O concelho de Mação desenvolveu um conceito de ordenamento florestal elogiado em todo o mundo, mas a sua visão para o futuro do meio rural não é replicada em Portugal porque “falta coragem política”, criticou hoje a autarquia.
“Nos últimos dez anos já apresentei este projeto mais de 200 vezes em todo o mundo e já recebemos em Mação cerca de duas dezenas de ministros e secretários de Estado dos sucessivos governos. Foi uma década perdida. Todos elogiam e dizem que este é o caminho, mas o tempo passa e tudo está na mesma”, disse à Lusa o responsável pela proteção civil naquele concelho do distrito de Santarém, mentor de um inovador conceito de reordenamento dos territórios rurais.
Segundo o também vice-presidente da autarquia, “falta coragem política para avançar com o modelo e para testar este projeto-piloto em Mação, que pode ser de interesse nacional”, num investimento na ordem de um milhão de euros, nas contas do responsável, alertando que o que aconteceu nos grandes incêndios de Pedrógão [Grande], na passada semana, “pode acontecer amanhã em Mação”.
A autarquia de Mação procura apoios financeiros para implementar há mais de uma década um conceito de “gestão total” de Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), com novos modelos de gestão do território agrícola e florestal, assente em minifúndio, numa lógica de agregação funcional da exploração das potencialidades produtivas, que permitirá partilhar entre todos o rendimento das áreas mais rentáveis, como o eucalipto, bem como os custos de manutenção das infraestruturas, como os aceiros.
“É a única forma de estruturar e ordenar a floresta, visando a criação de riqueza e a proteção da mesma contra os incêndios florestais”, defendeu António Louro.
A ideia assenta na “agregação de territórios de minifúndio com um mínimo de mil hectares, ganhando escala e estruturando empresarialmente o conceito de gestão do território, com a abertura a fundos de investimento e com solidez jurídica, respeitando a propriedade privada, e definindo racionalmente modelos de utilização agrícola e florestal dos espaços”.
Com cerca de 41.000 hectares de área, 122 lugares e aldeias onde residem cerca de sete mil e quinhentas pessoas, 80.000 pequenas propriedades e 95% de área florestal, Mação viu o seu território ser devastado por incêndios nos últimos 30 anos.
A área ardida somada da extensa mancha florestal do município ultrapassa, desde 1991, “já mais de 120% da área do concelho, um verdadeiro cenário de catástrofe”, segundo António Louro.
O cadastro territorial de Mação identifica mais de 20 mil proprietários de pequenas parcelas de terreno (minifúndio), com 0,7 hectares de dimensão média.
Desta forma, frisou, não há território que resista e que seja sustentável ou possa ser gerador de riqueza, mais a mais quando os seus proprietários emigraram e as terras estão ao abandono.
“Apesar da excelência do sistema de proteção civil existente em Mação, estamos conscientes de que apenas com o reordenamento da paisagem e melhor gestão dos espaços florestais, poderemos vir, um dia, a estar mais tranquilos”, assinalou.
Vasco Estrela, presidente da Câmara de Mação, disse, por sua vez, à Lusa estar “profundamente preocupado” com a “insustentabilidade da coesão territorial nacional” e “com a falta de respostas e soluções por parte dos governantes”, tendo afirmado que vai fazer uma exposição do problema ao Presidente da República, lembrando que as recentes tragédias ocorridas com o incêndio de Pedrógão são “um retrato do abandono” das terras e das aldeias.
“Em Mação, o conceito que desenvolvemos centra-se na humanização do território e no devolver da vida aos territórios rurais de modo a que sejam produtivos e ajudem a fixar pessoas. Por outro lado, as estatísticas dizem que, em 2040, cerca de 80% das pessoas viverá no litoral. Como é que isto é possível sem que haja um sobressalto nacional?”, questionou.
A visão integrada de Mação, que “já foi dada a conhecer a dezenas de ministros e secretários de Estado portugueses”, tem merecido a atenção de entidades internacionais e, inclusive, recebeu prémios como o “Batefuegos de Oro”, em Espanha, além de outras distinções e convites de entidades ligadas ao desenvolvimento rural espanholas, da Universidade de Santiago de Compostela, da Hungria e Sérvia, entre outros.
Para António Louro, “os problemas de Mação e de grande parte do território rural português têm uma raiz funda e, infelizmente, partilhada por muitas regiões, não apenas em Portugal, mas também outras regiões rurais da Europa, e são consequência da saída abrupta, após séculos de permanência, das populações rurais”, observou.
“Temos hoje um coberto florestal denso, contínuo, altamente inflamável, praticamente impenetrável, que cobre quase todo o território do concelho de Mação, uma nova paisagem que existe há poucas décadas e que resulta de grandes alterações socioeconómicas”, apontou, tendo feito notar que “esta nova paisagem é extremamente propícia a incêndios de grande violência e elevada rapidez de propagação”.
Para aquele responsável, “não sendo possível mudar o clima e fazer desaparecer as altas temperaturas, a baixa humidade ou o vento Leste por decreto, resta tentar reequilibrar a paisagem às condições climáticas”.
Apesar de todo o trabalho realizado, o autarca refere que “ele não é, de modo algum, suficiente” para que traga segurança completa.
“Os fogos neste tipo de territórios serão sempre uma enorme preocupação. Estou convicto que, se formos capazes de colocar em funcionamento as ZIF, acompanhadas pelas sociedades de gestão de aldeia, com isso reequilibrarmos a paisagem do mundo rural e o nível de risco e a floresta poderá continuar a ser um motor económico desta região”, afirmou.