Sabe-se que algo tem tudo para correr bem quando, em palco, se junta uma tradicional taberna chamada Tasca Gado, um cão de loiça munido de óculos de sol, um maestro cheio de pompa e circunstância que pensa que consegue conduzir uma banda heterogénea onde cada um diz de sua justiça, um fadista com jeito para o entretenimento (e que gosta de uma boa pinga) e uma artista de renome regional, com estilo de boneca e a quem é preciso dar à corda.
Não ficou convencido? Então imagine um touro, a saltar tresloucado, por entre as filas do Cineteatro S. Pedro, em Abrantes, correndo atrás da donzela trajada de vermelho. E como se não bastasse… até a Maria Real deu o ar de sua graça, trazendo além dos seus passos de dança esquizofrénicos, o seu fiel Dj que puxava pelo público.

A história, praticamente feita de improviso, é adaptação da obra do comediante, autor e produtor de cinema alemão Karl Valentim.
Tudo começa com o início de uma noite que prometia ser de animação na taberna do casal de proprietários. Contratada a banda e o afamado maestro, os clientes começam a desesperar, picando pedaços de presunto e pão, e bebericando vinho.
Mas tudo começa mal: os holofotes estão apagados, o maestro é eletrocutado a tentar ligá-los, depois os restantes músicos nunca mais chegam, entretanto chega a hora da bucha… e o tempo vai passando.
Consequentemente, o casal da Tasca decide convencer o fadista que já fazia umas serenatas antigamente à mulher do taberneiro Vitoriano, e eis que…
“Se gostas de animais, cães de loiça,
Que não sujem os quintais, cães de loiça,
São “bobbies” bestiais, cães de loiça,
São cãezinhos esmaltados, de olhos esbugalhados e
Nada saltitões
Nunca se vão babar, nem ganir, nem ladrar, nem ferrar
Os ladrões…”

Entoam-se fadinhos, como o êxito de Rouxinol Faduncho, e a tasca arriba de tanta animação.
A banda regressa, e eis que os instrumentos ficaram trancados no armazém por descuido do distraído Zé Manso.
Por entre descuidos e entra e sai, eis que surge o momento de a banda tocar. Tarefa difícil num grupo descoordenado e que não avança na pauta.
O casal de taberneiros fica aflito com o prejuízo da banda, respirando de alívio com a boneca que entoa ópera enquanto a corda lhe permite. Mas as coisas teimam em não correr bem, e durante um Paso Doble guiado pelo maestro, eis que surge um touro desvairado que corre atrás da rapariga vestida de vermelho, e de tanto correr, acaba a atropelar o pobre do maestro, instalando-se o caos na tasca.

De tantas voltas e reviravoltas, a banda e o maestro são dispensados, e depois de mais uns minutos de fama do fadista Tozé, aparece a vedeta Maria Real, acompanhada do seu Dj, com a sua peruca loira e farta. Por entre saltos desordenados, abanicos e safanões, Maria Real devolve animação ao espaço.
Os homens da taberna entusiasmam-se e há lugar para um ou dois pézinhos de dança.
Animação não faltou, até que se acabou o espetáculo. E é disto mesmo que é feita a peça ‘Desconcerto’, do GETAS – Associação Cultural de Sardoal.
Animação e muito improviso, segundo disse Cristina Curado, presidente da associação, uma das personagens e responsável pela encenação juntamente com Diamantino Costa e Paulo Costa.
Segundo Cristina Curado esta foi uma adaptação que deu algum trabalho, visto que foi necessário ajustar aos membros do grupo de teatro. “Isto não é o texto original, peguei no texto e trabalhei-o à nossa maneira de acordo com as pessoas que temos. Depois tivemos de tentar enquadrar as pessoas nas várias personagens”, disse.
Segundo a atriz e encenadora, este trabalho reveste-se de “muita criatividade própria, muitas coisas que se passam ali e em termos de falas acontecem de muito improviso também, não há um seguimento religioso do texto”.
Cristina Curado assume que houve liberdade para cada um criar a sua personagem, o que acaba por se tornar numa “animação e um prazer enormes, porque misturamos teatro com fado”, retratando muito daquilo que é a cultura e a tradição portuguesa.
‘Desconcerto’ já esgotou por duas vezes o Centro Cultural Gil Vicente, em Sardoal, mas “as pessoas continuam a pedir para repetir”.
Depois de Abrantes, o GETAS vai estar em Águas Belas, Ferreira do Zêzere, dia 26 de novembro, para levar uma vez mais a peça a palco. Segundo a presidente do GETAS ainda existem alguns convites “mas que ainda não estão completamente formalizados”.
‘Desconcerto’ é uma peça que começou “pequenina, para as Quartas-feiras de agosto, as festas que fazemos numa praça no Sardoal (…) depois, vinham as festas do concelho de seguida, e como não tínhamos tempo de programar outro espetáculo, decidimos renovar este. E saiu isto que aqui está”, concluiu, entre risos.
Por falar em risos… Esses não vão faltar se tiver oportunidade de assistir a esta peça. Porque nesta noite de sexta, no Cineteatro S. Pedro, a sala entoava risos e gargalhadas, palmas e movimentos a marcar o ritmo. O mediotejo.net confirma: o cineteatro ficou realmente (bem) desconcertado.