Susana Estriga divide a casa com seis cães, mas cuida de muitos mais, todos os dias. Créditos: mediotejo.net

A atleta Susana Estriga, 45 anos, professora de Educação Física na escola Octávio Duarte Ferreira, em Tramagal, Abrantes, campeã cá dentro e lá fora, tem outro amor além do atletismo: os animais. O mediotejo.net entrevistou-a em sua casa, a propósito do Dia Mundial do Animal, que se celebra este domingo, 4 de outubro, comprovando que, apesar de todas as dificuldades que tem de superar, “quem corre por gosto não cansa”. 

O latido e a agitação é, claramente, de contentamento. Saltam de felicidade perante a presença da dona. Acalmam-se com um biscoito mas, antes disso, lambem e desassossegam em manifestações de um afeto que parece não ter limites. O amor de Susana Estriga pelos animais é recíproco. É incapaz de voltar as costas, indiferente, a um animal abandonado, e tem para contar muitas histórias felizes e outras trágicas. No que toca a maus tratos a animais, já ficou chocada com muitas coisas que preferia não ter visto.

Quando iniciou a sua ação de cuidadora animal, lembra, “há muitos anos que ouvia falar do abandono dos animais, particularmente na época das férias”. Mas a sensibilidade para ajudar foi crescendo. “Se um animal me batia à porta, como não ajudar? Era a decisão de ir para o canil ou ficar com ele”, conta ao mediotejo.net.

Susana Estriga é atleta e professora de Educação Física, portanto sem formação na área veterinária, mas leva décadas a cuidar e a resgatar  animais, sejam eles cães, gatos ou de outra espécie qualquer, e está sempre no lugar certo para ajudar.

Hoje, as pessoas no Tramagal encontram um corvo ferido, uma coruja eletrocutada, pombos ou uma ovelha tresmalhada, e “a quem pedem ajuda? À Susana Estriga”, reconhece, com um sorriso.

Quando frequentava a escola primária, como não gostava de leite com chocolate, trazia-o para os gatos da rua. “A minha mãe não me permitia ter animais, mas eu alimentava-os com aquilo que podia”, conta. Recorda o Bonito, o seu primeiro gato, que a mãe deixou ficar em casa com uma condição: “Eu era muito ‘pisca’ para comer, queria era correr e saltar, era muito magrinha, e a minha mãe deixou-me ficar com o gato em troca de comer tudo o que estava no prato.”

Por vezes apareciam junto de sua casa cães abandonados por caçadores ou perdidos e, na altura, não havia ração à venda como hoje, mas “ia buscar pão ou outra coisa qualquer”. Só teve o seu primeiro cachorro depois de terminar a faculdade, mais tarde comprou o Zorki, um labrador preto atualmente com 16 anos, depois uma cadela igual ao Zorki. Seguidamente ficou com o Necas, “um cãozinho abandonado ao pé da estação de comboios”, e depois “apareceu uma ninhada de cães junto ao mirante de Tramagal”. Nessa altura conheceu Ana Fontinha, da ADACA – Associação de Defesa dos Animais do Concelho de Abrantes, período que coincidiu com o início da associação.

Atualmente tem seis cães em casa, mas o número aumenta com os animais que permanecem na quinta do sogro, onde foi construído um canil para os bichos que vai recolhendo. Um local de acolhimento temporário para animais abandonados ou mal tratados, até conseguir que sejam adotados por uma família.

“À minha guarda tenho 10 cães, a minha mãe também tem dois que recolhi e a minha sogra tem uma cadela com 13 anos”, que foi recolhida numa pista de atletismo, durante um treino. Também num Estádio onde Susana treinava certo dia encontrou uma cadela que acabar de dar à luz duas crias, uma fêmea e um macho. “A fêmea fiquei com ela e o macho foi adotado por uma outra atleta.”

Onde comem dois comem três, ou quatro… Susana Estriga não consegue virar as costas a um animal abandonado. Créditos. mediotejo.net

Com o decorrer dos anos, foi trabalhando com várias associações, dependendo sempre da boa vontade das pessoas. Ultimamente apoia também associações na recolha de fundos para ajudar animais de famílias carenciadas. “Um cão com leishmaniose, por exemplo, que é doença com medicação caríssima, na ordem dos 90 euros”, explica.

“Também vamos pedindo apoios para cães que estão internados em clínicas… O último, com parvovirose, tivemos de pagar quase 300 euros por uma semana de internamento no Pego. A cadela Violeta, que entrou [esta semana] no centro veterinário de Tomar, vai fazer uma cirurgia que custa 570 euros… Mas vale a pena! Não podemos desistir dos animais”, defende.

Para este trabalho de suporte fundamental, quer das associações quer dos voluntários que ajudam os animais de famílias carenciadas ou abandonados, é preciso imaginação e tempo. Susana por vezes apela à venda de rifas.

Quando os animais “precisam de cirurgias, o Município [de Abrantes] não paga as despesas veterinárias”, explica. “Mesmo quando a ADACA estava no canil municipal, a Câmara só tinha a responsabilidade da alimentação e limpeza das instalações. A parte veterinária, a parte difícil, as despesas, eram pagas pelos amigos e voluntários dos animais”, refere.

Na verdade, “nestes anos todos”, diz “nunca ter pedido nada a ninguém”, a não ser recentemente lançando, pela primeira vez, um apelo numa rede social. Confessa que a “boa vontade” das pessoas a surpreendeu. “Colegas do atletismo, colegas da escola, pessoas anónimas do Tramagal que pagam dias de internamento” dos animais.

Em sua casa, Susana construiu no quintal um espaço “para uma situação de emergência”, no caso de aparecer um cão abandonado. Tal como sucedeu há uns tempos na empresa Mitsubishi, em Tramagal. “Tinham a visita de um ministro no dia seguinte e o animal não podia lá estar, por isso fui buscá-lo”. Encontrou-o a rosnar mas, algumas horas depois, saiu da fábrica com o cão ao colo. Chamou-lhe Mitsu.

Susana Estriga é campeã nacional e tem vários títulos europeus na categoria de veteranos, em várias modalidades no Atletismo, como salto em altura, corrida de obstáculos e pentatlo. Atualmente é atleta do Sporting Clube de Abrantes. Créditos: DR

As histórias de animais abandonados sucedem-se, como se o destino os fosse empurrando para o caminho de Susana. Certa noite, regressava a Tramagal, onde vive, vinda de uma formação no Estádio Municipal de Abrantes, e viu um um labrador no Mirante [monumento de homenagem a Duarte Ferreira]. “Tive de parar”, diz com normalidade. Pouco depois de recolhê-lo, o Igor foi adotado por uma família.

Com várias colónias de gatos, refere que a vila onde reside apresenta um problema, na verdade transversal a outras freguesias do concelho. “Se não houver uma intervenção eficaz na esterilização, os gatos multiplicam-se. O Município tem essa obrigação, e neste momento está a fazê-lo, mas obedece a requisitos: tem de haver alguém responsável pela alimentação daquela colónia” explica.

Até ao momento Susana conseguiu a esterilização de três gatas da colónia que alimenta. “Duas foi o Município que suportou e outra fui eu que paguei. Consegui uma esterilização mais económica através da associação Patudos Solidários de Abrantes, mas não é fácil!”, lamenta, enquanto cuida de um gato que, por estes dias, será entregue a um novo dono. Esta semana ainda irá ao Porto para entregar um cão que vai “emigrar” para a Alemanha.

Alguns dos animais que recolheu ainda mantêm traumas pelos maus tratos que sofreram. Créditos: mediotejo.net

De portas abertas, no quintal, Susana abriga a Ema e o Edi, mãe e filho abandonados. Passados 10 anos, o cão “continua extremamente medroso, muito traumatizado”, nota. “As pessoas enxotavam-nos, mandavam paus e tratavam-nos mal. Ele nunca perdeu o medo e demorou um ano para ganhar confiança comigo.”

Recentemente Susana recuperou em Rossio ao Sul do Tejo um irmão do Edi, após o dono falecer, ficando o cão à responsabilidade de uma vizinha “numa situação um bocadinho negligente”. Susana não sabia mas o cão “ficou anos preso a uma corrente, tinha pulgas e montes de fezes à volta”.

A vizinha dava comida “mas não limpava o espaço”. Entretanto, o Nilo foi adotado por uma família de Andreus, conta agora Susana, emocionada, admitindo que, para este fim, as redes sociais são uma preciosa ajuda.

Os atletas que Susana treina e os respetivos pais gostam quase todos de animais e também dão uma ajuda. “Tenho sorte! Ao longo destes anos tenho encontrado pessoas espetaculares que adotam os animais”, afirma, explicando que tem “alguns cuidados” na entrega dos animais devido aos “maus adotantes”. Há pessoas, diz, “que não percebem que um animal é um membro da família. Tem sentimentos!”, vinca.

Susana considera que “nestes tempos de confinamento” devido à pandemia de covid-19, o animal de estimação ainda desempenhou um papel mais importante. “Quem tem um animal ainda estabeleceu uma relação mais próxima porque foi fundamental para o equilíbrio” dos donos.

“As crianças, por exemplo, por natureza gostam de animais, e a partilha de amor é fundamental para o crescimento de uma forma equilibrada. Infelizmente, há muitos pais que não percebem.”

Admite que conciliar a profissão de professora com o atletismo de alto nível e ainda ser cuidadora de animais “não é fácil”, e exige rotinas. O marido João acorda cedo para abrir os animais na quinta e Susana trata dos residentes da casa. “É preciso uma limpeza diária: aspirar de manhã e à tarde, lavar o chão, é preciso mudar as mantas… mas há recompensas. Os animais mimam-nos muito!”

Recorda os nomes dos muitos animais que passaram pela sua vida, e é com um aperto no peito que fala da Nina, “uma cadela especial”. Nem sempre as histórias têm um final feliz e às vezes a morte é mesmo o destino, apesar de todos os esforços. Sempre que um dos animais de que cuida morre é doloroso, não só pela perda mas também pela sensação de que, porventura, poderia ter feito mais.

Susana Estriga tem neste momento 10 cães à sua guarda. Créditos. mediotejo.net

Das múltiplas aventuras no resgate de animais ficam memórias como a de um yorkshire que encontrou abandonado na Chamusca, numa viagem de férias. Lá correu meio mundo à procura de um local para o deixar, uma vez que levar o cão para o hotel não era opção. Esse episódio levou-a até à Associação de Animais de Santarém, que recolheu o bicho. Quando Susana chegou ao hotel recebeu um telefonema de um hipermercado: tinha ganho 500 euros em compras por causa da ração comprada. “Há males que vêm por bem! Vou poder comprar mais ração para os animais”, exclamou.

A sua melhor memória é com um cão encontrado com um chip de Vila Nova de Gaia. “Tinha sido roubado numa montaria no Alentejo e, passado um ano, o cão apareceu no Tramagal. O dono já nem contava encontrá-lo!”, diz.

Orgulha-se de ter na escola, designadamente na disciplina de Cidadania, no âmbito do tema Causa Animal, alunos fantásticos. “Foi o tema que mais adoraram!”, afirma, enumerando as várias iniciativas realizadas para angariar dinheiro e alimentos.

Na associação Juventude Amiga, no Natal de 2019, na sua função de apoio a famílias carenciadas, “juntamente com o cabaz de Natal, foram também sacos de ração, ou para o gato ou para o cão”.

A atleta integra a direção da ADACA, apoia diariamente a APA – Associação Protetora dos Animais de Torres Novas, com um trabalho focado na esterilização de animais, também com a associação Patudos Solidários de Abrantes, muito ativa na esterilização de gatos de rua, e com a Associação Amigos dos Animais, da Chamusca. Além disso, tem vários amigos e colegas que a ajudam. “Trabalhamos todos em conjunto para ajudar os animais”, diz, com visível contentamento.

“É preciso muita dedicação!”, admite, mas é uma prova de esforço que, tal como no atletismo, fará pela vida fora – procurando sempre fazer melhor, superando cada obstáculo com um sorriso nos lábios.

A sua formação é jurídica mas, por sorte, o jornalismo caiu-lhe no colo há mais de 20 anos e nunca mais o largou. É normal ser do contra, talvez também por isso tenha um caminho feito ao contrário: iniciação no nacional, quem sabe terminar no regional. Começou na rádio TSF, depois passou para o Diário de Notícias, uma década mais tarde apostou na economia de Macau como ponte de Portugal para a China. Após uma vida inteira na capital, regressou em 2015 a Abrantes. Gosta de viver no campo, quer para a filha a qualidade de vida da ruralidade e se for possível dedicar-se a contar histórias.

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