O ACES Médio viu apenas preenchidas três das 37 vagas para médicos de família no último concurso de admissão de clínicos. Já mais saíram, entretanto, devido a aposentações. Foto arquivo: mediotejo.net

Segundo o portal da transparência do SNS, em julho de 2023, um total de 72.093 utentes, dos 225.223 utentes inscritos nos Cuidados de Saúde Primários do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) do Médio Tejo, não tinham médico de família atribuído, equivalendo a 32% do total de inscritos.

A percentagem de utentes sem médico atribuído tem sofrido um agravamento, com especial destaque a partir dos últimos meses de 2022. Em novembro do ano anterior correspondiam a 51.640 (22.9%), valores que alcançaram os 72.093 (32%) utentes em junho de 2023, um acréscimo na ordem dos 9,1%.

Em declarações ao nosso jornal, o ACES Médio Tejo, que regista um total de 225.522 utentes frequentadores, disse hoje que “33% destes utentes não têm médico de família atribuído”.

“Para dar resposta a estes utentes, o ACES Médio Tejo e a ARSLVT têm recorrido a todas as alternativas possíveis: recrutamento de médicos em prestação de serviços, pagamento de horas suplementares aos médicos existentes, reforço das equipas dos Atendimentos Complementares, contratação de médicos aposentados e, inclusivamente, temos em desenvolvimento parcerias com algumas IPSS no sentido de recrutar mais horas médicas. Apesar de todos os esforços, admitimos que, face à dimensão do problema, estas horas médicas disponibilizadas aos utentes que estão sem médico atribuído não são suficientes”, referiu o ACES Médio Tejo.

A entidade de saúde indica ainda que esta realidade assume maior dimensão nos concelhos de Ourém (exceto Centro de Saúde de Fátima), Abrantes, Alcanena, Mação e Sardoal, onde a percentagem de utentes sem médico atribuído é superior aos 33% da média deste ACES.

Para mitigar o problema, foram colocadas 37 vagas a concurso para médicos de família no Médio Tejo, das quais apenas três foram preenchidas: duas para Torres Novas e uma para Fátima. Vila Nova da Barquinha, Abrantes, Alcanena, e Mação, entre outros, continuam com graves carências na prestação de cuidados de saúde, com a Comissão de Utentes a apelar à tomada de medidas extraordinárias.

Em declarações ao mediotejo.net, Manuel Soares, da Comissão de Utentes da Saúde do Médio Tejo (CUSMT), explicou um cenário que considera não ser “famoso”. Além das vagas por preencher, a situação agrava-se pela “relutância de alguns profissionais em prestar serviço nas unidades de saúde de proximidade”, indicou o porta-voz da comissão.

Manuel José Soares, porta-voz da Comissão de Utentes de Saúde do Médio Tejo diz que existem mais de 50 mil utentes sem médico de família e aponta algumas possíveis soluções. Foto arquivo: mediotejo.net

A falta de profissionais levou já ao encerramento de um conjunto de extensões de saúde em todo o Médio Tejo. “Estão pura e simplesmente encerradas em matéria de cuidados médicos”, acrescentou.

Questionado sobre a situação atual da região, Manuel Soares realizou um retrato que evidencia os efeitos da escassez de médicos nas extensões de Saúde. Neste momento, Vila Nova da Barquinha tem todas as extensões de saúde encerradas, enquanto em Alcanena apenas a de Minde se encontra em funcionamento.

O cenário é semelhante ao concelho de Torres Novas, onde as extensões de saúde de Pedógão, Meia Via, Vila do Paço e Fungalvaz encerraram “definitivamente, embora estejam outras encerradas transitoriamente”, explicou.

ÁUDIO | Manuel Soares, da CUSMT, em declarações ao mediotejo.net

O porta-voz da comissão destacou ainda duas situações “prementes” que se fazem sentir no concelho torrejano, nas freguesias da Chancelaria e de Assentis, atualmente sem médio de família disponível para garantir os cuidados primários da população.

Para esta quarta-feira, 23 de agosto, está agendada uma vigília em Assentis, no concelho de Torres Novas, contra a atual situação que a freguesia atravessa. Os habitantes exigem a colocação de um médico na extensão de saúde, tendo marcado o protesto em “defesa de cuidados de proximidade e combate à desertificação das aldeias”, anunciou a comissão de utentes.

Foto: DR

Em Ourém são seis as extensões de saúde sem médico de família, embora o projeto Bata Branca tenha estado a contribuir com a prestação de alguns serviços. Além disso, neste concelho os profissionais já se podem candidatar aos incentivos disponibilizados pelo município como forma de fixar mais profissionais de Medicina Geral e Familiar nas unidades de saúde do concelho. O concelho de Ourém tem quase 45 mil habitantes sendo que, destes, 15 mil não tem médico de família atribuído.

“Em Tomar anuncia-se um processo de encerramento de algumas extensões”, avançou Manuel Soares. Devido à ausência de médicos por motivos de doença, licença de maternidade e outros devido ao período de férias, o concelho tomarense vai sofrer uma “reorganização de serviços que poderá melhorar a qualidade dos serviços”, explica. No entanto, para a CUSMT, o processo poderá colocar em causa a “proximidade, atendendo à possibilidade de formação de uma USF”.

O Sardoal destaca-se pela positiva, tendo ao serviço um médico e regista-se agora a entrada de uma médica que irá realizar “algumas horas”, refere o porta-voz.

São mais de 72 mil os utentes sem médico de família no ACES Médio Tejo. Foto ilustrativa: Pixabay

Para todo o concelho de Mação existe apenas um médico de família ao serviço. Já em Abrantes destacam-se localidades como Mouriscas, Alvega e Rio de Moinhos, onde “alguns não têm médico e outros têm de forma pura e simplesmente fortuita”, afirma.

Para Manuel Soares, trata-se de uma situação “que é grave” e que não permite a realização de um trabalho que é essencial e necessário para o bem-estar da população, nomeadamente em termos de “prevenção de saúde e da assistência regular às famílias”.

A Comissão de Utentes não tem dúvidas de que se não se registar uma mudança no paradigma e, caso se continuem a agravar problemas como o tabagismo, obesidade, sinistralidade rodoviária e dependências, o SNS não vai conseguir “dar uma resposta a tudo”.

Os problemas, cujo agravamento já é esperado ao longo dos próximos anos poderão vir a estar na origem de “mais despesas e sofrimento para os utentes e familiares”, segundo o porta-voz.

Comissão de Utentes da Saúde assinalou a 18 de março 20 anos de luta no Médio Tejo. Foto arquivo: mediotejo.net

Para o futuro, a comissão afirma ser necessário vir a ter em conta a saúde das populações nos processos de tomada de decisão em domínios como o urbanismo, a mobilidade e até o entretenimento. “Agora e por daqui a 5 ou 10 anos. Caso contrário, teremos problemas inacreditáveis e não vão chegar hospitais, centros de saúde. As pessoas vão sofrer muito mais”, sublinha.

A CUMST tem defendido a necessidade de adotar medidas concretas, mas afirma que “na prática ninguém as toma”. “Nos cuidados de saúde de proximidade são necessários mais carros, enfermeiros e assistentes operacionais para poder assistir as pessoas. É um trabalho que começou, mas são precisos mais meios”, defende Manuel Soares.

A hospitalização domiciliária pode também ser uma importante aliada, mas para a sua completa implementação é necessário “haver mais unidades móveis de saúde, à semelhança do que acontece em outros concelhos”. Desta forma, poderá ser garantido o acesso aos cuidados de saúde à população distante no território e até realizar rastreios como forma de prevenção do agravamento de situações de doença.

Foto ilustrativa: DR

“Um bom exemplo, embora seja na cidade, foi o rastreio que foi feito em Abrantes em que se detetaram uma série de casos de possíveis doenças cancerígenas numa dezena e meia de utentes”, sublinha.

As “injustiças” nas tabelas salariais, entre os prestadores de cuidados de saúde primários e hospitalares são também apontadas pela comissão como um entrave à fixação de médicos nas instituições de proximidade.

“Para além dessa situação, acho que o Médio Tejo e outras regiões do país sairiam a ganhar com aquilo que vem sendo anunciado, que é a possibilidade de haver médicos estrangeiros. Os que existem presentemente no Médio Tejo, quer nos cuidados primários quer nos hospitalares, têm dado conta do recado e com satisfação e agrado das próprias populações (…). Se não fossem esses casos, a situação estaria bem pior”, concluiu o porta-voz da Comissão de Utentes de Saúde do Médio Tejo.

Atualmente a frequentar o Mestrado em Jornalismo na Universidade da Beira Interior. Apaixonada pelas letras e pela escrita, cedo descobri no Jornalismo a minha grande paixão.

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