Mação quer declarar vale do Ocreza e gravuras rupestres Património de Interesse Municipal. Foto: mediotejo.net

A aprovação em reunião de Câmara decorreu a 15 de novembro, na véspera do anúncio da descoberta no vale do Ocreza de uma terceira gravura rupestre com mais de 20 mil anos, que representa um bovino (auroque) pré-histórico. A proposta da aprovação da declaração de interesse municipal, que pode abrir caminhos a outras classificações, partiu do diretor do Museu de Arte Pré-Histórica e do Sagrado do Vale do Tejo, em Mação, que entende que aquele vale terá muitos testemunhos de arte paleolítica por descobrir e ser motivo de estudo e referência internacional.

A classificação do vale do Ocreza como Património de Interesse Municipal, que “não exclui níveis mais elevados de classificação no futuro, contribuirá significativamente para a salvaguarda deste legado, permitindo também implementar ações de conservação, revitalização e visitação”, indicou Luiz Oosterveek. “Acreditamos que a participação ativa dos cidadãos será valiosa para enriquecer este processo e assegurar que a preservação deste património seja um esforço coletivo”, defendeu o diretor do Museu.

“Ninguém quer proibir as pessoas de usufruírem daquele espaço, mas temos de lhe dar o devido valor. E o devido valor também será dado por estes reconhecimentos formais que a legislação assim determina, porque também acho que não podemos dizer que temos ali algo muito importante, e depois formalmente nada fazermos para reconhecer essa importância”, disse ao mediotejo.net, por sua vez, o presidente da Câmara Municipal de Mação, Vasco Estrela (PSD).

Mação quer declarar vale do Ocreza e gravuras rupestres Património de Interesse Municipal. Foto: Sara Garcês

O presidente da Câmara de Mação e o diretor do Museu de Arte Pré-Histórica, Vasco Estrela e Luís Oosterbeek, respetivamente, indicaram na quinta-feira, 16 de novembro, que a gravura foi encontrada numa rocha dois quilómetros a montante das duas primeiras gravuras descobertas, em 2000 e em 2021, naquela zona, ao ar livre e no fundo de um vale escarpado, com cerca de quatro quilómetros, entre a barragem da Pracana e a foz do Rio Ocresa (afluente do Tejo), o que indicia que “haverá muitas mais”.

Nesse sentido, Vasco Estrela “pegou” na sugestão de Luís Oosterbeek e apresentou-a em reunião de executivo, tendo a mesma sido aprovada, dando assim início a um processo de classificação de interesse municipal, que o diretor do Museu e o presidente da Câmara querem partilhado, vivido e decidido pela população de Mação.

Em declarações ao mediotejo.net, Vasco Estrela falou da importância da descoberta da gravura com mais de 20 mil anos, a terceira em 20 anos, e lembrou a dinâmica criada desde então, com a descoberta do cavalo do Ocreza, em 2000, no Museu de Arte Pré-Histórica, a partir de uma aposta do então presidente Saldanha Rocha, com reflexos em todo o concelho e na região.  

Vale do Ocreza. Foto: Kenia de Aguiar Ribeiro

ÁUDIO | VASCO ESTRELA, PRESIDENTE CM MAÇÃO:

“Eu acho que esta descoberta, independentemente do valor científico que terá, vem consolidar e validar a aposta que foi feita pelos meus antecessores, em particular pelo meu antecessor Saldanha Rocha, em apostar na ideia que na altura o professor Luíz Oosterbeek lançou, que de facto valia a pena fazer aqui uma reorientação no nosso museu.

“Na altura era um museu (…), como muitos outros que o país tem, mas que realmente havia aqui algo, um fator diferenciador que valia a pena apostar. E, portanto, é bom às vezes recuarmos no tempo e percebermos algumas dificuldades que houve em implementar essa ideia. Muitas vezes não é fácil; a nós, simples leigos nestas matérias, podemos absorver tudo aquilo que nos era transmitido pelas pessoas com competência na área nos transmitiam. E o Saldanha Rocha teve essa visão, ancorado naquilo que eram as ideias do professor Luíz Oosterbeek e, ao longo dos anos, foram feitos diversos investimentos, foram feitas apostas em variadíssimas nuances desta área. E, felizmente, os resultados que têm aparecido sobre os diversos pontos de vista, vêm, repito-me, validar a aposta que então foi feita em Mação, que é hoje reconhecida em termos nacionais e em termos internacionais, como um polo extraordinariamente importante na arte rupestre e em tudo aquilo que gira em torno do nosso museu”, disse o autarca.

“Portanto, dito isto, é importante a partir de agora percebermos como é que com mais esta descoberta vamos ajudar o nosso museu, o nosso concelho, o ITM (Instituto Terra e Memória) digamos, serem ainda mais fatores de desenvolvimento do nosso concelho”, indicou, tendo feito notar como “relevante” o facto da Câmara “ter decidido sobre a proposta do Professor Luíz Oosterbeek, que fui transmissor na Câmara Municipal, classificar aquela zona como zona de interesse municipal. Está a ser feita em articulação nos termos da lei como a DGPC, que é a entidade responsável no nosso concelho, também para esta matéria, e também, conforme o professor referiu, com auscultação da população, que eu penso que vai perceber aquilo que está em causa”, afirmou.

Mação anunciou descoberta de nova gravura rupestre no vale do Ocreza. Foto: Kenia de Aguiar Ribeiro

Questionado sobre a classificação de interesse municipal pode inviabilizar a visitação ao vale do Ocreza e às gravuras rupestres, Vasco Estrela foi perentório: “Eu acho que há a necessidade de preservar, mas, obviamente, há necessidade também de divulgar. Nós não podemos dizer que temos e depois, quando temos debaixo do tapete… não é isso que deve ser feito. O que eu acho que deve ser feito é uma compatibilização daquilo que é a preservação, que tem de existir, para que os cientistas os entendidos possam vir estudar, mas também podermos saciar a curiosidade das pessoas. Mas acho, como sempre, e como em tudo na vida, bom senso, cautela e respeitar aqueles que sabem mais sobre do que nós relativamente a estas matérias”.

“Ninguém quer proibir as pessoas de usufruírem daquele espaço, mas temos de lhe dar o devido valor. E o devido valor também será dado por estes reconhecimentos formais que a legislação assim determina, porque também acho que não podemos dizer que temos ali algo muito importante, e depois formalmente nada fazermos para reconhecer essa importância”, vincou.

“Portanto, acho que é determinante que a Câmara tenha tomado esta decisão e que este processo se inicie em paralelo com uma auscultação da população, em particular da freguesia de Envendos, da junta de freguesia das associações locais. No fundo, explicando aqueles que são os nossos objetivos com esta classificação. E por outro lado, esta descoberta vem também de uma forma muito clara e muito vincada determinar que Mação é de facto um local muito importante no que diz respeito à arte rupestre. Este é um facto indesmentível, já todos sabíamos. Provavelmente esta descoberta, e outras que se seguirão, vêm de facto vincar esta ideia. Compete agora também à Câmara e ao seu Museu tirar um pouco de partido desta realidade, e percebermos todos em conjunto como é que ainda podemos tirar mais partido para levar o nome do concelho de Mação e promovê-lo a outros patamares, ajudando assim ao nosso desenvolvimento”, indicou o autarca, tendo destacado os vários setores associados.

“Falamos da economia, falamos de turismo, falamos de tudo isso, falamos de posicionar Mação ainda numa maior centralidade no que respeita à arte rupestre, e naquilo que o professor Luíz Oosterbeek faz com as parcerias que tem com diversas universidades estrangeiras, com mestrados e doutoramentos que aqui são ministrados, e que, sabendo de mais esta descoberta, que realmente aqui é o local certo para ser estudada a arte rupestre. E, naturalmente, era bom que em redor desta descoberta e desta riqueza que o concelho de Mação tem, se possa realmente ajudar a alavancar tudo aquilo que foi referido”.

Sara Garcês, arqueóloga, e Luiz Oosterbeek, diretor do Museu de Arte Pré-Histórica de Mação. Foto: mediotejo.net

Foi o diretor do Museu de Arte Pré-Histórica a propor que a Câmara mandatasse o Museu para instruir a abertura do processo de classificação do vale do Ocreza (área compreendida entre a Barragem da Pracana e a foz do rio Ocreza) como imóvel de interesse municipal, visando, em primeiro lugar, uma ampla discussão e participação pública. A aprovação foi elogiada pelo diretor do Museu, tendo referido que a Câmara de Mação “tem sido exemplar na preservação do património”, tendo agora dado mais um passo nesse sentido.

ÁUDIO | LUIZ OOSTERBEEK, DIRETOR MUSEU ARTE PRÉ-HISTÓRICA DE MAÇÃO:

O vale do Ocreza faz parte de um dos maiores complexos rupestres gravados da Europa, o Complexo Rupestre do vale do Tejo, que hoje se encontra quase na sua totalidade submerso pela albufeira da Barragem do Fratel. Dos 3 núcleos que se encontram parcialmente emersos, o núcleo do vale do Ocreza é o único que apresenta uma área delimitada, detém um plano municipal de visitação, desde o ano de 2000, tem sido objeto de investigação arqueológica contínua e conta hoje com um projeto de investigação aprovado pela DGPC para o período de 2022-2026.

Cavalo do Ocreza, a primeira gravura rupestre do paleolítico a ser encontrada no Vale do Ocreza aquando as obras do IP6/A23, e descoberta a 6 de setembro de 2000. Foto: mediotejo.net

A arte rupestre do Vale do Ocreza cobre uma cronologia que vai desde o Paleolítico Superior até à Idade do Bronze, sensivelmente abarcando um espectro cronológico de cerca de 20 mil anos. É o único sítio de todo o complexo rupestre do Tejo que apresenta manifestações artística do período paleolítico com a rocha de uma gravura representando um cavalo e, mais recentemente, com a descoberta em escavação de um novo painel com a representação de um auroque (em 2021). Já no corrente ano de 2023, em contexto de prospeção foi também identificado um novo painel com a gravura de mais um auroque demonstrando assim a riqueza do património arqueológico do concelho de Mação.

Estas novas descobertas “atestam o potencial patrimonial e científico do vale do Ocreza e o pedido de classificação como Imóvel de Interesse Municipal tem como objetivo promover a preservação e valorização deste património único, que tão distintamente caracteriza o concelho de Mação”, indicou Oosterbeek.

“O imóvel em questão, dada a sua relevância arqueológica, constitui um testemunho precioso do passado deste território e já é considerado como parte integrante da identidade local. Acreditamos que a sua classificação como Património de Interesse Municipal, que não exclui níveis mais elevados de classificação no futuro, contribuirá significativamente para a salvaguarda deste legado, permitindo também implementar ações de conservação, revitalização e visitação”, destacou.

“A Câmara, com o Museu, pode conduzir este processo de forma inovadora, promovendo uma ampla discussão pública para recolher contributos da comunidade. Acreditamos que a participação ativa dos cidadãos será valiosa para enriquecer este processo e assegurar que a preservação deste património seja um esforço coletivo”, defendeu Oosterbeek, na apresentação da proposta de classificação que acabou aprovada.

A descoberta que pode revelar um mundo por descobrir

A descoberta da rocha com a gravura rupestre paleolítica no vale do Ocreza foi feita no âmbito de uma campanha de prospeção arqueológica que ali decorre e aconteceu no primeiro dia de trabalhos, indicou a arqueóloga Sara Garcês, tendo destacado que a gravura agora encontrada “mostra-nos que não existe uma única concentração de gravuras paleolíticas na zona da foz do Ocreza, mas que a localização das rochas vai estar ao longo dos quatro quilómetros que, neste momento, estamos a estudar”.

Também Telmo Pereira, arqueólogo que coordena os trabalhos de prospeção com Sara Garcês, disse que, depois da descoberta do ‘cavalo do Ocreza’, em 2000, e do segundo painel, em 2021, “era muito improvável que não aparecessem mais gravuras”, tendo indicado como “quase certo” existir ali “um filão” por explorar.

“Todo aquele vale é um diamante em bruto por explorar e estou absolutamente convencido que um trabalho intenso e dedicado a bater aquele território vai mostrar que o vale é muito rico em arte rupestre e de grande importância e valor, nacional e até peninsular”, afirmou.

A primeira gravura paleolítica encontrada no vale do Ocresa foi um cavalo sem cabeça, no ano 2000, e foi também a primeira encontrada abaixo do Côa e na área do complexo de arte rupestre do Vale do Tejo.

Poucos meses depois, arqueólogos portugueses e internacionais referenciavam mais de 50 gravuras no vale do rio Ocreza de cronologia mais recente.

Essas gravuras originaram visitas turísticas à zona e um trabalho contínuo de investigação por parte dos responsáveis do Museu de Arte Pré-Histórica e do Sagrado do Vale do Tejo em parceria com o Instituto Politécnico de Tomar e o Instituto Terra e Memória.

Hoje, mais de uma centena de gravuras estão identificadas no vale do Ocreza, com diversas tipologias e cronologias, três das quais do Paleolítico Superior: a do ‘cavalo do Ocreza’, descoberta em 2000, a de um painel com vários animais, incluindo um auroque, em 2021, e agora de novo um auroque, em 2023.

A descoberta foi feita uma equipa de arqueólogos coordenada por investigadores do Instituto Politécnico de Tomar e da Universidade Autónoma de Lisboa, em parceria com o Instituto Terra e Memória, Câmara Municipal de Mação, Museu de Arte Pré-Histórica e do Sagrado do Vale do Tejo e Centro de Geociências.

c/LUSA

A experiência de trabalho nas rádios locais despertaram-no para a importância do exercício de um jornalismo de proximidade, qual espírito irrequieto que se apazigua ao dar voz às histórias das gentes, a dar conta dos seus receios e derrotas, mas também das suas alegrias e vitórias. A vida tem outro sentido a ver e a perguntar, a querer saber, ouvir e informar, levando o microfone até ao último habitante da aldeia que resiste.

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