Milhares e milhares de pessoas, a bater os cerca de 4 mil bilhetes vendidos, prestaram solidariedade perante a Associação Ares do Pinhal, IPSS de apoio a toxicodependentes com 30 anos de existência, sediada em Aldeia de Eiras, Mação. A mega tenda montada na entrada sul do concelho estava às 22h00 bem composta, e nem a chuva forte e o frio conseguiram demover o espírito solidário das gentes. Paulo Lopes, vice-presidente da Ares do Pinhal, mostrou-se entusiasmado pelo resultado. Vasco Estrela, autarca maçaense, mostrou-se orgulhoso, nesta noite em que “solidariedade” foi a palavra de ordem. O mediotejo.net assistiu a tudo.
“A carga pronta metida nos contentores / Adeus aos meus amores que me vou / P’ra outro mundo”
Do outro mundo. Uma noite feita de sons acústicos, num concerto com sala bem composta. Tim, vocalista dos Xutos & Pontapés, não precisou esforçar-se muito para puxar pelo público, para que acompanhasse a banda em temas intemporais, clássicos do rock português.
“A vida vai torta / Jamais se endireita / O azar persegue / Enconde-se à espreita; Nunca dei um passo / Que fosse o correcto / Eu nunca fiz nada / Que batesse certo”
E logo o coro entoava, os braços estendidos no ar marcavam o ritmo com balanços sincronizados, as luzes e holofotes tornavam o ambiente mágico.
Telemóveis no ar, filmavam, transmitiam em direto nas redes sociais, ou serviam simplesmente de lanterna – ainda assim, havia quem ignorasse o novo código, e estendesse orgulhosamente o isqueiro no ar.
No pulso, um lenço vermelho. No cartaz, uma cruz preenchida. Na voz, a força da solidariedade.
Sim, solidariedade. A palavra de ordem, segundo o presidente da CM Mação, Vasco Estrela, que disse ao mediotejo.net estar “orgulho e muito satisfeito pela forma positiva como as coisas correram”.

O autarca referiu que foi “um dia de alegria, por percebermos que estamos a ajudar uma instituição com 30 anos de existência no nosso concelho. Uma associação importante, feita por muita gente e por muitas vontades, que já ajudou muitos cidadãos, e isso é motivo de orgulho estar sediada em Mação e aqui ter começado a sua atividade”.
Vasco Estrela frisou ser um momento para “recordar todos aqueles que fizeram a história desta associação, recordar todos aqueles que aqui passaram e que foram ajudados, e mais do que isso, é bom que este dia também possa marcar e servir de ânimo desta associação e da importância que ela também tem no concelho em termos económicos e sociais”.
Um momento importante para o presidente da Câmara, que reconheceu neste concerto uma forma de promoção do concelho “por darmos uma imagem positiva da nossa terra, que sabemos organizar bem as coisas, e mais do que isso, algo que pode ter passado um pouco despercebido, foi o envolvimento de diversas entidades e diversas associações do nosso concelho neste evento, que de uma forma perfeitamente voluntariosa, gratuita e desinteressada, estiveram aqui a colaborar com a Ares do Pinhal e com a CM Mação”, notou.

“E uma vontade de rir, nasce do fundo do ser / E uma vontade de ir, correr o mundo e partir / A vida é sempre a perder”
A rir e sorrir de contentamento, foi assim que nos recebeu o Dr. Rodrigo Coutinho, psiquiatra e um dos fundadores da Ares do Pinhal, que recordou como tudo começou há 30 anos. “Um momento de grande emoção, único e foi muito bom” e “há 30 anos que estávamos à espera disto”, foi assim que Rodrigo Coutinho descreveu a noite de sábado.
Quanto à instituição, “nasceu de uma ideia de quatro psiquiatras que trabalhavam no hospital de Santa Maria, em Lisboa. Na altura tínhamos grande dificuldade a encaminhar e dar um suporte terapêutico aos nossos doentes que iam à consulta no hospital. E portanto, criámos esta comunidade terapêutica em 1986 [em Aldeia de Eiras], e a partir daí fomos criando as três comunidades, a escola psicossocial, o programa de baixo limiar e das unidades móveis onde vão 1200 pessoas todos os dias”, contextualizou o psiquiatra.
Rodrigo Coutinho frisou a existência de “um trabalho em rede, que tenta dar resposta aos vários problemas que os toxicodependentes têm no seu percurso de tratamento”.

“Meu deus como é bom morar / Modesto primeiro andar / A contar vindo do céu”
Do primeiro andar, que é como quem diz do palco, a impressão foi igualmente positiva. Numa atuação gratuita, a banda Xutos & Pontapés, ícone da música portuguesa, trouxe o espetáculo acústico “Se me amas” até Mação. Depois de terem esgotado o Coliseu dos Recreios e terem repetido a dose no final de outubro, os Xutos reproduziram esse trabalho intimista, algo que ficou a condizer com o ambiente que se viveu neste evento solidário.
“Nós vamos fazendo algumas coisas deste género, de solidariedade”, afirmou João Cabeleira, dos Xutos, em declarações ao mediotejo.net. O guitarrista fez notar que este concerto resultou de “um esforço enorme” de Jorge Barata, um dos mais antigos colaboradores da Associação Ares do Pinhal e amigo da banda.
Segundo João Cabeleira este concerto vem fechar um ciclo. “Provavelmente tão cedo não iremos fazer estes acústicos que apresentámos, este DVD que gravámos no ano passado e que agora fizemos os espetáculos no Coliseu e agora mais este”.
O guitarrista mostrou-se agradado com a multidão que recebeu a banda, acreditando que “muitos naturalmente não pensavam que iríamos fazer um espetáculo acústico. Pensariam que vínhamos fazer um concerto elétrico. Acabámos por decidir há relativamente pouco tempo, mas acho que as pessoas aderiram e gostaram na mesma”, acrescentando, entre risos, que “ninguém se foi embora e acho que não saíram defraudados”.
“À minha maneira / À minha maneira / À minha maneira”
À sua maneira, os Xutos aqueceram a noite e colaboraram para que os objetivos deste evento sejam concretizados, para além de verem divulgado o seu trabalho e trazer à discussão pública o tema da toxicodependência, assunto que, segundo o psiquiatra Rodrigo Coutinho, é ainda tabu na sociedade.
Recorde-se que a Associação Ares do Pinhal pretende criar um fundo de apoio aos utentes mais desfavorecidos. A ideia é também poder “fazer algumas obras de remodelação nas instalações, e quem sabe, conseguir construir uma comunidade nova, de raiz, no concelho”, como havia dito Paulo Lopes, vice-presidente da AP, sendo esta última ideia “um sonho” da instituição, uma vez que a casa de Aldeia de Eiras carece de requalificação, por ter uma estrutura que não é favorável para o trabalho da equipa e não dar o conforto necessário aos residentes, comparativamente com a casa de Chão de Lopes, um edifício feito de raiz e com uma estrutura pensada para ser uma comunidade terapêutica.