Arnaldo Dias, 56 anos, faz parte de uma das seis brigadas dos Serviços Municipalizados de Abrantes que percorrem todas as semanas quilómetros, faça frio ou calor, sol ou chuva, para garantir que o lixo – que agora produzimos a dobrar ou triplicar em tempo de confinamento – segue o seu caminho, depois de esvaziado o contentor. É um dos “heróis sem máscara” que decidimos retratar, homenageando todos aqueles que, sem super-poderes, garantem com o seu trabalho alguma normalidade às nossas vidas nestes dias de pandemia.
Natural de Alferrarede, Arnaldo Dias trabalha na recolha de resíduos sólidos urbanos em Abrantes e, apesar dos tempos serem diferentes e admitir ter natural receio deste vírus, encara cada turno com serenidade: “O trabalho tem que ser feito.”
Há 12 anos que passa horas no camião do lixo, fazendo as rotas definidas para o concelho de Abrantes, que vão rodando pelas equipas. “Há seis camiões do lixo nas rondas. Agora faço a volta de São Miguel [do Rio Torto], vai para os lados da Bemposta, Vale das Mós… Essa é a que estou a fazer. Mas há também a do Tramagal ou de Abrantes”, explica.
Falamos antes de se ir deitar, pois esta semana o turno arranca às 5 da manhã, cumprindo com as alterações de horário impostas em tempo de pandemia. “Esta semana estou a trabalhar das 5h às 11h30. Para a semana já vou entrar no domingo, às 21h00, e trabalho até às 3 da manhã”, diz, no tom despreocupado de quem está habituado ao trabalho por turnos.
“Para fazer as voltas, por causa da pandemia de covid-19, saem três camiões às 5 da manhã, e outros três às 21h00. Depois na semana seguinte trocamos.” Trabalho complicado, mas mais difícil é conseguir regular o descanso no meio de tantas trocas.
Os cuidados diários passam pela desinfeção “com álcool gel, que vem sempre no camião”, e uso da máscara. E redobram-se os cuidados ao tirar a farda, ao chegar ao estaleiro dos SMA, para depois seguir para casa, e fazer a desinfeção e higiene.
Para Arnaldo Dias o dia-a-dia dos “homens do lixo” é normal. O trabalho “tem que se fazer” e é a única coisa que lhe interessa: cumprir com o dever e o serviço à comunidade.
Ainda assim, reconhece que se produz agora “mais lixo”. Isso deve-se ao facto de as famílias estarem em casa, muitos em teletrabalho e com os filhos sem escola, e ao produzir mais lixo, acabam também ir mais vezes ao contentor.
Daquilo que tem visto, resíduos como máscaras e luvas descartáveis não têm sido atirados para o contentor de qualquer forma, e Arnaldo crê que “está controlado” e que a maioria das pessoas tem consciência.
E logo se lembra do boato que começou a circular nas redes sociais, em que se dizia que os funcionários da recolha de lixo alertavam para deixar a tampa dos contentores aberta, para evitarem o contacto e eventual transmissão do novo coronavírus. “Isso é mentira”, afirma, lembrando que “o pessoal do lixo tem de manter os contentores fechados, e todas as pessoas também”.
Se os contentores têm tampa devem ser fechados, mantendo os resíduos isolados enquanto não chega a recolha, evitando que os resíduos sejam espalhados e que atraiam animais, e até a propagação de outras pragas que possam pôr em causa a saúde pública.
Mas uma coisa está de facto diferente. Arnaldo Dias diz que o movimento nas ruas é praticamente nulo. “Vê-se muito pouca gente… Muito pouca gente. Das 21h00 às 3h00 encontramos um ou dois carros na volta completa. Há tempos vimos apenas um carro a deslocar-se… e era da GNR!”
Já quanto a esta situação de pandemia de covid-19 é algo “grave e que preocupa, mas vamos andando”, diz. A vida continua. Quanto à sua profissão, uma das que são consideradas imprescindíveis para a sociedade em Estado de Emergência nacional, Arnaldo repete quase automaticamente que “é o trabalho que tem de ser feito todos os dias”. Faça chuva ou faça sol, frio ou calor, e aconteça o que acontecer, alguém tem que o fazer. E, apesar de tudo, acredita que as pessoas o valorizam e respeitam.
“Nota-se que, na maioria, as pessoas esforçam-se para deixar tudo como deve ser”, ou seja, colocar os sacos do lixo devidamente atados no contentor, fechando a tampa após o depositar, estando assim a proteger os funcionários da recolha, impedindo o contacto destes com os resíduos despejados.
Para já, Arnaldo Dias diz que faz a “vida normal” e que em casa também se vão “gerindo as coisas”, aproveitando a hora de almoço para as idas ao supermercado, porque acredita serem horas “mais tranquilas e com menos movimento”.
“Tentamos vir o mas rápido possível para casa, para não andar muito na rua”, diz, certo de que há regras a cumprir, e que a batalha para travar a pandemia de covid-19 a todos diz respeito.
Seguem-se algumas horas de descanso, até chegar a madrugada, quando volta a envergar a farda, a roçar as 4h30 da manhã, para ir para o trabalho. Vai cumprir com a sua missão, que passa por servir-nos a todos nós.