Considerado “um dos sítios arqueológicos mais importantes do país e até a nível europeu”, a Gruta da Avecasta, no concelho de Ferreira do Zêzere, tem sido palco de aulas em contexto prático para alunos do curso de conservação e restauro do Instituto Politécnico de Tomar.
No segundo trimestre deste ano, após a fase mais crítica da pandemia de Covid-19, foram retomados os trabalhos arqueológicos coordenados pelo arqueólogo José Mateus, que há mais de três décadas se dedica ao estudo do povoado da Avecasta.
Em maio e junho, Ricardo Triães, professor da disciplina de conservação de bens arqueológicos daquele curso, levou os seus alunos “para aquilo que é a realidade de intervenção neste caso num sítio arqueológico”.
É um trabalho de campo através do qual se tentar “proporcionar aos alunos uma experiência que tem uma componente pedagógica que é a atividade de conservação dos bens e sítios arqueológicos”. Com estas aulas práticas, pretende-se complementar o trabalho de laboratório ou de gabinete de modo a que se tenha “esta perspetiva de compreender os sítios e o porquê”.
“É uma aula em contexto prático e a aprendizagem é feita com aquilo que é a realidade do sítio”, resume Ricardo Triães.

No dia em que visitámos o local, os alunos – entre os quais estava uma estudante grávida de sete meses – procediam à limpeza e lavagem dos materiais arqueológicos retirados da gruta procurando identificá-los, através das texturas e das marcas de trabalho.
Facto é que os alunos revelavam grande entusiasmo pela experiência, confessando que preferiam estar ali a trabalhar, mesmo com muita lama pelo meio, do que estar na sala de aula.
“Os alunos estão a gostar muito destas aulas práticas”, confirma o professor, salientando que neste caso “a aprendizagem faz-se de uma forma muito mais espontânea”.

Ecomuseu da Avecasta em fase de projeto
O vereador Hélio Antunes, da Câmara Municipal de Ferreira do Zêzere, tem acompanhado os trabalhos arqueológicos na Gruta da Avecasta que, sobretudo no verão traz aquele sítio várias equipas de estudantes e investigadores.
Se a pandemia obrigou a suspender os trabalhos no terreno, “fez-se mais trabalho de bastidores”, explica o autarca que revela já estar criada a reserva arqueológica de Ferreira do Zêzere “que está para validação na DGPC – Direção Geral do Património Cultural”.
Apesar de estarmos perante “um potencial enorme” em termos patrimoniais, o autarca lamentou a falta de apoios por parte do Estado Central.
“Os trabalhos têm sido feitos apenas com apoio exclusivo do município. Era importante que a DGPC olhasse para a Avecasta não como um projeto local, mas como um sítio de interesse arqueológico a nível nacional e que disponibilizasse, meios, recursos e algum apoio financeiro”, defende Hélio Antunes.
O objetivo “ambicioso” da autarquia é criar ali o “Ecomuseu da Avecasta” onde “vai ser possível apreciar ao vivo o trabalho de arqueologia e visitar o espaço”. “Estamos a criar condições para que seja possível conciliar o turismo com o trabalho de investigação, o que vai tornar o espaço sustentável e mais agradável à visita e acima de tudo continuar a dispor de meios para investigação”, explica o autarca.
O trabalho de investigação naquela gruta e zona envolvente, naquilo que Hélio Antunes considera ser “uma escola viva”, é “um trabalho para 100 anos”.
Por isso a ideia é “ir trabalhando camada a camada” na descoberta dos achados que retratam a história da humanidade, a fauna e a flora de muitos séculos.

Camadas de história
O arqueólogo José Mateus anuncia para este verão o arranque da quarta fase de escavações na Gruta da Avecasta, após o rescaldo da terceira fase do projeto de salvamento arqueológico que consistiu em intervir em zonas afetadas, destruídas por máquinas há décadas.
“A Avecasta são muitas aldeias. São muitos séculos de uma vivência permanente, doméstica que tem fulcro na gruta, mas que se estende pelo cabeço, pelas imediações”, explica o investigador que tem dedicado grande parte da sua vida a estudar este sítio arqueológico.
Se normalmente os sítios arqueológicos aparecem quando há erosão, a Gruta da Avecasta “é uma espécie de inverso daquilo que acontece na arqueologia portuguesa e arqueologia em geral. Aqui temos um “saco” modelado na pedra calcária que vai recebendo lama, argila, que vai colmatando estas ocupações”, realça.
Ali foram encontrados em camadas de vários metros de profundidade, além de inúmeros materiais pétreos e cerâmicos, ossos e locais de conservação de sementes.
Em junho, elementos do Laboratório Hércules da Universidade de Évora realizaram trabalhos técnicos na Gruta de Avecasta, um apoio especializado, com recurso a tecnologia de ponta de forma a garantir análises químicas aos vários taludes de escavação efetuados.
Pretende-se obter mais informação e estudos arqueológicos mais aprofundados acerca das várias fases de ocupação humana da gruta e também dos minerais encontrados. Em simultâneo o objetivo é fazer o respetivo trabalho de fotogrametria, tarefas que se prolongaram durante o mês de julho.
Ferreira do Zêzere | Gruta da Avecasta, “um dos sítios arqueológicos mais importantes do país”