Foto: João Filipe

No âmbito dos 90 anos de emancipação de Ortiga enquanto freguesia o mediotejo.net convidou a escrever João de Matos Filipe, ortiguense de 71 anos, apaixonado pela terra e investigador-nato sobre a história e memória das gentes. Licenciado em História, João Filipe sintetiza a luta pelo alcance de um objetivo único, vontade comum, e que algumas figuras ilustres vieram sustentar com o seu amor pela terra, erguendo estruturas associativas. A 31 de março de 1928, contrariando vozes da política local, Ortiga elevou-se a freguesia. Fazia-se a vontade do povo.

Nos meses de março e de abril comemora-se o 90º Aniversário da Freguesia de Ortiga, criada pelo Decreto nº 15:324, de 31 de Março de 1928, publicado no Diário do Governo, nº 80, I Série, de 07 de Abril de 1928, após vários anos de obstrução a tal pretensão, por parte de alguns responsáveis políticos da freguesia de Penhascoso e do próprio concelho de Mação .

Tais obstáculos foram ultrapassados, fruto do trabalho colectivo persistente e esclarecido da comunidade Ortiguense, que se revia nas estruturas associativas que de si mesma emanavam e foram chave do sucesso, através da capacidade demonstrada na criação das condições legais – físico estruturais, sócio económicas e políticas – exigidas.

Foi essencialmente sobre este processo e o espírito associativo que o dinamizou e suportou, que se conversou na última sessão do “À Conversa com…”, que decorreu no passado dia 23 de março, no Centro Cultural Elvino Pereira, em Mação.

Comunidade com elevada abertura ao exterior – pelo rio Tejo desde sempre navegável e pelo Caminho de Ferro a partir de 06 de Setembro de 1891 – natural era também a sua adesão a novas ideias e à discussão e participação na gestão pública, algo que, por vezes, se apresentava como incómodo aos detentores do poder local.

Imbuídos de elevado espírito associativo, de discussão e participação no gerir da “coisa pública”, natural que os Ortiguenses se envolvessem, de forma activa, na vida política numa constante atitude de trabalho, visando a melhoria das condições de vida de quantos residiam na povoação de Ortiga.

João de Oliveira Casquilho é apontado como “expoente máximo de amor à sua terra”, tendo sido uma das figuras responsáveis por este feito. Busto de homenagem com inscrição do ano de descerramento. Foto: DR

É assim que surge a Comissão Política Republicana de Ortiga, criada a 06/01/1909, com objectivos políticos em geral mas, muito em particular, visando lutar pela criação da freguesia de Ortiga e pelo progresso dessa terra.

Lutar pela criação da Freguesia de Ortiga implicava, antes de mais, trabalhar-se no sentido do criar das condições legais – físico-estruturais, sócio-económicas e políticas – exigidas, algo que quer as novas condições políticas, quer os interesses administrativos já instalados, em nada ajudavam para que se viessem a concretizar.

Foi esse importante trabalho que veio a ser realizado pela comunidade Ortiguense, inicialmente sob a liderança da Comissão Política Republicana e a partir de 1920, pela Comissão de Melhoramentos de Ortiga, criada por deliberação da Câmara Municipal.

No preâmbulo do Diploma que cria a Freguesia de Ortiga é reconhecida a plena existência dessas condições sem qualquer espécie de dúvida e daí, também o parecer favorável do então Governador Civil.

De entre as largas dezenas de Ortiguenses que trabalharam no sentido de se alcançar aquele desiderato, foi apontado o Dr. João de Oliveira Casquilho como expoente máximo desse amor à Sua Terra.

Cidadão nascido em Ortiga que, de entre os apoios financeiros concedidos, para lá da elevada doação ao projecto do cemitério, consta, em 1923, o integral financiamento da construção da primeira fonte pública, no centro da Ortiga, da exploração e da rede de canalização da água potável desde a Corga das Figueiras, bem junto do Vale Grande, até à referida fonte.

Ortiga. A fonte oferecida à sua terra por João de Oliveira Casquilho. Foto: DR

Respeitado industrial que era em Tomar, não esquecer que se tratava do fundador da fábrica de papel da Matrena, para criação da nova freguesia também a sua influência política junto do Poder Central não terá sido despicienda.

Os resultados de todo esse esforço colectivo são identificados como factores positivos no preâmbulo do Decreto nº 15324, de 31 de Março de 1928, diploma que cria a freguesia de Ortiga.

Nele se reconhece que a povoação de Ortiga possuía, ao tempo, “… um elevado número de habitantes, mais que o necessário para poder ser convertida em freguesia…” ; que dispunha “… dos precisos recursos para se poder administrar com relativa independência, e assim é que entre outros melhoramentos locais tem já um cemitério público, um posto de registo civil e uma estação postal…” e ainda que as informações oficiais emanadas do Governador Civil eram favoráveis a tal pretensão dos habitantes de Ortiga.

 

João de Matos Filipe. Natural de Ortiga. 71 anos. Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sempre manteve ligação à área da investigação, integrado em equipas de trabalho numa primeira fase e mais tarde como investigador independente. É também autor do livro “Cultura e Artes da Pesca Tradicional no Rio Tejo, em Ortiga – Mação”. O autor escreve pela grafia anterior.
Retrato da Freguesia

Freguesia desde 1928, historicamente Ortiga segue o exemplo de todas as freguesias ao seu redor. É uma área rica em espólio de épocas históricas, especialmente a Romana, de onde se destaca a estação arqueológica do Vale do Junco que se pensa tratar-se de um Balneário Romano.

A passagem e fixação nesta região dos Sarracenos concedeu-lhes o direito de apelidar a povoação. Chamaram-lhe Ortigo, uma derivação da palavra grega ‘Ortygus’ – um jogo praticado na antiga Atenas que se praticava abatendo codornizes à mão. Dada a abundância desta espécie na zona, esta passou a ser conhecida como ‘Ortigana’ – que se traduz como ‘terra de codornizes”. A evolução linguística fez o restante, deixando cair a última sílaba.

Orago: Nª Srª das Dores
Localidades: Barragem, Estação e Ortiga
Área: 15,95 Km2
População: 590 habitantes

Especial Mação | Retrato das Freguesias: Ortiga

 

Ordenação heráldica do brasão: 23 de janeiro de 1997

Descrição: Escudo de prata, proa de barco (picareto) vogando sobre um ondeado de azul e prata em contra-chefe e acompanhado de quatro ramos de oliveira de verde, frutados de negro, passados dois a dois em aspa e atados de vermelho; em chefe, flor-de-lis de púrpura. Coroa mural de prata de três torres. Listel branco, com a legenda a negro: “ORTIGA”.

 

c/ Paula Val

Formada em Jornalismo, faz da vida uma compilação de pequenos prazeres, onde não falta a escrita, a leitura, a fotografia, a música. Viciada no verbo Ir, nada supera o gozo de partir à descoberta das terras, das gentes, dos trilhos e da natureza... também por isto continua a crer no jornalismo de proximidade. Já esteve mais longe de forrar as paredes de casa com estantes de livros. Não troca a paz da consciência tranquila e a gargalhada dos seus por nada deste mundo.

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