Ao longo dos últimos anos, têm sido tantas as dificuldades com que as comissões organizadoras de festas e arraiais populares se têm deparado, que esta apresenta-se atualmente como uma atividade em vias de extinção. Quem não gosta de ir a uma festa de verão comer um frango, dar um pé de dança, tirar uma rifa, jogar um cartão de loto, dar dois dedos de conversa com amigos, enquanto refresca a garganta com uma cervejinha? Então, quem e com que objetivo está a condenar à morte as festividades de verão?
As festas populares ganharam uma expressão extraordinária no pós-25 de Abril de 1974. Por um lado, abria-se espaço às liberdades, aos novos ritmos musicais, ao contacto mais próximo entre rapazes e raparigas, por outro lado estes eventos assumiram-se como uma estratégia para angariação de fundos por parte do tecido associativo, tivesse ele fins desportivos, recreativos, sociais, culturais ou apenas de melhoramentos locais.
As associações proliferaram como cogumelos, fazendo face a necessidades das populações, dando respostas a funções do estado a que este não chegava e, em muitas situações, continua a não chegar. Para além disso, estes arraiais de verão, em particular nos espaços rurais, contribuíram decisivamente para manter a ligação daqueles que partiam às suas aldeias e para que os seus descendentes criassem laços de afetividade com as terras dos seus pais e avós. As famílias e amigos continuaram a reencontrar-se.
Pode-se afirmar, em muitos casos, que estas festividades acabaram por ser decisivas para que os efeitos do êxodo rural não fossem tão graves quanto poderiam ter sido. As aldeias perderam muita população, mas em muitos casos a dinâmica das associações, beneficiando com os lucros das festas de verão, contribuíram decisivamente para que aos fins de semana muita gente regresse às aldeias e para que o espírito de comunidade se mantenha.
Estas festas, porém, há cerca de uma dezena de anos, têm sido alvo de tantos ataques, por via de exigências e limitações que lhes são impostas, que correm sérios riscos de deixarem de se fazer. Ora vamos a factos.
Primeiro foi o licenciamento, com mil e uma exigências, usando-se a mesma legislação para estes recintos improvisados que é aplicada aos festivais de verão que trazem músicos de nomeada e aglomeram milhares de pessoas. É a cozinha que tem que ser igual à de um restaurante, é a necessidade de um plano de emergência, ao mesmo tempo em que nas festas da sede dos concelhos se continua a usar bidões cortados a meio para assar frangos. Eu sei, os municípios licenciam-se a si próprios.
Depois foram as licenças da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), uma das entidades mais nebulosas deste país. Em tempos, todos os concelhos tinham um agente local que licenciava por um valor que tinha alguma decência. Entretanto, nos concelhos em que tal acabou, qualquer pequena festividade, com música ambiente e um grupo de baile em cada dia vê-se obrigado a pagar perto de 600 euros. É de loucos! Pergunto-me tantas vezes quem fica com este dinheiro, tanto mais que ninguém informa a SPA que músicas são tocadas.
“Primeiro foi o licenciamento, com mil e uma exigências, usando-se a mesma legislação para estes recintos improvisados que é aplicada aos festivais de verão que trazem músicos de nomeada e aglomeram milhares de pessoas. É a cozinha que tem que ser igual à de um restaurante, é a necessidade de um plano de emergência, ao mesmo tempo em que nas festas da sede dos concelhos se continua a usar bidões cortados a meio para assar frangos. Eu sei, os municípios licenciam-se a si próprios.“
José Martinho Gaspar
Entretanto, as autoridades policiais, especialmente este verão, começaram a aparecer nas festividades a levantar autos por se vender as bebidas em garrafas de vidro. Pegaram numa legislação de 2012 que proíbe a dispensa de bebidas em recipientes “contundentes” nestes “festivais” e obrigaram as comissões de festas a optarem pelos copos de plástico e pelas imperiais em vez das minis.
Quantos acidentes houve nestes arraiais devido ao uso de garrafas? Quantos objetos contundentes há nestes recintos? Num futuro próximo irão obrigar-nos a ter mesas, cadeiras e balcões de espuma, como se este fosse um parque infantil?
Com isto, as comissões tiveram despesas na ordem dos 5 cêntimos por copo de plástico, reduzindo os lucros cada vez mais escassos. Ao mesmo tempo, as hortas, as ribeiras, as beiras de estrada onde se realizaram estas festividades ficaram impregnadas de copos abandonados. Quando se quer reduzir o plástico, obrigou-se ao uso, só nas aldeias desta região, de dezenas de milhares de copos de plástico em vez do vasilhame reutilizável tradicionalmente usado.
É verdade que sabemos que apenas um pequeno número de entidades em Portugal está autorizado a promover jogos de sorte e azar. Todavia, o loto nas festas de verão sempre foi visto como um momento lúdico, para “segurar” as pessoas um pouco mais no recinto, para entreter e, também é verdade, para garantir mais 500 ou 600 euros de lucro. Também esta atividade, recentemente, começou a ser alvo de atenção por parte das autoridades. Terá isto a ver com as dificuldades incompreensíveis da Santa Casa, também ela uma entidade coberta por neblina?


Perante tudo isto, o que me apraz dizer, quando aqui chegamos, é que se se esforçarem ainda podem encontrar mais aspetos, nestes arraiais, que não estão em conformidade com a lei.
Foi assim que, bons alunos da União Europeia, acabámos com mil e uma tradições no nosso país, ao passo que outros continuam com as suas em vigor.
Veja-se, por exemplo, as sidrarias, nas Astúrias, com serradura no chão, onde se continua a despejar as sobras para um pequeno canal localizado sob o balcão. É por isto que toda a gente lá vai! Não perceberão isto os senhores da SPA, as autoridades policiais e outras? Diz-se que o mundo rural e o interior estão moribundos, mas com ações como aquelas que aqui descrevo estas autoridades estão a assinar a sentença definitiva.
Obrigado pelo excelente relato da realidade das nossas aldeias neste momento em Portugal. Parabéns José Martinho tenho esperança que esta narrativa seja lida por quem de direito e que se altere procedimentos enquanto ainda há tempo.
Absolutamente de acordo José Martinho..
É importante falar disto sem rodeios….
Um artigo excelente!! Só discordo na parte que fala do uso dos copos de Plástico em vêz das garrafas.Na última vez que se usou garrafas na festa da minha aldeia a festa acabou depois de um indivíduo ter partido uma garrafa bjs cabeça de outro!! De resto concordo plenamente consigo, a questão dos direitos de autor e quase mafiosa!!
Concordo tb! Porque na realidade se houver onde colocar os copos de plástico e as pessoas deixarem de ser porcas e os colocarem no chão tudo funciona e o perigo é reduzido. Exemplo disto são as festas do Algarao Benedita, na qual já há anos há pelo recinto vários (mts) sítios onde colocar os copos de plástico! E é impressionante como toda a gente é cooperante! Mt bonito de se ver! Bem ajam e por favor NÃO ACABEM COM AS FESTAS POPULARES
Absolutamente de acordo com o texto que escreveu.
Não gosto da maioria das festas das aldeias.
Acho bem que as leis sejam exigentes para que as piores possam ser extintas, finalmente.
Muito bom dia a todos . Aqui esta um relato muito verdadeiro e que muitos desconhecem. Tanto trabalho que estas festas dão às organizações e seus ajudantes . Isto tudo por amor a camisola , amor a sua terra.
AS REGRAS E LEIS DESTE PAÍS ESTAO A MATAR ESTAS INICIATIVAS.
OBRIGADO A TODOS OS QUE TRABALHAM PARA DAR MOMENTOS DE FRATERNIDADE , CONVIVIO E ALEGRIA AO POVO.
MUITO OBRIGADO A TODOS DO RAMALHAIS FREGUESIA ABIUL QUE LUTAM ANO APOS ANO PARA QUE AS FESTAS NÃO ACABEM.
LOUIS
Muito bem falado. Concordo plenamente com o exposto. De facto a ideia que nos fica (e não está longe da verdade) é que existe um interesse enorme em acabar com a aglomeração de pessoas, seja por que motivo for. E para tal vão se criando leis e proibições que cada vez estrangulam mais a liberdade das pessoas. Eu trabalho um pouco pelo mundo, e este verão estava na Alemanha, onde fui a uma festa tipo arraial. Lá não se usam copos nem canecas de plástico, a comida é servida à vontade do freguês e todos se divertem. Vamos fazer um exercício mental: será mais perigosa uma garrafa de mini ou uma caneca de litro de cerveja? Acho que a resposta é muito fácil e lógica de obter. Também acho que as questões ambientais não passam de um trunfo que os governos usam quando lhes interessam votos. Temos que acabar com os sacos de plástico, as palhinhas, as caixas de comida. E depois OBRIGAM a usar copos de plástico numa festa ou arraial!? Algo não está bem. Talvez seja mais um lobi para que os amigos deles (governantes) se vejam livres de stocks que ficaram pendurados com as leis anti plástico. Porém a culpa é tão e somente do povo português que não se une nem se manifesta em conjunto para exigir o que temos direito. Fala se pela calada nas mesas dos cafés mas não passa disso. Ainda vivemos no medo e na herança da ditadura. Que segundo parece está a voltar aos poucos.
Apesar de concordar com tudo. Já reparou que não muda nada. Por muito que custe o poder faz o que quer. E nós nada fazemos escrever é a solução? Não… Vamos reclamar no sítio certo?
Falo por mim estivemos quietos e deixamos , morrer muitas coisas. Vamos continuar?
Um forte abraço a uma sociedade que falar é fácil… atuar fica aquém…
Pois claro…em vez de irem para estas festas do “povo” estejam mas é a ver a TV deste “país” dedicada exclusivamente a atrasados mentais e lavagens ao cérebro ! Além disso um “povo” digno dos políticos que temos tem que ser um povo estupidificado para não fazer ondas ! Cada vez mais terceiro-mundista na UE.
Realmente é essa a realidade que temos vindo a ver no nosso país…. A quase 38 anos a viver cá sempre fui a várias aldeias para saborear de um bom frango assado, conviver com muita gente que só nos encontrávamos nessas alturas, as rifas os lotos, o pesinho de dança e ver as crianças correndo de um lado para o outro e algumas até conseguiam ir ter com os músicos kkkkkkkkk era uma alegria…. É hoje infelizmente tudo está a perder a graça… Depois de 3 anos que não ia comer o fraguinginho as festas… Este ano fui conher a festa de Santiago de monte Alegre e quero aqui deixar os meus parabéns a toda organização pois estava tudo muito bem organizado apesar do tempo de espera mas que é normal em qualquer outra festa…. Espero pro ano lá voltar isso se todas exigências não darem cabo da festa.
Parabéns Zé Martinho pelo seu artigo e continue mantendo nos informados de toda esta palhaçada que acontecendo no nosso país… Cumprimentos