Cláudia Cordeiro, de Ortiga (Mação), foi distinguida com o Prémio Cooperação e Solidariedade António Sérgio (CASES), vencendo na categoria de Estudos e Investigação com uma proposta de sensibilização para a economia social na escola pública. A cerimónia de entrega dos prémios decorreu esta sexta-feira, com transmissão em direto AQUI uma homenagem especial a Rogério Cação pelo exemplo de vida e de missão na defesa dos valores de Abril.
Cláudia Cordeiro espera agora que o Ministério da Educação olhe para o seu estudo, perceba a mais-valia de sensibilizar os jovens para a economia social, ou seja, para o voluntariado, e para a importância de ajudar o próximo sem contrapartidas monetárias. A implementação do estudo na escola pública, na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, é a grande esperança da professora.
Talvez deva começar a tentativa de explicar o estudo de Cláudia Cordeiro, que venceu o Prémio António Sérgio, com uma pergunta: Qual o futuro que semeou hoje? Como professora, Cláudia decidiu investir na Educação, ao serviço da paixão que nasceu na adolescência; a economia social. Esse investimento surgiu através da sua tese de mestrado em Gestão de Organizações de Economia Social que iniciou em 2017, quando ainda era coordenadora do CLDS 3G de Mação.

Cláudia Cordeiro considera “impossível” que a escola não dê as mãos à economia social. Defende que não havendo lucro “tem de haver talento, vontade, genuinamente paixão dos miúdos por estes temas e na escola não estão lá”, refere ao nosso jornal.
E interroga: “Estamos à espera que jovens ganhem talento e paixão pela economia social quando? Com uma vida formada e então vão encaixá-la na sua vida?”. É contra essa forma de pensar que luta. “Não temos de esperar que as crianças cresçam” e então encaixar o voluntariado nesses adultos. “Não! Tem de crescer com eles. É importante que percebam que existem maneiras de contribuir”. A idade é entre os 12 e os 15 anos “em que têm tudo à flor da pele. Acho que foi por isso que a tese ganhou” o Prémio António Sérgio, opina.
Inicialmente a ideia de investigação passou pelo “impacto dos Contratos Locais de Desenvolvimento Social no Médio Tejo. Até tinha pensado fazer uma parceria com a CIMT e tentar perceber nos concelhos do Médio Tejo – quase todos tinham tido CLDS 3G – quais os impactos e de que forma tinham mudado” a comunidade, explica Cláudia dando conta do seu gosto pela área de política social. Mas a dúvida persistia não seu espírito de professora.
Graças ao professor Pedro Oliveira, orientador da sua tese no Instituto Politécnico de Santarém, e do projeto de criação de uma incubadora social da UDIPSS, União Distrital das Instituições Particulares de Solidariedade Social, Cláudia chegou ao tema da investigação agora premiada.

“Ao abrirem essa incubadora social as IPSS tinham à sua disposição valências jurídicas, formativas, para os funcionários, para os dirigentes, etc”, e às páginas tantas “lançavam uma pergunta sobre de que forma as escolas públicas podem ajudar as IPSS a concretizar esses objetivos?”, nomeadamente de sustentabilidade.
Perante uma ideia inovadora, na qual confessa não ter pensado até então, avançou no verão de 2019, apesar dos curtos seis meses para agarrar o tema “onde estava tudo por investigar”. Cláudia tinha até fevereiro de 2020 para fechar o estudo.
Intitulado “Inovação e Governança para a Sustentabilidade das Organizações de Economia Social: educação de jovens empreendedores e dirigentes de projetos sociais”, o estudo procurou, então, saber qual o impacto de um projeto de empreendedorismo social numa escola pública, através do caso concreto do Agrupamento de Escolas Verde Horizonte, de Mação.
Traçou os objetivos de contribuir para a formação de jovens alunos portugueses, através da estimulação das suas capacidades, dos seus talentos, aplicando como competência estratégica o empreendedorismo social; sensibilizar a comunidade escolar (alunos e professores) para as valências da economia social; e medir o impacto da implementação do mesmo nas expectativas e aceções destes agentes antes, durante e depois do projeto.
“O objetivo passa por sensibilizar os jovens para a economia social”, simplifica. Considerou que o empreendedorismo social “enquanto oportunidade que é dada às pessoas de pegarem num tema, numa problemática social, e trabalhá-lo seria interessante na disciplina de Cidadania e foi assim que a tese nasceu”, explica, acrescentando que “a grande dificuldade do trabalho foi montar” o projeto.

Este projeto envolveu 5 turmas (duas do 7º ano e três do 8º) na hora destinada à disciplina de Cidadania e Desenvolvimento. A avaliação do impacto da intervenção foi feita através de três questionários e seis entrevistas.
Para Cláudia “a fragilidade da disciplina de Cidadania é trabalhar conceitos” sendo que “tem uma valência muito maior”, afirma a professora. “O empreendedorismo social permite aos miúdos fazerem isso”.
Como primeira tarefa ensinou os alunos sobre o que era, de facto, a economia social. Para tal contou na escola com um convidado, Francisco Correia da Associação Magalhães de Mação, para quem os alunos tiveram de preparar uma entrevista com o objetivo de perceberem o que era uma instituição de solidariedade social sem fins lucrativos.
“Um conceito um bocadinho difícil, apesar de haver muitas; as IPSS, as associações, as fundações, as cooperativas ou as santas casas da misericórdia”.
Outra fase complicada do projeto passou pelo entendimento, dos alunos, do conceito de empreendedorismo social, ou seja, “a inovação. Em termos escolares o trabalho faz-se através de um cartaz ou de um blogue, por exemplo. Mas o empreendedorismo é fazê-los pensar fora da caixa. Olhar para um problema e apresentar uma solução inovadora, não para ganhar dinheiro mas para resolver o problema do outro. Para isto tive três meses”, detalha.
Cada uma das cinco turmas contou com uma iniciativa social. “Todos conseguiram o essencial! Uma das turmas do 7º escolheu o bullying, a outra o aquecimento global. No 8º uma das turmas escolheu a solidão dos idosos, outra escolheu também o aquecimento global mas na vertente da floresta, muito virada para a realidade de Mação, e outra a violência no namoro. Ou seja, todas as turmas conseguiram um tema do currículo da Cidadania mas com uma abordagem completamente diferente”, observa.
Os projetos foram concluídos mas para Cláudia tal conclusão não foi o mais relevante, mas sim a sensibilização. “Percebessem a importância para a sociedade da economia social. Muitas vezes, para estes miúdos, é vista como as festas de verão na sua terra, as IPSS são o lar, e não têm a perceção de que essas organizações existem sem fins lucrativos. Aquele trabalho é para um bem geral e esse sempre foi o meu objetivo principal. Queria provar que é possível que fiquem mais sensibilizados”, vinca dizendo que “o projeto só foi possível porque a Escola Verde Horizonte, e o seu diretor, José António Almeida, acolheu-o de mãos abertas”.
Acrescenta que a Câmara Municipal de Mação também teve parte ativa na concretização das ideias dos alunos “no sentido de facilitar os seus projetos a serem implementados”, nomeadamente no projeto “Correio dos Idosos” no qual os alunos “mandavam cartas a idosos mais isolados do concelho de Mação. Quem conseguiu fazer desse projeto uma ideia válida foi a Câmara que tinha acesso aos idosos mais isolados, que soubessem ler e que poderiam responder às cartas. Essa seleção e esse trabalho foi extremamente importante”.

Em 2020, no ano que chegou a pandemia de covid-19, Cláudia já havia terminado o contrato no CLDS 3G e estava desempregada. Por isso, decidiu prestar trabalho voluntário no Lar de Ortiga enquanto aguardava pelo concurso nacional de professores. Mas foi num concurso de escola que encontrou um “horário pequenino” em Gavião. Calhou ser diretora de turma.
“Não implementei o projeto como implementei na Escola de Mação mas foi uma oportunidade porque estava a trabalhar para aquilo que tinha estudado na minha formação inicial e ao mesmo tempo implementar um bocadinho do projeto, não a 100% porque tinha de cumprir o que estava definido pela escola”.
No entanto, antes do ano letivo terminar, Cláudia Cordeiro apresentou a ideia de empreendedorismo social à escola, no âmbito da autonomia curricular, na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento “não enquanto uma área a explorar como tive de fazer em Mação” mas seguindo outro caminho: “tornar o empreendedorismo social a forma de explorar a cidadania. Não propriamente uma competência a estudar mas uma competência transversal. A maneira como os miúdos podem aderir aos conhecimentos que se quer que adiram na cidadania, pode ser através do empreendedorismo social, porque são mais donos do tema. Se for dado de uma forma muito teórica é mais uma matéria a estudar”.
Embora discordando, Cláudia afirma compreender os pais que recusam que os filhos tenham uma nota na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, situação que há tempos causou grande polémica nacional.
“Se o empreendedorismo social fosse visto como uma forma de aprender cidadania, era diferente porque os alunos não tinham necessariamente acesso a opiniões teóricas sobre temas que realmente são de foro moral e de foro pessoal. Não! Tinham de pensar sobre eles e sobre a forma de os ultrapassar. É um bocadinho esta ‘a minha luta’”, confessa.
É por isso que mantém a esperança que o seu estudo avance tendo “outro suporte”, nomeadamente através do Ministério da Educação mas “para já nada aconteceu”, revela.
A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento é vista pela professora como “a certa” porque “no currículo estão essencialmente problemas sociais. Se olharmos para os temas e para as organizações vemos que existe complementaridade. A prática faz toda a diferença. Acredito nisso!”.
Em Gavião o seu estudo acabou por “sair da gaveta” e ser implementado. Não como competência da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento mas como uma AEC – Atividades Extra Curriculares. “Neste momento sou professora de Empreendedorismo Social como uma AEC do segundo ciclo, 6º ano. Tenho duas turmas, com poucos meninos, só vai quem quer, mas está a ser implementado”, diz com orgulho.
Admite que a ACE “não é propriamente o objetivo que tinha para o empreendedorismo social mas é um caminho. É a realização de um sonho porque a tese saiu cá para fora e está a ser aplicada. Já fizemos coisas muito giras nomeadamente com idosos”, lembra, revelando que em Gavião o estudo está direcionado para a Horta Pedagógica da escola.
“Trocam correspondência com os idosos para saber o que hão de plantar em cada altura do ano. Quando houver mais liberdade, os idosos irão à escola ver a nossa horta”. Entretanto Cláudia foi colocada em Vila de Rei, o que lhe completou o horário escolar e tornou a sua vida mais agitada.

Foi o coordenador do mestrado de Gestão de Organizações de Economia Social da Escola Superior de Gestão e Tecnologia, do Instituto Politécnico de Santarém, o professor Nuno Jorge, quem sugeriu que Cláudia pensasse no prémio António Sérgio. Candidatura que Cláudia entregou apenas em 2021 e ganhou sem esperar.
“É um orgulho! Fiz um esforço enorme para fazer o mestrado, foram dois anos muito exigentes. Este reconhecimento vem aquecer um pouco o meu coração. Nunca esperei ganhar”.
Embora sem ter lido as restantes teses a concurso, acredita que a sua, pela “inovação”, talvez tenha sido diferente. Reconhece que o tema “podia ser bem trabalhado” servindo de veículo para “as escolas contribuírem de forma determinante para que os jovens não cresçam ao lado” da ação social.
“Tenho a sensação que estamos a criar jovens muito preocupados com a teoria, estamos muito preocupados que os alunos tenham os conceitos e a economia social vai passando ao lado. E um dia são adultos. Todos temos a necessidade de ajudar a sociedade através da economia social. Já não conseguimos olhar para Portugal e muito menos para o Médio Tejo sem ver as IPSS. São cruciais para dar vida às localidades, para tomar conta dos idosos, para as pessoas terem onde moer as suas azeitonas. Parece pouco mas é muito e não temos na escola suporte para pegar no talento daqueles meninos”, adverte.
Criado em 2012 pela CASES – Cooperativa António Sérgio para a Economia Social, os Prémios Cooperação e Solidariedade António Sérgio pretendem “homenagear as pessoas singulares e coletivas que, em cada ano, mais se tenham distinguido em domínios relevantes para a economia social”, em seis categorias e ainda um Prémio de Honra.
Cláudia, desde sempre muito ligada ao associativismo inclusivamente na sua terra, Ortiga, sente que “há cada vez menos voluntários e pessoas que genuinamente queiram e aceitem”. Tal fenómeno deve-se à delegação do Estado de “cada vez mais deveres às várias organizações de economia social e em termos de direitos não há alinhamento. Aquilo que é exigido hoje em dia a uma IPSS é muito tendo em conta a comparticipação do Estado”, opina.
Nota o envelhecimento do seu concelho, Mação, bem como a região do Médio Tejo e do País, portanto considera essencial “mais mãos para dar a estas pessoas que estão a envelhecer. Cada vez precisamos mais de IPSS e de santas casas. O Estado não consegue sozinho resolver este problema. Então temos de assumir que são importantes, ou seja, equilibrar os direitos e os deveres”, defende.
Olhando para os jovens da atualidade sabe que veem uma sociedade mais envelhecida, mas acredita que “com outros meios e se tiverem outra perceção da forma como o problema pode ser ultrapassado poderão ter uma reação diferente no futuro”. Recorda que na sua juventude o rancho folclórico que integrava e a Liga Regional de Melhoramentos de Ortiga “puxava” Cláudia para a sua terra apesar de estar fora, a estudar em Aveiro. E não ficou pelo litoral regressando após os estudos.
Com a pandemia de covid-19 “nem isso temos, é uma geração muito mais independente do contacto humano. Logo tem mais dificuldade em estabelecer laços afetivos àquilo que é a sociedade em si, e acaba por ser mais alienada com os problemas que tem e com que se depara. Não se está a tornar nada fácil cativar os jovens a gostarem do interior, ainda mais depois desta pandemia”.
Para Cláudia a pandemia veio cortar os poucos laços que ainda resistiam. “Há dois anos fazia-se uma festa de verão, um baile, um almoço num lar, os filhos iam com os pais, ainda se faziam desfiles de carnaval… havia algumas oportunidades de vivência social em que eles, mais ou menos, iam estando naqueles momentos. Agora nem isso. Dois anos sem este tipo de eventos acho que vai ter consequências nos miúdos”. Por isso, entende que “todos os esforços, por pequenos que sejam, poderão ajudar ou pelo menos deixar a semente”.
Cláudia Cordeiro é professora de português/inglês na Escola Básica e Secundária de Gavião, licenciada pela Universidade de Aveiro, mestre em Gestão de Organizações de Economia Social pelo Instituto Politécnico de Santarém e foi coordenadora técnica do CLDS 3G de Mação.
*Notícia publicada em janeiro de 2022, republicada a 04 de fevereiro de 2022
É com agrado que vejo uma jovem não só com preocupações sociais, mas também com uma actividade séria nessa área. E tem razão: não é só o nosso trabalho, mas é muito importante ensinar aos miúdos a solidariedade social, para que cresçam umas pessoas que cuidem também dos outros. Parabéns Cláudia.