em 2019 foi de 200 mil euros. Este ano é de 270 mil euros, e é com esse valor que vamos ter de trabalhar. As pessoas podem achar que o subsídio é avultado, mas não é. Neste momento, pelas nossas contas, esse valor apenas é para a logística da Festa propriamente dita, ruas, papel, tabuleiros. Tudo o restante em volta da Festa, teremos nós, Comissão, de trabalhar nisso para que tenhamos os espetáculos [de música], o fogo de artifício, essas coisas que complementam a própria Festa.
Uma das prioridades deve ter sido a compra do papel?
Foi uma das primeiras coisas, logo após a minha eleição em abril. Antigamente, tínhamos muitas papeleiras aqui em Tomar, nomeadamente a Matrena, e o papel vinha de lá. Mas ao longo dos anos foi-se perdendo, foram fechando, e o papel vem da Alemanha já há quatro ou cinco edições. Optámos por encomendar diretamente de fábrica. Ou seja, nós tínhamos a noção das quantidades de papel que iríamos gastar – temos o problema é dos tons, mas isso nunca sabemos porque hoje uma rua pode fazer um vermelho e na próxima festa pode fazer um azul – mas a nível de quantidade, sabíamos do que é que precisávamos.
Entrei em contacto com essa fábrica da Alemanha e, atempadamente, conseguimos fazer uma encomenda que nos permitiu logo na altura começar a trabalhar. Até fevereiro virá a segunda encomenda, que eu espero que seja a encomenda final de todo o papel que vamos necessitar para a Festa dos Tabuleiros. São cerca de 80 mil euros só em papel, para as ruas e tabuleiros. Estamos a falar de uma A1 Lisboa/Porto em papel, em termos lineares, ou em termos de área, o equivalente a 40 campos de futebol, para terem uma ideia da quantidade de papel que a festa envolve… São 330 km em linha reta.

A organização sente uma responsabilidade acrescida por estar a ser analisada (podendo ser decidida este ano) a candidatura da Festa dos Tabuleiros a Património Cultural Imaterial Nacional, para depois poder candidatar-se a Património Imaterial da Humanidade, da Unesco?
Claro que temos essa responsabilidade. Já em 2019, com a antiga mordomo, Maria João Morais, tínhamos essa responsabilidade, portanto estávamos a ser avaliados, e houve a grande preocupação e o grande rigor ao nível do tabuleiro, ao nível do traje, e eu vou manter isso, como é lógico, tem de se manter. Neste momento está a ser avaliada a proposta para Património Nacional e eu estou convencido que este ano assim será, esse é o primeiro passo. Um segundo passo seria Património Imaterial da Humanidade, é uma fase seguinte. Agora teremos que nós, tomarenses, estar atentos e a nível do traje e do tabuleiro sermos rigorosos.
Está confiante no sucesso da candidatura?
Estou confiante. Vale o que vale, mas tenho algumas informações de que a Festa será considerada Património Nacional ainda antes da sua realização, este ano. Mais uma responsabilidade.
Quais são as suas perspectivas para a Festa de 2023? Acha que vai superar a última edição?
Nós tentamos sempre superar, ou melhorar. Em relação à edição de 2019, talvez a festa que teve mais afluência por parte das pessoas, estou convencido que irá ser superado o número de visitantes, e temos de estar preparados para isso. É difícil, mas vamos fazer os possíveis e os impossíveis para que possamos ter as condições necessárias para receber estas pessoas. Tentamos sempre melhorar esse aspeto que, para mim, é fundamental.

Quais os desafios mais próximos que se avizinham?
Agora são reuniões que vamos tendo, com as várias comissões setoriais. Umas vão começar já a trabalhar. Já tivemos reuniões com os presidentes de junta, com os agrupamentos escolares… recolha de material, saber das quantidade que vamos gastar, portanto toda essa parte burocrática da Festa. E preparar entretanto a primeira saída de coroas, que será no dia 9 de abril, domingo de Páscoa. É essa a primeira, depois teremos as sete saídas de coroas até à grande semana da Festa.
A adesão dos agrupamentos escolares e das instituições foi também a expectável?
A adesão superou um bocado as expectativas. Muitas instituições já participavam nas edições anteriores mas juntaram-se outras, houve um acréscimo. E em relação a esta edição há uma curiosidade, relacionada com a comunidade estrangeira que vive aqui no concelho, que quiseram também dar o seu contributo. Como exemplo, temos uma rua em que estão 20 ou 30 estrangeiros a contribuir para essa rua, e isso também é muito importante, só mostra também a grande aceitação por parte dos estrangeiros que gostam e querem – já que vivem no concelho – contribuir de alguma forma para o sucesso da Festa.
Quanto aos agrupamentos escolares, além de participarem no cortejo das crianças, também estão envolvidos nas ruas populares. Há duas ruas que eles vão decorar, é uma forma também de integrar os alunos que não podem levar tabuleiros, pela idade, mas assim participarem na sua Festa.

A realização da Festa dos Tabuleiros deve também levar à “otimização máxima” turística do concelho, no que concerne às unidades hoteleiras, de restauração, etc?
Sim, isto é uma alavanca para a parte turística, para a restauração. Muitos dizem que a Festa devia ser todos os anos, mas infelizmente não pode ser. Mas nota-se, no ano de Festa, um crescendo a nível económico e de visitantes. Não é só na altura da Festa, mesmo durante o ano recebemos muito mais visitantes do que num ano normal, isso é um facto. Uma das primeiras medidas depois de ser eleito – fui pressionado, de alguma forma, por todos os lados – foi lançar as datas. Tive de anunciar as datas da Festa 15 dias depois [de ser eleito], porque as pessoas queriam saber quando era a semana da Festa. E depois de lançar as datas, a nível hoteleiro ficou tudo esgotado. Aqui e em volta do concelho.
É fácil lidar com esta pressão que as pessoas, invariavelmente, acabam por fazer, como se tivesse de saber de tudo?
Pressão há sempre. Mas o que eu digo aos meus colegas é que vamos trabalhar um dia de cada vez. Vamos vivendo dia a dia e preparando as coisas como deve de ser, com tempo, para que quando chegar a altura da Festa esteja tudo tratado.
Como tem sido o trabalho com o município de Tomar?
A relação é boa. A Câmara Municipal, juntamente com a Comissão Central, são os dois suportes da Festa dos Tabuleiros. E a relação entre a Comissão e a Câmara Municipal tem que ser boa, temos que articular tudo. E quem acha que a Festa dos Tabuleiros se faz sem a Câmara Municipal… a Câmara é o nosso parceiro principal.
Uma última palavra para a população tomarense ou para os obreiros da festa?
Vou-me repetir. A Festa é do povo, é feita pelo povo, e sempre pelo povo. E eu faço parte do povo. Os verdadeiros obreiros desta Festa são os tomarenses, que não se faz sem a vontade dos tomarenses – são eles que decidem se a querem ou não – e tem que ser com eles. É impossível fazer um evento com esta envergadura, com esta magnitude, sem os tomarenses. Portanto, a eles o meu obrigado, e vamos trabalhar todos em conjunto para que a Festa de 2023 seja a maior de sempre.
