O minderico, língua ameaçada de Minde, no concelho de Alcanena, foi inserido no Registo da Memória do Mundo da UNESCO, disse hoje à Lusa a presidente do Centro Interdisciplinar de Documentação Linguística e Social (CIDLeS).
Vera Ferreira afirmou que a inscrição decorreu no passado dia 09, no âmbito da integração de 64 “coleções” de material linguístico na Memória do Mundo da UNESCO, que provêm de projetos financiados pela Fundação Volkswagen, como foi o caso do minderico, tendo o pedido de registo sido efetuado pelo The Language Archive, na Holanda.
O projeto desenvolvido com financiamento da Fundação Volkswagen entre 2009 e 2011 permitiu documentar o minderico como uma língua com vocabulário e estrutura gramatical diferente do português – onde tem a sua base, com influências de moçárabe, espanhol e português antigo. Em maio de 2011, o minderico foi reconhecido internacionalmente como uma língua individual autónoma e viva, disse.
Vera Ferreira, que, entretanto, criou, com investigadores de várias áreas, o CIDLeS, com sede em Minde, iniciou em 2012, com Rita Pedro, um trabalho nas escolas para a revitalização do minderico.
O trabalho realizado permitiu demonstrar que o que se pensa ter sido inicialmente um socioleto (variante de língua surgido num grupo socioprofissional, no caso entre cardadores e comerciantes das mantas de Minde), com os primeiros registos a datarem do século XVII, evoluiu para uma língua, que é atualmente uma das cerca de 3.000 em risco de desaparecerem no mundo.
Para garantir a continuidade do projeto de revitalização, Vera Ferreira lançou no passado dia 13 de agosto uma campanha de ‘crowdfunding’ (angariação de fundos na Internet) que terminou na quinta-feira sem conseguir alcançar o objetivo de reunir os 12.000 euros a que se propunha.
A linguista disse, contudo, à Lusa acreditar poder ainda conseguir reunir a verba necessária para garantir uma aula semanal a cada um dos quatro anos do primeiro ciclo da escola de Minde, elaborar o manual de apoio para os quatro anos e dar formação aos professores que integram a língua na expressão dramática (sobre a estrutura gramatical mas também do ponto de vista pedagógico).
Vera Ferreira adiantou que a presidente da Câmara Municipal de Alcanena, Fernanda Asseiceira, está a estudar a forma de o município poder contribuir com uma verba de 5.000 euros e que as 25 pessoas que doaram 1.645 euros na plataforma Hubbub, na campanha que decorreu entre 13 de agosto e 15 de outubro, aceitaram manter o seu apoio, havendo ainda um patrocinador particular da Alemanha pronto a dar 2.400 euros.
A empresa de ilustração Princess Pea, que tem sede em Minde, havia já anunciado a colaboração do escritor, ilustrador e realizador de filmes de animação Afonso Cruz, que vai criar um livro bilíngue para crianças para fomentar a escrita e a leitura em minderico, que era outro dos objetivos da campanha.
Vera Ferreira disse esperar ainda conseguir chegar ao teto dos 12.000 euros que tinha colocado para a campanha e que visa alargar o projeto à comunidade, com a realização de dois ‘workshops’ por cada período letivo, sobretudo para os encarregados de educação dos alunos inscritos, e a elaboração de um livro de receitas locais em minderico.
A campanha que decorreu no Hubbub contou com donativos de 25 pessoas, 11 das quais estrangeiras e duas de nacionalidade desconhecida, salientou.