PR8, na margem esquerda do Tejo, traçado na União de Freguesias de Gavião e Atalaia, e designado Rota da Sirga. Créditos: mediotejo.net

Inaugurada no domingo, a Rota da Sirga – PR8 – em Gavião propõe-lhe uma caminhada ao lado do Tejo, em trilho, xisto e passadiços de madeira num percurso de 5.8 quilómetros. Contas feitas, palmilha 12 quilómetros porque chegado ao Cabril terá de voltar para trás. Ou então, caso queira diversificar as vistas, alugue um barco para fazer a descida, por água, até à praia fluvial do Alamal. Se essa não for uma hipótese e estiver exausto – o piso é irregular e requer alguma preparação física – o barco de resgate dos Bombeiros de Gavião estará a postos. Mas o passeio vale qualquer esforço: ter o rio como companheiro, o verde no horizonte e os grifos a sobrevoar os céus.

As melhores ideias são, como todos sabem, as mais simples. E ligar o concelho de Gavião de uma ponta à outra, por percurso pedestre, era uma realidade que estava por desbravar. A Câmara meteu mãos à obra e, limpos os caminhos e construídas as infraestruturas (num investimento de 200 mil euros), nasceu a Rota da Sirga. Ou seja, o caminho que faltava para ligar a Barragem de Belver à Ribeira de Alferreireira, o limite com o concelho vizinho de Nisa. Brevemente o PR8 será integrado nos percursos ‘Tejo a Pé’, segundo explicou o presidente da Câmara Municipal, José Pio, na cerimónia de inauguração.

Inauguração do PR8, na margem esquerda do Tejo, traçado na União de Freguesias de Gavião e Atalaia, e designado Rota da Sirga. Créditos: mediotejo.net

O percurso é, por esse motivo, o prolongamento do passadiço do Alamal, junto ao Tejo. E para quem está habituado ao rio, o cheiro a humidade, a terra molhada e a mistura de musgos e folhas não causa surpresa. Tudo é belo, mesmo as zonas sombreadas e os lodos visíveis das águas pouco profundas. Percorrer os 5.8 quilómetros da novíssima Rota da Sirga convida à frescura e a um sentimento de identificação com a natureza.

Naquele lugar, não pense. Observe, ouça e quede-se pelas paisagens. Fique completamente absorto por tudo o que o rodeia. Perceba que, onde não há presença humana, a natureza faz-se ouvir, e bem alto, despertando todos os sentidos.

Contudo, o PR8 não é para qualquer caminheiro. Embora seja de dificuldade 2, portanto considerado fácil, pela irregularidade do piso – em trilho, xisto e passadiços de madeira – e pelos quase 12 quilómetros – de ida e volta – obriga a alguma preparação física. Ou então uma viagem com tempo, sem pressas, cuidadosa na colocação dos pés, evitando tropeçar nas pedras ou resvalar nas ervas orvalhadas, contemplando a paisagem, lado a lado com o rio, parando aqui e acolá na observação da flora e da fauna, inclusivamente das colónias de grifos que esvoaçam sobrevoando as cabeças dos visitantes.

Isto porque, as margens do Tejo albergam duas importantes colónias de grifos, abutres de grande porte, de aspeto pré-histórico, necrófagos na sua alimentação, que observam sobranceiros quem percorre o trilho, do alto dos penhascos rochosos das margens do rio. Abandonam as fragas onde nidificam quando o sol raia, à procura de correntes térmicas ascendentes, permitindo observar o espetáculo do voo circular dos bandos locais. Portanto, caminhe o mais silenciosamente possível para não perturbar a fauna.

Inauguração do PR8, na margem esquerda do Tejo, traçado na União de Freguesias de Gavião e Atalaia, e designado Rota da Sirga. Créditos: mediotejo.net

A galeria ripícola por onde se desenvolve o percurso é de uma riqueza singular, lembrando por vezes a densidade das florestas húmidas da América do Sul, composta por freixos, amieiros, vimieiros, salgueiros, entre outros.

A paisagem natural é complementada pela intervenção humana, com a plantação de olival em calçadas, muretes de pedra seca que formam pequenos traçados nas encostas e que facilitam a infiltração da água e a colheita da azeitona. Por entre as rochas, em certas zonas, brota água que escorre em cascatas tímidas até ao rio.

O PR8 – Rota da Sirga – é um percurso pedestre linear de pequena rota que inicia junto à Ponte Metálica de Belver, que liga o PR1 – Arribas do Tejo – ao PR2 – Corredor Ecológico das ribeiras de Alferreireira e Barrocas. Aliás, o percurso termina na ribeira do Marmeleiro. Se for de carro até à Ponte Metálica de Belver, não se preocupe com a sua viatura, porque antes, junto ao cruzamento da estrada que leva até Cadafaz, encontra um pequeno parque onde pode estacionar.

O traçado do percurso permite percorrer toda a margem esquerda do rio Tejo no concelho de Gavião, recuperando antigos caminhos usados pelos pescadores. Parte do percurso é feito sobre muros de sirga, estrutura construída que serviu para homens e animais puxarem os barcos rio acima, quando o Tejo era navegável, atravessando pontos difíceis, tais como o cachão do Cabril.

Inauguração do PR8, na margem esquerda do Tejo, traçado na União de Freguesias de Gavião e Atalaia, e designado Rota da Sirga. Créditos: mediotejo.net

Os muros de sirga são, então, construções em alvenaria de pedra seca, nas margens do rio, junto aos cachões, canais de águas revoltas, construídos num tempo já passado, em que o rio corria em fúria para o mar. Eram usados, por exemplo, para proporcionar a descida da madeira, enviada até Lisboa.

Apresentam-se como testemunhos da tenacidade do homem em ultrapassar os elementos da natureza. Tinham como objetivo principal rebocar os barcos que tentavam subir o rio, a partir das margens, com um cabo de sisal (sirga), puxado pela força do homem ou recorrendo, onde isso se tornava possível, à força de animais.

Sobre os sirgadouros Julio Guerra escreveu em ‘Estudos Chorographicos, Physicos e Hydrographicos da Bacia do Rio Tejo’ em 1861: “As obras que melhoram os perigos que até agora corriam os barcos que faziam a navegação do Alto Tejo, facilitaram muito a navegação e fizeram ‘desaparecer’ os segredos que faziam o património de um ‘arraes’ e estas obras são principalmente os sirgadouros como meio mais ‘efficaz’ para dar à navegação do Alto Tejo a segurança e a brevidade do ‘ascenco’ das embarcações; sem ‘elles’ a navegação ascendente na transposição dos rápidos é impossível, não havendo vento forte e favorável que faza mover os barcos na direção contrária à corrente das águas (…)”. Portanto, neste percurso a natureza está inevitavelmente ligada à história deste território e de Portugal, sendo, ainda por cima, um dos locais nacionais preservados e pouco explorados.

Inauguração do PR8, na margem esquerda do Tejo, traçado na União de Freguesias de Gavião e Atalaia, e designado Rota da Sirga. Créditos: CMG

Entre os pontos de interesse destaque, então, para o vale do Tejo, Ponte de Belver, colónia de grifos, muros de sirga, foz da ribeira de Salgueira, foz da ribeira do vale do Côvo, foz da ribeira de Cagamoio e os terraços de olival em calçada.

Falta agora seguir caminho, equipado com material de caminhada. Botas ou sapatilhas apropriadas, calças, eventualmente um bastão para usar nos desníveis do percurso, água e comida que permita repor as energias.

Quem for acompanhado de crianças redobre a atenção, um pé mal colocado pode resultar cair no Tejo, devido à proximidade de alguns trilhos à beira rio. Não vá por atalhos, siga apenas o trilho sinalizado. Ao longo do percurso encontra várias placas existentes com a localização, locais de referência onde os Bombeiros podem atracar o barco na eventualidade de resgate.

Inauguração do PR8 designado Rota da Sirga. Créditos: mediotejo.net

Aliás esse é um conselho que fica. Ao fazer este percurso pedestre comunique com antecedência aos Bombeiros para que estejam informados sobre a sua caminhada.

O percurso pode ser efetuado em qualquer época do ano, excetuando condicionamentos meteorológicos, devendo o pedestrianista tomar precauções adequadas à época do ano em que realiza o percurso. No inverno deverá ter muita atenção ao piso escorregadio e no verão às elevadas temperaturas.

Durante a inauguração da Rota da Sirga plantou-se a árvore da esperança numa homenagem ao povo ucraniano. Créditos: mediotejo.net

A inauguração do PR8 iniciou com uma homenagem ao povo ucraniano com a plantação da árvore da esperança. Um gesto solidário pela paz na Ucrânia, que teve lugar no domingo, 27 de março. No seguimento desta ação, foram ainda distribuídas árvores autóctones pelos cerca de 70 participantes no evento, para que fossem plantadas ao longo do percurso.

Para a autarquia, “a criação deste percurso simboliza a contínua aposta do município de Gavião na sua oferta turística, com o objetivo de aumentar o número de visitantes e turistas, bem como o tempo médio de visita dos mesmos no concelho”.

A sua formação é jurídica mas, por sorte, o jornalismo caiu-lhe no colo há mais de 20 anos e nunca mais o largou. É normal ser do contra, talvez também por isso tenha um caminho feito ao contrário: iniciação no nacional, quem sabe terminar no regional. Começou na rádio TSF, depois passou para o Diário de Notícias, uma década mais tarde apostou na economia de Macau como ponte de Portugal para a China. Após uma vida inteira na capital, regressou em 2015 a Abrantes. Gosta de viver no campo, quer para a filha a qualidade de vida da ruralidade e se for possível dedicar-se a contar histórias.

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4 Comentários

  1. Se percorrer o Alamal já estava em mente, agora ainda é mais tentador

  2. Fui informado por um especialista em aves de que a colónia dos grifos está a abandonar o local devido à perturbação provocada pelos utilizadores do passadiço. Era espetável este impacte desta obra sobre a colónia de grifos. Só o promotor, irresponsavelmente, acreditaria no contrário. A mediotejo.net, na pessoa da jornalista Paula Mourato, divulgou, e bem, este percurso, contribuindo indiretamente para o desaparecimento desta colónia de grifos. Agora que os impactes do percurso são evidentes sobre a colónia de grifos ficaria bem, em nome do bom jornalismo, o mediotejo.net, na pessoa da jornalista Paula Mourato ou outro, contribuir para a salvaguarda desta colónia, questionando o promotor deste investimento a reconhecer que, neste caso, não está a valorizar o recurso natural mas a destrui-lo. É imprescindível e crucial que o percurso seja interditado a cerca de um quilómetro da colónia de grifos! O abandono desta colónia empobrecerá a biodiversidade do rio Tejo e do país e porá em causa outros investimentos da CM do Gavião como o observatório das aves do Outeiro. Luís Ferreira

  3. As colonias de grifos estão lá talvez porque o passadiço foi levado pelas cheias. A jornalista poderia questionar a Câmara do Gavião sobre a irresponsabilidade de manter o percurso assinalado como fácil quando ele constitui um perigo à integridade física do incauto.
    Para além disso posso assegurar que devido às providências da mãe Natureza, as duas colónias de grifos continuam por lá, talvez na expectativa de se alimentar dos destroços dos caminhantes que se aventurem pela rota, como eu fiz.
    Apesar de tudo ter acabado bem para mim e para os grifos a jornalista poderia perguntar ainda nas Câmaras do Gavião e de Mação se acharam mesmo que era um bom investimento fazer passadiços de madeira a meio metro do rio.

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