Como se explica que na freguesia do Carvalhal, a mais pequena do concelho da Sertã e perdida no pinhal interior, a população tenha aumentado segundo o Censos 2021, enquanto a esmagadora maioria das freguesias do interior perderam habitantes? Quisemos perceber o que aconteceu na freguesia do Carvalhal para que, em 10 anos, tenha aumentado o número de moradores recenseados naquele território.
Para se chegar ao Carvalhal, seguimos pela EN238 e apanhamos a mítica EN2. Em estradas sinuosas, por entre pinheiros, carvalhos, sobreiros e eucaliptos, vamo-nos cruzando com motards e caravanistas que percorrem os mais de 700 km da EN2 a ligar Chaves a Faro.
Ao entrarmos na aldeia sede da freguesia, no alto de uma serra, a paisagem é esmagadora. O verde e o vento fresco ajudam a amenizar o calor estival. No centro da aldeia está o minimercado e, ao lado, o café Cruzeiro, mais conhecido por café do Chico. Que melhor local poderíamos escolher para tentar perceber “o fenómeno do Carvalhal”?
Ao balcão, um adolescente recebe-nos e chama pela avó. Maria do Céu, a dona do café, avia-nos uma água a um preço que só se pratica nestas aldeias, 50 cêntimos. Metemos conversa com a senhora que nasceu e sempre viveu ali. Estava informada dos resultados do recenseamento, mas diz não notar grandes diferenças no número de habitantes. Pelo menos no seu negócio não nota qualquer incremento.
É certo que, para uma freguesia que em 2011 registava 465 pessoas, um aumento de 28 habitantes tem pouca expressão, são apenas mais 6 por cento.
Maria do Céu nota apenas que há mais estrangeiros na freguesia, informação que é confirmada por um cliente: “compram casas velhas, recuperam e aqui vivem”.
Os números do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras confirmam que há um aumento significativo de estrangeiros nos concelhos do interior. Não é por acaso que, por exemplo em Ferreira do Zêzere, as candidaturas autárquicas já tenham em conta essa comunidade. Há cartazes em inglês e campanhas para que os chamados “expat” se registem e participem nas eleições autárquicas.

Maria do Céu refere também a presença de emigrantes que nesta altura vêm passar férias a Portugal, mas esses não entram nas contas do recenseamento. Reafirma estranhar os números “até porque faleceu muita gente de idade e não nasceu ninguém, dois ou três no máximo”.
Ao balcão a beber uma cerveja, está António Xavier, morador da freguesia, para quem são várias as razões para o aumento da população.

“Há pessoal que veio de Lisboa, há alguns emigrantes que regressaram da Suíça e de França, também há alguns reformados que vieram de Lisboa e há ainda alguns estrangeiros a começar a legalizar-se aqui”, resume.
Sobre esses estrangeiros, concretiza: “temos ali cinco ou seis ingleses que já estão cá há vários anos, compraram casa, restauraram e gostam de aqui estar. Há um suíço que vai dois ou três dias à Suíça e depois volta porque é aqui que ele gosta de estar”.
António Xavier refere ainda o caso de um homem que estava a trabalhar na Alemanha, mas que se mudou para a casa dos pais na aldeia, em teletrabalho. Fala ainda em polacos, holandeses, ingleses “e de toda a raça” a trabalhar na região.
Na sua opinião, o que contribuiu para a desertificação de muitas freguesias não foi a crise, nem a pandemia, mas sim o encerramento das extensões de saúde e das escolas. “Isso é que rebentou e deu cabo de muitas freguesias e vai ser difícil voltar atrás”, lamenta.
Do stress da capital para o sossego da aldeia
Sérgio Antunes, serralheiro de 39 anos, casado e pai de um filho é o exemplo de alguém que veio contribuir para o aumento da população na freguesia do Carvalhal.
“Estava cansado de Lisboa, aquilo é muito stress, o trânsito, uma pessoa sai de casa às 6 e chega a casa às 20 horas”. É desta forma que justifica a sua mudança, há cerca de um ano, para a aldeia que o viu nasceu.

Até o filho de 13 anos gosta mais de estar na aldeia onde “tem mais liberdade, pode andar na rua à vontade”.
Já tinha casa na aldeia e antes regressava às suas origens por vezes só de três em três meses por causa do preço das portagens. Agora que já se ajustou definitiva e novamente à aldeia, garante que não está arrependido de ter deixado Lisboa, porque é aqui que gosta de estar.
Na sua família, e por sua influência, uma cunhada e respetivo marido também estão a ponderar “regressar à base”.

Quatro fatores que explicam o aumento da população
Tentámos obter um comentário do presidente da Junta do Carvalhal sobre o fenómeno do aumento da população, mas Joaquim Santos delegou essa tarefa na sua filha, Cátia Santos, coordenadora do recenseamento na freguesia.
Pelo levantamento que efetuou, Cátia refere que o aumento não se deveu apenas a um fator. “Nós identificámos quatro fatores que influenciaram este aumento de habitantes”, explica.

Primeiro recorda que nos Censos de há 10 anos “houve alguns problemas com pessoas que não foram recenseadas porque não estavam em casa ou porque estavam de férias e havia casos de pessoas que estavam em trabalhos temporários no estrangeiro, não estavam cá na altura”.
Este ano, o cenário foi diferente devido à pandemia. “As pessoas não se ausentaram, estavam todas em casa”, justifica.
A pandemia também ajuda a explicar o retorno de pessoas que tinham segunda habitação no Carvalhal. Saíram daqui jovens à procura de trabalho para a zona de Lisboa e agora “voltaram para ficar”. Cátia refere casos de pessoas que vieram de Lisboa e aqui alugaram moradias para ficar, “o que não é comum numa freguesia do interior”.
Cátia dá o exemplo de um casal, em que o marido se reformou da GNR. Ele queria voltar para a terra, mas a esposa achava que já se não conseguia adaptar e viver novamente na aldeia uma vez que estava habituada à cidade. “Vieram para fugir à pandemia e a mulher gostou tanto de viver no campo que agora já não quer sair. Aqui têm a sua horta e animais de criação. Agora, a casa de Lisboa é para os filhos”, relata.
Um terceiro fator relaciona-se com o regresso de alguns emigrantes igualmente motivada pela pandemia, ou porque ficaram desempregadas ou porque se reformaram. A estes, juntam-se entre seis a oito estrangeiros, essencialmente ingleses, que restauraram casas e optaram por viver na tranquilidade da freguesia.
Questionada sobre o índice de natalidade na freguesia, Cátia reconhece que não foram os nascimentos que fizeram aumentar a população. A Junta de Freguesia criou um incentivo à natalidade com um subsídio de 500 euros por cada bebé, mas no mandato de quatro anos que está a terminar apenas se registaram seis nascimentos.