Sérgio Antunes trocou Lisboa pelo Carvalhal, freguesia que mais cresceu na última década na Sertã. Foto: mediotejo.net

Como se explica que na freguesia do Carvalhal, a mais pequena do concelho da Sertã e perdida no pinhal interior, a população tenha aumentado segundo o Censos 2021, enquanto a esmagadora maioria das freguesias do interior perderam habitantes? Quisemos perceber o que aconteceu na freguesia do Carvalhal para que, em 10 anos, tenha aumentado o número de moradores recenseados naquele território.

Para se chegar ao Carvalhal, seguimos pela EN238 e apanhamos a mítica EN2. Em estradas sinuosas, por entre pinheiros, carvalhos, sobreiros e eucaliptos, vamo-nos cruzando com motards e caravanistas que percorrem os mais de 700 km da EN2 a ligar Chaves a Faro. 

Ao entrarmos na aldeia sede da freguesia, no alto de uma serra, a paisagem é esmagadora. O verde e o vento fresco ajudam a amenizar o calor estival. No centro da aldeia está o minimercado e, ao lado, o café Cruzeiro, mais conhecido por café do Chico. Que melhor local poderíamos escolher para tentar perceber “o fenómeno do Carvalhal”?

Ao balcão, um adolescente recebe-nos e chama pela avó. Maria do Céu, a dona do café, avia-nos uma água a um preço que só se pratica nestas aldeias, 50 cêntimos. Metemos conversa com a senhora que nasceu e sempre viveu ali. Estava informada dos resultados do recenseamento, mas diz não notar grandes diferenças no número de habitantes. Pelo menos no seu negócio não nota qualquer incremento.

É certo que, para uma freguesia que em 2011 registava 465 pessoas, um aumento de 28 habitantes tem pouca expressão, são apenas mais 6 por cento.

Maria do Céu nota apenas que há mais estrangeiros na freguesia, informação que é confirmada por um cliente: “compram casas velhas, recuperam e aqui vivem”.

Os números do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras confirmam que há um aumento significativo de estrangeiros nos concelhos do interior. Não é por acaso que, por exemplo em Ferreira do Zêzere, as candidaturas autárquicas já tenham em conta essa comunidade. Há cartazes em inglês e campanhas para que os chamados “expat” se registem e participem nas eleições autárquicas.

Maria do Céu é a dona do café da aldeia. Foto: mediotejo.net

Maria do Céu refere também a presença de emigrantes que nesta altura vêm passar férias a Portugal, mas esses não entram nas contas do recenseamento. Reafirma estranhar os números “até porque faleceu muita gente de idade e não nasceu ninguém, dois ou três no máximo”.

Ao balcão a beber uma cerveja, está António Xavier, morador da freguesia, para quem são várias as razões para o aumento da população.

António Xavier (à dtª), morador na freguesia. Foto: mediotejo.net

“Há pessoal que veio de Lisboa, há alguns emigrantes que regressaram da Suíça e de França, também há alguns reformados que vieram de Lisboa e há ainda alguns estrangeiros a começar a legalizar-se aqui”, resume.

Sobre esses estrangeiros, concretiza: “temos ali cinco ou seis ingleses que já estão cá há vários anos, compraram casa, restauraram e gostam de aqui estar. Há um suíço que vai dois ou três dias à Suíça e depois volta porque é aqui que ele gosta de estar”.

António Xavier refere ainda o caso de um homem que estava a trabalhar na Alemanha, mas que se mudou para a casa dos pais na aldeia, em teletrabalho. Fala ainda em polacos, holandeses, ingleses “e de toda a raça” a trabalhar na região.

Na sua opinião, o que contribuiu para a desertificação de muitas freguesias não foi a crise, nem a pandemia, mas sim o encerramento das extensões de saúde e das escolas. “Isso é que rebentou e deu cabo de muitas freguesias e vai ser difícil voltar atrás”, lamenta.

Do stress da capital para o sossego da aldeia

Sérgio Antunes, serralheiro de 39 anos, casado e pai de um filho é o exemplo de alguém que veio contribuir para o aumento da população na freguesia do Carvalhal.

“Estava cansado de Lisboa, aquilo é muito stress, o trânsito, uma pessoa sai de casa às 6 e chega a casa às 20 horas”. É desta forma que justifica a sua mudança, há cerca de um ano, para a aldeia que o viu nasceu.

Freguesia do Carvalhal, no concelho da Sertã. Foto: mediotejo.net

Até o filho de 13 anos gosta mais de estar na aldeia onde “tem mais liberdade, pode andar na rua à vontade”.

Já tinha casa na aldeia e antes regressava às suas origens por vezes só de três em três meses por causa do preço das portagens. Agora que já se ajustou definitiva e novamente à aldeia, garante que não está arrependido de ter deixado Lisboa, porque é aqui que gosta de estar.

Na sua família, e por sua influência, uma cunhada e respetivo marido também estão a ponderar “regressar à base”.

O principal ponto de encontro da aldeia do Carvalhal. Foto: mediotejo.net

Quatro fatores que explicam o aumento da população

Tentámos obter um comentário do presidente da Junta do Carvalhal sobre o fenómeno do aumento da população, mas Joaquim Santos delegou essa tarefa na sua filha, Cátia Santos, coordenadora do recenseamento na freguesia.

Pelo levantamento que efetuou, Cátia refere que o aumento não se deveu apenas a um fator. “Nós identificámos quatro fatores que influenciaram este aumento de habitantes”, explica.

Junta de Freguesia tem incentivos à natalidade mas em quatro anos só nasceram seis bebés. Foto: DR

Primeiro recorda que nos Censos de há 10 anos “houve alguns problemas com pessoas que não foram recenseadas porque não estavam em casa ou porque estavam de férias e havia casos de pessoas que estavam em trabalhos temporários no estrangeiro, não estavam cá na altura”. 

Este ano, o cenário foi diferente devido à pandemia. “As pessoas não se ausentaram, estavam todas em casa”, justifica.

A pandemia também ajuda a explicar o retorno de pessoas que tinham segunda habitação no Carvalhal. Saíram daqui jovens à procura de trabalho para a zona de Lisboa e agora “voltaram para ficar”. Cátia refere casos de pessoas que vieram de Lisboa e aqui alugaram moradias para ficar, “o que não é comum numa freguesia do interior”.

Cátia dá o exemplo de um casal, em que o marido se reformou da GNR. Ele queria voltar para a terra, mas a esposa achava que já se não conseguia adaptar e viver novamente na aldeia uma vez que estava habituada à cidade. “Vieram para fugir à pandemia e a mulher gostou tanto de viver no campo que agora já não quer sair. Aqui têm a sua horta e animais de criação. Agora, a casa de Lisboa é para os filhos”, relata.

Um terceiro fator relaciona-se com o regresso de alguns emigrantes igualmente motivada pela pandemia, ou porque ficaram desempregadas ou porque se reformaram. A estes, juntam-se entre seis a oito estrangeiros, essencialmente ingleses, que restauraram casas e optaram por viver na tranquilidade da freguesia.

Questionada sobre o índice de natalidade na freguesia, Cátia reconhece que não foram os nascimentos que fizeram aumentar a população. A Junta de Freguesia criou um incentivo à natalidade com um subsídio de 500 euros por cada bebé, mas no mandato de quatro anos que está a terminar apenas se registaram seis nascimentos.

José Gaio

Ganhou o “bichinho” do jornalismo quando, no início dos anos 80, começou a trabalhar como compositor numa tipografia em Tomar. Caractere a caractere, manualmente ou na velha Linotype, alinhavava palavras que davam corpo a jornais e livros. Desde então e em vários projetos esteve sempre ligado ao jornalismo, paixão que lhe corre nas veias.

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