“David contra Golias: Uma luta todos os dias no concelho de Mação” foi o título da apresentação e reflexão de António Louro, vice-presidente da CM Mação, que trouxe dezenas de maçaenses para participar numa conversa sobre a importância da defesa da floresta e as medidas de prevenção e combate aos incêndios florestais. Um tema muito caro a Mação, que passados 25 anos, mais de 520 incêndios contados, e em 9 grandes incêndios ficou com total de 46.331 hectares de floresta ardida. A ação decorreu no início do ano e foi como que premonitória, tendo Mação visto cerca de 80% do seu território ser destruído pelas chamas poucos meses depois.
O vereador, que é também presidente da Aflomação – Associação de Produtores Florestais de Mação e presidente do Fórum Florestal, a mais representativa estrutura federativa da floresta portuguesa engenheiro florestal António Louro, reconheceu que o título dado à apresentação revela o seu sentimento ao “lutar nestas questões da floresta”.
“Sinto que estamos a lutar contra um inimigo tremendamente forte, tremendamente grande… que são as forças da natureza em descontrolo, representadas nos incêndios florestais de grande dimensão”, assumiu.
O vereador foi mais longe nesta analogia, referindo sentir-se como David “numa câmara municipal pequena, com poucos recursos, com pouca capacidade de efetivamente alterar o status quo e a forma como o resto do país funciona, e portanto, com muito pouca força e com muito pouca capacidade para lutar contra um demónio desta dimensão”.
António Louro explicou ainda, que no seu entendimento, Mação só terá sucesso neste combate “se tivermos também aquilo que salvou David: é que não é pela força que nós vamos ganhar este combate, é pela inteligência”, fazendo notar que “Não vamos conseguir dominar os grandes fogos florestais pela força (…) Se formos inteligentes, a utilizar os recursos e a utilizar os meios que temos talvez seja possível, assim como David venceu, nós termos sucesso e vencer”.
Recordando que, em 2003, Mação tinha condições de combate de excelência comparativamente a outros municípios do país, o vereador frisou que esse ano veio provar que o trabalho feito até à altura “não chega”, lembrando que em três incêndios nesse ano “perdemos metade da área do concelho, 22 mil hectares”.
“Nós esquecemos o fogo muito rapidamente, tudo fica verde, os pinheiros começam a crescer, plantam-se mais uns eucaliptos, vêem-se as árvores a começar a ganhar vida e rapidamente as pessoas esquecem todas o problema”, salientou.
Socorrendo-se de um mapa do concelho, elaborado por si em 2003, o vereador da CM Mação disse ter-se espantado. “Até eu que sou de cá fiquei espantado (…) esta é a incidência dos fogos florestais do concelho de Mação, nos últimos 25 anos. Já ardeu tudo. Só sobra o Carvoeiro, que ainda nunca ardeu pela primeira vez. Mas mais grave do que isso, é que se repararem, esta mancha castanha já se sobrepôs à verde (…) Muitas zonas do concelho já arderam duas, e muitas outras, três vezes. Nos últimos 30 anos, a cada 10/15 anos, volta a ser percorrido pelo fogo”, explicou.
Hoje, o concelho de Mação não está livre de ameaças, e segundo António Louro a probabilidade de acontecer mais um desastre na mancha florestal maçaense no próximo verão é elevada.
“Não podemos esquecer o recado que estas manchas nos estão a dar, porque significa que se arder uma vez é muito provável que arda a segunda, ou que venha a arder a terceira”, fez notar.
A zona de Mação e os concelhos vizinhos do Pinhal Interior Sul (sub-região à qual pertenceu Mação até 2010), que inclui Vila de Rei, Sertã, Oleiros, Proença-a-Nova, é assaltada pelo fogo de forma recorrente, algo que António Louro considera que “provavelmente este é um dos sítios no mundo onde se estão a verificar maiores incêndios de grande dimensão e com maior recorrência. E, para quem não sabe, aquele sítio foi também durante os últimos 25 anos a maior mancha contínua de pinheiro bravo da Europa”.
António Louro admite, veemente, que quando se começa a discutir o tema “fogos florestais, “cada um inventa a sua desculpa”, e que para alguns a resolução é fácil. “É só apanharmos os incendiários todos e pô-los na cadeia, outros dizem que é só pôr os bombeiros a fazer aquilo que não fazem, que é apagar os fogos…”. Provavelmente todos terão um bocadinho de razão, mas em Mação as coisas têm sido vistas com outros olhos…

A conversa em Mação é “ligeiramente diferente”
O sistema de combate “não é tão eficaz, quanto nós gostaríamos, e sabemos de certeza, ainda aí gente a pôr fogo, mas aquilo que está a arder é uma paisagem que não existia no passado”, explicou António Louro, fazendo um olhar sobre o território florestal envolvente.
“O Pinhal Interior Sul perdeu 30% da população desde 1991. Nas últimas quatro décadas esta região perdeu 200 mil habitantes, e não são habitantes quaisquer. São agricultores, pessoas que tinham cabras, uma mula, que faziam searas de centeio, e eles desapareceram e com eles desapareceram essas atividades, e o desaparecimento deles deu origem a uma paisagem completamente nova”, afirmou.
O problema reside na transformação socioeconómica do país, em especial do seu Interior, e como o caso específico aqui tratado, o novo quadro da sociedade de Mação. “O drama é que quanto mais população perdemos, quanto menos área agrícola fazemos, quanto menos cabras existem a pastar, mais rapidamente essa paisagem se descontrolou e deu origem a cada vez mais fogos, cada vez mais área ardida, cada vez a fogos mais rápidos e mais perigosos de ser combatidos. Isto não é uma conversa muito agradável de ouvir, era preferível estarmos aqui, de forma muito direta, a dizer que a culpa é toda dos incendiários…”.
Mas talvez não seja bem assim. “Eu acho que não. A culpa é nossa enquanto sociedade, que deixámos colapsar o modelo que aqui existia de gestão do território e paisagem, deixou de ser rentável, os filhos foram embora, arranjaram empregos melhores e mais bem remunerados, nós não fizemos partilhas, deixámos as coisas para trás, deixámos as decisões por tomar, e aquilo que temos hoje são as consequências de um território que, por falta de gestão e por falta de haver intervenção a retirar o excesso de combustível, quando as coisas correm mal, arde de uma forma dramática e intensa”, concluiu.
“E agora? Como é que isto se inverte? Não é fácil”
“Vêm aí anos perigosos para o concelho de Mação”, revelou o vereador, preocupado, pois a carga combustível que se encontra na paisagem é elevada, ao tentar aceder a algumas áreas ardidas em 2003 existe dificuldade nesse acesso, porque “os pinheiros alcançam 7 a 8 metros de altura, na gíria dos bombeiros, diz-se que no dia do fogo, a altura da chama vai ser três vezes superior à altura do combustível. Ora se temos pinheiros de 8 metros de altura, todos encostados uns aos outros, vai fazer chama de 21 metros? E o bombeiro fica naquela estradão, que tem quatro metros de largura, à espera do fogo? Não vai. Não pode lá estar”.
O ideal é voltar à paisagem dos anos 70, voltar a ter condições para ter floresta sem grandes incêndios, porém há um fator que não ajuda. “O clima não ajuda, com verões muito quentes, muito secos e com alguns períodos que têm um alto risco de incêndio”.
Em 2003, foi criada a AFLOMAÇÃO, uma associação dos proprietários florestais, uma entidade com 10 postos de trabalho, que segundo António Louro, “tem vindo a apresentar um serviço muito importante para o concelho”.
“O município envolveu-se, e melhorou ainda mais as infraestruturas, criando uma rede de caminhos florestais que a CMM mantém, com mais de 2200 km, e a rede de faixas que construímos em 2004 e que temos tido sérias dificuldades em manter. Percebeu-se a importância de ter grandes pontos de água onde os helicópteros atestem, construímos a lagoa do Bando, que nos ajuda nesse aspeto por se localizar exatamente no centro do concelho”, enumerou.
Também foi implementado um Sistema municipal de vigilância e 1ª intervenção, rede de comunicação municipal via rádio, motobombas/Brigadas de autoproteção (80 equipamentos distribuídos pelas freguesias), e existe uma bulldozer sempre pronta a sair nas alturas críticas com GPS e rádio.
Os dados recolhidos recentemente pela Aflomação geram grande preocupação para o vice-presidente da CM Mação, uma vez que 75% (cerca de 25 mil pessoas) dos proprietários de área florestal estão ausentes, não residem em Mação. Sendo que Mação deverá ter neste momento 7 mil habitantes residentes. Nesta medida, ferramentas como as ZIFs e a Sociedade de Gestão Florestal tornaram-se imperativas. A população está envelhecida, e as partilhas de terrenos são feitas cada vez mais tardiamente, o que leva a que a propriedade fique ao abandono, sem gestão eficaz. Em Mação “herda-se, em média, as propriedades aos cerca de 60 anos, e nota-se desleixo quanto ao prédio que herdaram”, confirmou António Louro.
Segundo o orador, 100 milhões de euros são gastos para o combate em incêndios em Portugal. O objetivo deve passar por criar um sistema de gestão florestal sustentável, e a mudança, dentro das várias soluções possíveis que podem ser integradas e compartilhadas, depende da vontade política, do governo e das autarquias, e dos próprios proprietários. Tem que haver planeamento cuidado.
“A gestão é fundamental, e para isto é preciso dinheiro. E a floresta é um setor como todos os outros, precisa de aportes de trabalho, aportes de investimento ao longo do tempo, porque senão não vamos ter sucesso”.
António Louro referiu uma candidatura feita pela autarquia há 3 anos a um projeto comunitário para aplicação de fundos na manutenção das limpezas e infraestruturas que têm sido criadas e ainda não houve resposta, temendo até, que a candidatura seja rejeitada.
“Dispomos hoje de meios que não existiam no passado e que se prevê que não venham a existir no futuro. Cumpre-nos a responsabilidade de reconstruir o que herdámos”
O Orçamento da Câmara Municipal de Mação para 2017 contempla apoiar a efetivação das ZIF, tendo sido aprovada a isenção de IMI em reunião de executivo e assembleia municipal, de acordo com a legislação que em breve entrará em vigor.
A sessão decorreu no CC Elvino Pereira, e atraiu algumas dezenas de participantes, gerando até alguns momentos de debate, pela pertinência do tema, que assiste a Mação e que, pelos vistos, continuará a ser uma luta desigual enquanto David não conseguir, através de soluções inteligentes e eficazes, derrotar o Golias.
*Artigo publicado em fevereiro de 2017