“A rocha que temos no fundo do Vale do Ocreza são xistos, que é um tipo de rocha extremamente fácil de gravar e que nos mostra uma conservação bastante boa das gravuras que aí temos”, disse à Lusa Sara Garcês, investigadora e arqueóloga do Instituto Politécnico de Tomar e Instituto Terra e Memória em Mação, tendo referido que a gravura encontrada é a “representação da parte traseira do que parece ser um bovídeo, ou seja, um auroque pré-histórico”.
A descoberta da rocha com a gravura rupestre com mais de 20 mil anos foi realizada por uma equipa de arqueólogos, no âmbito de uma campanha de prospeção que ali decorre, tendo sido encontrada dois quilómetros a montante das duas primeiras gravuras, descobertas em 2000 e em 2021 num vale escarpado, com cerca de quatro quilómetros (km), entre a barragem da Pracana e a foz do Rio Ocreza.
“Facilmente identificámos que a forma que este animal nos sugere remete-nos a um período muito antigo, a uma arte paleolítica, que vem cimentar a certeza que cada vez mais temos que o Vale do Ocreza efetivamente tem um potencial enorme em relação à arqueologia e a novas descobertas de arte paleolítica nesta região”, notou a responsável, tendo dado conta que “toda a equipa já estava com uma expectativa bastante alta depois da descoberta do painel na escavação de 2021” naquele local.




“Sabíamos que a possibilidade de descobrirmos mais rochas era bastante mais elevada”, notou, tendo destacado o facto da gravura agora encontrada estar a cerca de dois km de distância da rocha do cavalo do Ocreza, a primeira gravura paleolítica ali descoberta.
“Ou seja, mostra-nos que não existe uma única concentração de gravuras paleolíticas na zona da Foz do Ocreza, mas que a localização das rochas vai estar ao longo dos quatro km que neste momento estamos a estudar, que é o território entre a barragem da Pracana e a Foz do Rio Ocreza”, junto ao Tejo.

ÁUDIO | SARA GARCÊS, INVESTIGADORA E ARQUEÓLOGA:
Telmo Pereira, arqueólogo que coordena os trabalhos de prospeção com Sara Garcês, disse, por sua vez, que, “depois da descoberta do ‘cavalo do Ocreza’, em 2000, e do painel, em 2021, “era muito improvável que não aparecessem mais gravuras”, tendo indicado como “quase certo” existir ali “um filão” por explorar.

“Todo aquele vale é um diamante em bruto por explorar e estou absolutamente convencido que um trabalho intenso e dedicado a bater aquele território vai mostrar que o vale é muito rico em arte rupestre e de grande importância e valor nacional e até peninsular”, afirmou, tendo indicado que ali estará “um dos grande núcleos de arte rupestre da Península Ibérica”.
ÁUDIO | TELMO PEREIRA, PROFESSOR E INVESTIGADOR DE ARTE PRÉ-HISTÓRICA:
Para Luiz Oosterbeek, diretor científico do Museu de Arte Pré-Histórica e do Sagrado do Vale do Tejo, a descoberta desta terceira gravura, a uma distância significativa das duas primeiras, vem colocar novas perguntas e abrir novos caminhos de prospeção e investigação.
“O encontrar mais gravuras não é em si uma coisa que fosse especialmente surpreendente, sobretudo, depois de se ter encontrado o painel em 2021. Agora, ser tão mais para montante no vale, isso é importante, porque não se pode dizer que seja o mesmo núcleo, e estamos a falar já de uma realidade diferente do que poderia ser um apontamento pontual”, indicou.
Para Oosterbeek, a descoberta “é uma confirmação de que a aposta feita há 20 anos, de focar o museu em torno da arte pré-histórica, tinha sentido”, tendo indicado que, “agora, os investigadores e arqueólogos que estão no terreno “irão olhar com uma atenção redobrada para o que possam ser acampamentos do Paleolítico neste período”.





“Esta descoberta vem colocar um conjunto de hipóteses sobre a importância das ocupações de caçadores nesta região há cerca de 20.000 anos, que é nova. Não é apenas uma confirmação do que já se conhecia, porque alarga o território, indicou Luiz Oosterbeek.
“Faz-nos supor que este território pode de facto ser maior do que se imaginava, menos localizado, e possivelmente envolvendo o conjunto Vale do Tejo com o resto do complexo de arte rupestre Vale do Tejo. E isto do ponto de vista do património, é importantíssimo. Do ponto de vista científico, obviamente, mas do ponto de vista patrimonial também”, notou.

ÁUDIO | LUIZ OOSTERBEEK, DIRETOR MUSEU DE ARTE PRÉ-HISTÓRICA DE MAÇÃO:
No seguimento desta descoberta, a Câmara Municipal decidiu, em reunião de executivo, “classificar aquela zona como zona de interesse municipal”, disse à Lusa o presidente da Câmara de Mação.
“Está a ser feita em articulação nos termos da lei com a DGPC, que é a entidade responsável no nosso concelho, também para esta matéria, e também com auscultação da população, que eu penso que vai perceber aquilo que está em causa”, indicou Vasco Estrela (PSD).

ÁUDIO | VASCO ESTRELA, PRESIDENTE CM MAÇÃO:
A primeira gravura paleolítica encontrada no vale do Ocreza, em Mação, deu-se em 2000 com a descoberta de uma gravura rupestre paleolítica com mais de 20 mil anos numa das margens do rio Ocreza, – um cavalo sem cabeça -, a primeira encontrada abaixo do Côa e na área do complexo de arte rupestre do Vale do Tejo.
Poucos meses depois da descoberta do ‘cavalo do Ocreza’, arqueólogos portugueses e internacionais referenciavam mais de 50 gravuras no vale do rio Ocreza (afluente do Tejo) de cronologia mais recente, tendo as mesmas originado uma dinâmica turística, através de visitas guiadas, e um trabalho continuado de investigação por parte dos responsáveis do Museu de Arte Pré-Histórica e do Sagrado do Vale do Tejo em parceria com o Instituto Politécnico de Tomar e Instituto Terra e Memória.
Hoje, mais de uma centena de gravuras estão identificadas no vale do Ocreza, com diversas tipologias e cronologias, três das quais do Paleolítico Superior: a do ‘cavalo do Ocreza, descoberta em 2000, a de um painel com vários animais, incluindo um auroque, em 2021, e agora de novo um auroque, em 2023.

A descoberta decorre no seguimento de um trabalho de prospeção em curso, sendo realizado por uma equipa de arqueólogos coordenada por investigadores do Instituto Politécnico de Tomar e da Universidade Autónoma de Lisboa, em parceria com o Instituto Terra e Memória, Câmara Municipal de Mação, Museu de Arte Pré-Histórica e do Sagrado do Vale do Tejo e Centro de Geociências.
C/LUSA