Natural de Torres Novas, João Rodrigues formou-se em biologia no Algarve – onde reside –, foi instrutor de mergulho nos Açores e já percorreu meio mundo a fotografar os mistérios dos oceanos. Tornou-se fotógrafo da National Geographic Portugal e os cavalos-marinhos da Ria Formosa deram-lhe a boleia necessária para se iniciar na produção de documentários. Sempre que regressa a Torres Novas aproveita para espreitar o rio Almonda e averiguar como se encontram os níveis de poluição, que considera “uma vergonha”. Este ano tornou-se no primeiro português a vencer o Wildlife Photographer of the Year, com uma fotografia subaquática no polje de Minde, em Alcanena.
A ligação ao mar sempre esteve presente. Com familiares do lado materno em Leiria, João Rodrigues passou grande parte da sua infância e adolescência em praias como as da Vieira e da Nazaré. A ligação à natureza foi também ela desenvolvida nos arredores de Leiria, na aldeia onde vivia a sua avó, pois foi aí que teve muito contacto com pinhais, florestas, animais domésticos e também selvagens.
A certeza de que queria ser biólogo surgiu cedo, algo que João considera ter muito a ver com os programas de vida selvagem que via na televisão. “Nem sabia bem o que era ser biólogo mas sempre tive a ideia que queria passar o máximo de tempo na natureza e com os animais”, conta.

A vertente artística, que mais tarde se transferiu para a fotografia e videografia, começou a ser desenvolvida em Torres Novas, onde João criou a sua primeira banda e tocou trompete, algo que, segundo o próprio, o enriqueceu e lhe deu uma “sensibilidade diferente para a questão das artes”, para depois chegar ao que faz hoje em dia, “que não é só fotografia”. Mas já lá vamos.
O chamamento da biologia continuava a imperar, pelo que, mesmo sem conhecer o programa curricular, foi aos 17 anos para Faro para se licenciar em biologia. Embora a sua ideia inicial fosse partir para as míticas savanas africanas e estudar megafauna, como elefantes, leões ou girafas, a ligação ao mar acabou por impor-se.
A vivência com os colegas de biologia marinha, com quem partilhava algumas cadeiras, fez com que João começasse a interessar-se cada vez mais pelo mar, até porque a Universidade do Algarve (UAlg) e o Centro de Ciências do Mar (CCMar) “têm uma componente muito forte na investigação marinha”.

Apesar da prática de surf e da já longínqua ligação ao mar, João nunca tinha colocado a hipótese de “fazer alguma coisa da vida debaixo de água”. Foi depois de alguma insistência de amigos de biologia marinha que experimentou fazer um mergulho – isto ainda durante a licenciatura em biologia – e a magia aconteceu.
“Tive a certeza absoluta que era aquilo que eu queria fazer para o resto da minha vida. Aquilo mexeu muito comigo. O facto de conseguir respirar debaixo de água sem vir à superfície, os animais estarem tranquilos à minha volta, a explosão de vida que é o mundo subaquático… fascinou-me, e houve ali um chamamento para os oceanos”, revela um João ainda hoje fascinado com a imensidão de vida que é possível encontrar debaixo de água.
Depois da licenciatura fez um mestrado internacional em biodiversidade e conservação marinha. Paralelamente, começou a apostar na carreira de mergulhador, pelo que fez inúmeros cursos, como de cave diving, mergulho científico ou técnico, até ao de instrutor.
Cave diving passou então a ser outra paixão para o biólogo oriundo de Torres Novas: “Embora não tenha tanta vida, aquela coisa de chegar a sítios onde ainda ninguém chegou ou a sensação de estarmos em locais tão remotos e hostis para o ser humano que provavelmente sou um dos poucos privilegiados que chegaram ali, é realmente muito motivante, desperta a adrenalina, o mistério, gosto muito dessa componente”.

Após terminar o mestrado – onde se especializou em grutas marinhas, sendo, inclusivamente, o primeiro a fazer o mapeamento da biodiversidade e topografia mais fina das grutas marinhas de Sagres – começou a desenvolver os seus trabalhos como investigador para o CCMar, ao mesmo tempo que dava cursos de mergulho. “Era mais a área de mergulho que me dava o rendimento enquanto a ciência estava quase a ser mais uma aposta e o acreditar de que era aquilo que eu queria fazer, do que propriamente condições estáveis de vida”. Assim, o “inevitável” acabou por acontecer.
Passados dois anos, a desmotivação com a ciência foi mais forte, principalmente pela falta de condições, de bolsas, pela competição agressiva e círculos fechados. “Não critico nem condeno ninguém, mas a verdade é que há pouco financiamento, continua ainda hoje a haver muito pouco investimento para o que era necessário na parte da ciência e da investigação. Nessa altura eu fui uma das vítimas, tentei o meu melhor, mas também comecei a não gostar tanto da ciência que estava a fazer na altura”.
Como nunca lidou bem com a estagnação – afinal, o mar é um verdadeiro corrupio de vida – João começou a sentir-se sufocado, pelo que tentou “rebentar a bolha” e começar de novo. Munido das ferramentas, armas e bagagens que tinha reunido ao longo do seu percurso, começou a pesquisar e encontrou uma empresa nos Açores que trabalhava com tubarões e que fazia alguma ciência ligada ao ecoturismo. Tentou a sua sorte. Enviou um email para a dizer que gostaria de trabalhar com tubarões e a resposta superou todas as expetativas: não só foi aceite, como foi convidado para ser o gerente do centro de mergulho.
A proposta foi irrecusável e em duas semanas já Faro ficava para trás. Os próximos meses seriam passados em terras açorianas, na ilha do Pico, onde a grande mudança se ia dar.

A Entrada no Mundo da Fotografia
Embora já o soubesse, João encontrou nos Açores um “paraíso, um mundo de oportunidades, um oásis de biodiversidade único no mundo”. E são essas particularidades do arquipélago açoriano as responsáveis por atrair fotógrafos e produções de documentários profissionais, como os da National Geographic ou da BBC. João começou a olhar para aquelas pessoas – com quem só sonhava cruzar-se – e percebeu que eram “pessoas normais”, e que ele próprio talvez também pudesse fazer aquilo, pelo que começou a voluntariar-se para apoiar essas produções.
“Ou seja, eu trabalhava e nas minhas folgas estava sempre a trabalhar para aprender mais sobre eles, como faziam as coisas e como trabalhavam. E dali a ter uma câmara nas mãos para começar a fazer umas experiências, foi um saltinho.”
Em 2015/2016 foi convidado para ser mergulhador de segurança de cameramans de grandes produções, começando-se assim a envolver e a fazer making-ofs, as coisas mais simples. A verdadeira mudança deu-se em 2016, quando decidiu que ia ser fotojornalista e trabalhar para a National Geographic. “Eu sou muito assim, vejo o objetivo no horizonte e imagino-me lá”, revela. E foi neste ponto que a fotografia surgiu na vida de João.

“Resolvi aliar a fotografia ao meio subaquático, que é um sítio onde quase ninguém tem acesso, e poder mostrar essa beleza às pessoas, esse fascínio que me leva a fazer o que eu faço, e distribuir essas emoções através da imagem e da fotografia. Vi aí a oportunidade ideal para o fazer e vi muito mais valor na imagem do que via até então”.
Nasceu assim a vontade de comunicar ciência através da imagem, numa conjugação praticamente perfeita na ótica de João, pois sendo biólogo tem alguma vantagem na medida em que percebe a situação e a consegue tentar traduzir para uma linguagem acessível. No que concerne à parte da fotografia, João foi um autodidata, mas não sem muita leitura e algumas tutorias online.
Tentou a sua sorte e enviou o seu primeiro artigo para a National Geographic em 2017. Experienciou um dos pontos altos da sua vida quando recebeu a resposta do diretor da publicação a dizer que queria publicar o seu artigo, no que João interpretou como um “sinal” de que era aquilo o que ele devia fazer.
“É sempre muito difícil, basta pensarmos em Portugal quantas pessoas fazem isto. Claro que se tem de trabalhar imenso, estudar, não há horários das 9h-17h… neste tipo de vida não há descanso, não há feriados, o relógio funciona com o relógio biológico da natureza, ou seja nada a ver com os nossos costumes. Mas é também disso que eu gosto, esse desafio, o passar muitas horas no mar e o ser preciso acordar a horas irregulares, porque depois o que a natureza nos dá em troca são momentos inesquecíveis”.
Depois do seu segundo artigo recebeu o certificado em como estava a trabalhar para a National Geographic Portugal e iniciou outros projetos como fotógrafo, exposições, artigos, histórias para grupos científicos de investigação de algumas universidades portuguesas e fez parcerias com fundações de conservação marinha e ONG’s (Organizações não Governamentais), numa constante utilização da imagem como ferramenta de sensibilização, educação e comunicação de ciência.

A boleia dos cavalos-marinhos da Ria Formosa para a produção audiovisual
Depois de estar nos Açores durante dois anos, João voltou ao continente para estudar o decréscimo da comunidade de cavalos marinhos da Ria Formosa, comunidade cuja população já foi das maiores do mundo, e que por agressões antropogénicas – nomeadamente pela captura ilegal para o mercado asiático – passou, em números redondos, de dois milhões para 100 mil.
João entendeu que publicar um artigo não era suficiente. “Tinha de fazer mais alguma coisa pela comunidade. As pessoas tinham de escutar melhor o que eu e muita gente estávamos a tentar fazer, que era tentar salvar esta população de cavalos-marinhos. E foi aí que surgiu a ideia de fazer o meu primeiro documentário, coisa que eu sempre gostei de fazer também, já tinha feito videoclips para as bandas que fui tendo quando era mais novo”.

Para João, não há nada mais nobre do que deixar o planeta da forma que se encontrou ou melhor ainda, pelo que foi nesta missão de ativismo, de divulgação, de meter o dedo na ferida e chegar aos decisores políticos para haver transformações efetivas na Ria Formosa, que produziu com a Chimera Visuals (produtora criada por si) o seu primeiro documentário denominado “Cavalos de Guerra”, o qual já foi seleção oficial em vários países, como nos Estados Unidos (Los Angeles), Inglaterra (Londres) e Argentina (Buenos Aires).
“A partir daí foi incrível. Isto foi no ano antes da pandemia, tinha digressões já marcadas a nível nacional, em escolas e teatros, para disseminar esta mensagem e claro, fiquei completamente rendido à produção audiovisual. Já sabia que gostava de o fazer, mas o resultado do ‘Cavalos de Guerra’ foi realmente a confirmação de que era este o caminho que tinha de seguir”.
Segundo João Rodrigues, na Chimera Visuals a preocupação recai sobretudo na história natural e conservação, tendo como base o audiovisual e a imagem, produzindo desde reportagens fotográficas (artigos para revistas como a National Geographic), a produção de documentários de vida selvagem, conservação mais ativista ligada a ONG’s e entidades que querem lutar para preservar o meio ambiente, vídeos promocionais para projetos de investigação, fundações e ONGs. Mas tudo isto sempre com a componente de conservação marinha como estrela norteante.

“É o nosso único e exclusivo critério, tudo o que fazemos tem de estar ligado ao oceano e à preservação do mesmo. Dá panos para mangas. Há mil e uma coisas a acontecer, os projetos são mais de muitos.”
Com uma vida bem preenchida, o percurso de João Rodrigues foi abrilhantado com a conquista de um dos prémios mais importantes de fotografia de natureza, no concurso Wildlife Photographer of the Year, na categoria répteis e anfíbios. Foi com uma imagem de duas salamandras-de-costelas-salientes a copular no “mar” (Polje) de Minde – lago que apenas surge com muita chuva – que João Rodrigues se tornou o primeiro português a ser distinguido nesta competição.

As imagens vencedoras do concurso compõem a exposição que estará patente até 5 de junho no Museu de História Natural, em Londres, e que depois vai percorrer 56 países, levando a fotografia das salamandras de João Rodrigues por esse mundo fora. A este propósito, e para conhecer um pouco mais dos futuros projetos de João Rodrigues, entrevistámos o fotógrafo torrejado.
Foi a primeira vez que concorreu ao Wildlife Photographer of the Year. Nunca lhe tinha ocorrido participar ou só agora entendeu que tinha uma fotografia com a qual valia mesmo a pena concorrer?
Sim, foi mais por aí. Estamos a falar de um festival com 58 anos de existência, em que o apresentador já chegou a ser o David Attenborough, e em que quem concorre a este concurso são as pessoas que eu sigo e que tenho como referência. São pessoas que sempre admirei, segui e estudei… e de repente estou lado a lado com eles, com a minha obra. Mas olhei para a foto das salamandras e pensei: “Não, eu nunca vi isto na vida, isto tem de ir para o Wildlife Photographer of the Year, nem que seja para uma menção honrosa, uma distinção qualquer”. Eu estava convicto de que ia receber alguma coisa, mas ser o vencedor foi uma grande surpresa, e foi muito bom.
Como chegou a notícia e como reagiu?
Encontrei um email no spam, até me assustei, pois já tinha passado bastante tempo e já me tinha convencido que não tinha ganho nada. O mais engraçado é que era de uma portuguesa – no início até pensei que fosse algum esquema – mas depois vim a perceber que a diretora do concurso é portuguesa e é de Tomar, o que ainda me deixou mais estupefacto com a situação. Deu-me os parabéns por ser vencedor e em especial por sermos conterrâneos. Nem estava a digerir bem a coisa, era meio-surreal… primeiro pela forma como descobri, depois por a diretora ser portuguesa e de Tomar, ao lado de Torres Novas, depois pelo prémio que é… foi uma confusão de emoções, mas fiquei a voar.
Deu-me uma esperança renovada na minha missão. Conseguir projetar a minha voz, missão e mensagem. Estes prémios dão esse combustível para ir mais além, porque a questão da taça, essa não é nada mais do que isso: uma taça e uma pequena massagem para o ego – que sabe bem, claro – mas encaro isto mais como um comprovativo de que se está no caminho certo e que se tem de continuar na luta.

Qual é a sensação de ter uma fotografia em exposição no Museu de História Natural de Londres?
É um sonho, sinto-me mesmo um miúdo quando começo a pensar nisso. Às vezes até penso no que terei feito para merecer isto. Mas claro que é fruto de muito trabalho, muitas horas sem dormir, passamos muito tempo sozinhos para conseguir este tipo de resultados. Mas a vida tem-me dado sempre muito. O que fui imaginando foi acontecendo, e começo a acreditar no que se diz nos filmes: a imaginação não tem limites e tudo está ao nosso alcance, basta pormos tudo de nós nesse objetivo. Antes era menos poético nesse sentido, mas a vida está a comprovar isso: se nós acreditarmos, nós conseguimos. Estou pela primeira vez a representar Portugal como nunca antes, e isso dá-me um enorme orgulho e esperança para continuar a fazer cada vez melhor.
É também, de alguma forma, um ativista ambiental?
Sim, aliás, eu acho que é isso que me empurra para o que faço. Está tão presente que me faz confusão pensar em pessoas que não são ativistas, porque só podem andar de olhos fechados ou realmente desinteressadas e despreocupadas com o que se está a passar no nosso planeta. Portanto, sim, primeiro que tudo sou um ativista, um revoltado com aquilo que se está a passar a nível global. Sofro mesmo quando começo a pensar mais profundamente sobre o que se está a passar com o ambiente. O sofrimento animal, o nosso desleixo, crimes ambientais… Sempre que vou a Torres Novas dou uma olhadela e é uma vergonha o que se passa no rio Almonda, as descargas ilegais e poluentes continuam… também é uma questão de tempo, vou abordar esse tema em breve, as coisas não podem continuar assim, já há uma medida ou outra, mas estamos muito atrasados naquilo que é preciso fazer para resolver o problema. E o que mexe mais comigo é que aqueles que têm poder não estão para aí virados, o meio ambiente não é uma prioridade, fica bonito na fotografia mas há muitos decisores que podiam fazer mais e não o estão a fazer. E este é mesmo o objetivo principal de tudo o que eu faço: chamemos-lhe “política ambiental”, mas sem ser política.

Há então um projeto em vista sobre o Almonda e a sua poluição?
Está na calha. Ainda não há nada em documento, a ideia está no ar, estamos a começar a reunir algumas informações, mas sim, num futuro próximo vamos começar a trabalhar nesse tema. Não é só necessariamente o rio Almonda, não vai ser só focar naquilo que está mal, mas também mostrar os bons exemplos. Basicamente é contar um bocadinho do que se passa na região e no que podemos fazer para a tornar melhor, sem fanatismos, ouvir todos os lados, e passar a mensagem, um bocadinho sempre na filosofia que tenho e que desenvolvi com o “Cavalos de Guerra”.
É esse tipo de storytelling e de abordagem: apontar dedos, sim senhor, com justa causa, tem de ser; mas também ouvir os vários lados, porque há mil e uma maneiras de contar a história e só assim se consegue mudança, através de diálogo e acordo, não a mandar granadas e cocktails molotov e esperar que a coisa se resolva sozinha.
Vai com alguma frequência a Torres Novas?
Sim, sempre que posso. Os meus pais vivem em Torres Novas. Depende sempre do trabalho, mas vou de dois em dois meses, em média. Tenho muitos e bons amigos em Torres Novas, daqueles de infância que sempre estiveram presentes para mim e que guardo com muito carinho.

Fotografa apenas natureza?
Agora sim, felizmente. Antes tinha de “dar uma perninha” noutras coisas. Por exemplo, fiz alguns projetos para municípios sobre natureza, mas depois pediam-me para fotografar uns edifícios históricos e assim… não é a minha especialidade, mas consigo adaptar-me. Mas sim, a condição é natureza, vida selvagem e conservação, atualmente não faço nada que não tenha a ver com isso.
O que é preciso para se ser um bom fotógrafo de natureza, de vida selvagem?
Pode parecer cliché, mas a primeira coisa é gostar. Eu acho que gostar é até uma palavra redutora, temos de ter mesmo paixão. Temos de ter uma ligação fortíssima com a natureza. Depois então, antes se quer de se ter uma câmara na mão, perceber como a natureza funciona, ou ter experiência no meio natural. Uma coisa é vermos umas fotos de um pássaro ou um peixe numa determinada posição ou atividade, achamos lindíssimo, mas eles não vão estar lá à nossa espera para fotografarmos. Portanto, para se ser um bom fotógrafo de natureza tem de se estar preparado e ter uma paciência gigante. São horas, dias ou até meses para se conseguir “aquela” fotografia ou “aquela” sequência de filmagens. Muita pesquisa, ler sobre os temas e estar preparado para passar muitas horas no terreno, seja debaixo de água, numa floresta, no topo de uma montanha ou num helicóptero, para aprender sobre aquilo que nos rodeia, para depois podermos começar a levar a nossa câmera, o nosso equipamento e começar a experimentar e a conseguir os resultados.

Depois há uma coisa muito importante, que é ganhar cultura de imagem. Temos de nos enriquecer diariamente e todas as semanas temos de ver trabalhos de outros profissionais, os vários ângulos, como se pode retratar aquela espécie, contar a sua envolvência, qual a sua casa e as suas relações, para podermos então contar a história sobre esse animal, porque se não é só uma foto de um passarinho ou de um peixinho bonito e não passa disso. As fotos que tocam as pessoas são aquelas que contam uma história.
A especialização também é importante, porque a natureza é infinita. Se tentarmos fotografar aves, girafas, hipopótamos, toupeiras, tubarões, podemos realmente ser bem sucedidos, mas nunca vamos ser especialistas em tudo, e portanto é importante focarmo-nos realmente no que queremos. O ideal é irmos sempre preparados e com os objetivos que queremos atingir com essas saídas para o terreno, se não somos só uma pessoa com uma câmara bonita a disparar para todo o lado.

Já viajou um pouco por todo o mundo a fotografar. Que sítios mais o marcaram?
Há vários, por diversas razões… quando estive na Lituânia mergulhei nos naufrágios da Segunda Guerra Mundial, no Mar Báltico, e a vida lá é diminuta, mas aquele ambiente, a capacidade da natureza se regenerar em embarcações e vermos botas e capacetes de soldados, peixinhos, anémonas e alforrecas… foi das coisas que me marcou mais, pelo peso emocional na parte humana, e depois também pelo sorriso da natureza, a capacidade de tornar belos os ambientes mais soturnos e hostis.
A Baixa Califórnia, no México, é dos sítios mais incríveis de sempre para todo o tipo de espécies, para leões marinhos então é fulcral. É um local que o próprio Jacques-Yves Cousteau apelidava de “aquário do mundo”, pois há de tudo o que podemos imaginar, desde tubarões ao maior ser do nosso planeta, a baleia azul, jamantas em grupos de milhares que saltam da água, corais… é incrível.
A Noruega, com as orcas a alimentarem-se de arenque… Foi muito bom ver grupos de 50 orcas, a tal baleia assassina que as pessoas temem. Posso dizer que são um dos seres mais inteligentes com que já me cruzei debaixo de água e são tudo menos perigosos, se os respeitarmos e aos seus sinais. São dos seres mais incríveis e fascinantes do mundo, para mim.

No seu percurso, em sítios tão diversificados, há alguma história mais inusitada?
Várias… por exemplo, na Baixa Califórnia, com os leões marinhos, no último dia em que estive lá a fotografar aquela colónia era também o último dia possível para mergulhar lá, pois entrava o período de defeso. Mas obviamente que os animais não escolhem acasalar conforme os dias impostos pelos humanos (risos). Eu estava a acompanhar e fotografar a reprodução e comecei a ganhar confiança a mais, eles já me estavam a aceitar. De repente começaram dois machos às dentadas violentissimamente à minha frente, senti a água a empurrar-me, mas não me fizeram nada, só ladraram (aquele som que fazem debaixo de água). Estavam tão embrulhados na luta entre eles que passei passageiro. O mais engraçado foi depois, quando encontrei outro harém, onde um macho gigantesco estava a acasalar com 15 fêmeas, e eu fui-me esgueirando, coloquei-me atrás de uma rocha para não abusar muito da confiança, mas houve ali uma altura em que o leão marinho não quis mais saber das fêmeas, viu-me, colocou-se em posição quase vertical e veio na minha direção, de peito feito, empurrou-me e tive de me desviar rápido, se não tinha levado uma dentada. Percebi o sinal e fui-me logo embora dali. Estas situações dão-te a sensação de humildade e de pequenez, de saberes a tua posição e de que és uma partícula neste universo, a natureza e vida selvagem está-nos sempre a dar essas lições.
Mais recentemente tive uma história interessante com a baleia azul, uma criatura fascinante, o maior animal do mundo, maior que qualquer dinossauro que já existiu neste planeta, e que tem nos Açores como se fosse uma bomba de gasolina, para abastecer e seguir viagem para o Canadá. Foi a minha primeira vez a trabalhar com estes animais e posso dizer que é mesmo “Puf”: o animal é enorme, as emoções são gigantes. Cheguei a estar a fotografar uma baleia que tinha os seus 25-26 metros, escoltada por um grupo de golfinhos, e a certa altura já não sabia o que fotografar. Pousei a câmara e deixei só passar o animal, até porque às vezes estamos tão presos à câmara que não experienciamos na primeira pessoa, mas sim sempre através daquela barreira material. Aquele momento teve tanto poder que me aconteceu algo que nunca tinha acontecido, que foi baixar a câmara e ficar só a contemplar aquilo.
Tive também uma cria de cachalote a brincar comigo – e quando falo em cria é importante lembrar que não deixa de ser um animal com quatro ou cinco metros –, a fazer cambalhotas e a rodopiar à minha volta, eu fugia um bocado para longe e ela vinha atrás de mim, foi incrível. E estamos a falar de seis, sete minutos, que é muito, aquela ligação e depois os cliques da mãe a chegar – porque essa está lá nas profundezas as caçar lulas gigantes, enquanto a cria como não tem os pulmões tão desenvolvidos fica cá em cima à espera – com os seus 12-13 metros com os cliques superfortes, que nos faz vibrar o corpo. A progenitora fez investidas, ou seja, veio a toda a velocidade e só virou ali a um braço de distância… Levei com uma massa de água gigante e claro, aqueles instantes até ela chegar são um pouco assustadores. Estamos a falar de um submarino preto a vir na tua direção a toda a velocidade. Não é bem medo, é aceitar. É entender que não podes fazer nada e que a linguagem corporal relaxada ajuda. E isto dá muita fibra, muita experiência.

Planos para o futuro?
Estou a trabalhar neste momento numa websérie chamada “A Casa de Neptuno”, vai ser o maior projeto desenvolvido pela minha produtora, de conservação marinha, que basicamente vai ter uma aplicação e um website, que vai ser uma ferramenta de educação ambiental e de literacia do oceano inovadora, nunca houve em Portugal. É para escolas e para chegar ao público em geral, e é para ser de distribuição gratuita. Vai ter duas temporadas, cada capítulo vai contemplar uma espécie marinha portuguesa e em cada capítulo haverá um episódio sobre essa espécie, depois uma galeria fotográfica em alta resolução para o espectador poder usar como quiser, um vídeo com um cientista especialista nessa espécie a comunicar em dois minutos só – para não se tornar muito complexo – e depois no final há então um texto com dois ou três mil caracteres para quem quiser saber mais. Isto é uma grande aposta nossa. Paralelamente estou a trabalhar em dois documentários, não posso revelar muito, mas um é sobre tubarões. Estou a trabalhar também num artigo para a National Geographic sobre tubarões em Portugal, ou seja vai ser documentário e artigo, e estamos a produzir conteúdos para grupos de investigação e continuamos nessa rotina.
Alguma palavra ou conselho para quem se queira iniciar nesta área?
Se queres ser um dia um fotojornalista bem-sucedido ou um comunicador bem-sucedido, não oiças quem te critica. Se tivesse ouvido quem me tentou mandar abaixo ou persuadir a deixar isto, porque não dava… Foca-te no teu sonho, porque o sonho é só teu.