Num terreno que guarda memórias da Irmã Lúcia, o Luz Houses, inaugurado há seis meses no Moimento, freguesia de Fátima, em Ourém, foi distinguido na sexta-feira à noite, 30, nos World Boutique Hotel Awards, em Londres, um prestigiado concurso que analisa os melhores hotéis “boutique” do mundo. O hotel português venceu na categoria de “Newcomer” (estreante). Os espaços premiados são estruturas de pequena dimensão, com uma grande aposta no design e no conforto, bem integrados na paisagem e na história dos locais onde nasceram.

Ao entrar na estrada principal do Moimento, o portão de cor verde esbatida, a puxar o azul (aquele tom muito típico com que se pintavam as madeiras na casas da região), com o logotipo “Luz” quase passa despercebido. Por vezes é necessário dar meia volta e ir de mansinho, para não perder a entrada. O Luz Houses mistura-se com a natureza que o rodeia. É Fátima no conceito mais original, de mato, pasto e rebanhos de ovelhas, que carateriza a história da terra.

Quem leu as Memórias da Irmã Lúcia terá passado por vários trechos onde esta mencionava um terreno chamado “Estrumeira da Conceição”, onde existia uma cisterna, a “Cisterna do Abóbora” (alcunha do pai de Lúcia), e onde, conta a tradição, os rebanhos viriam beber água a caminho da Cova da Iria. É aqui que se situa exatamente o Luz Houses, terreno que pertencia ao padrinho da Irmã Lúcia, casado com a madrinha Teresa, descrita pela pastorinha nas suas memórias. Esse senhor, que mais tarde enviuvou, é o bisavô do atual proprietário, Pedro Silva.

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Pedro Silva criou um hotel-boutique marcado por pormenores que fazem a diferença

Concebido como uma reinterpretação da cultura e arquitetura da região da Serra D’aire, sem esquecer o fator ecológico, o Luz Houses arrecadou este nome quase por acaso. Pedro Silva reconhece que chamar ao pequeno hotel “Estrumeira da Conceição” não seria muito apelativo. Mas é neste sentido cultural que procurou manter os traços característicos da aldeia de Aljustrel (terra dos três pastorinhos, ao lado), que reside a essência do Luz Houses. As casas foram construídas todas de raíz, com características atuais e maior entrada de luz. A ligação a Fátima tornou o nome “Luz” mais simbólico. A “Estrumeira da Conceição” deu assim origem a “Luz Houses”. Hotel boutique, composto por diversas casas de alojamento.

Pedro Silva é crítico da transformação de Aljustrel, cujas únicas casas tradicionais são as dos pastorinhos, hoje museus. Tudo o resto deu lugar a lojas de artigos religiosos e regionais, desfigurando-se um património que poderia ter sido aproveitado. O Luz Houses baseou-se no livro “Aljustrel – Uma Aldeia de Fátima” e procurou manter, de forma mais atual, essa identidade.

Quem entra encontra de imediato um parque onde o mato, os carvalhos, os medronheiros e as azinheiras definem o estacionamento. Na “Mãe Casa”, somos recebidos pela mensagem “a soul experience”. É este ambiente de paz e tranquilidade, que atrai sobretudo casais e pequenas famílias, nem sempre com intentos de peregrinação a Fátima, que define a Luz Houses.

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“Foi uma investigação feliz, isto era o meu quintal”, refere Pedro Silva, 38 anos, recordando que foi há perto de cinco anos que ele e a esposa, arquiteta, começaram a criar o conceito e a investigar o passado histórico do terreno. O conjunto que este ano apresentaram aos World Boutique Hotel Awards é um manancial de pequenos detalhes, onde cada parede, cada armário, cada almofada, cada quarto, candeeiro, bancada contém uma mensagem e uma premissa para refletir.

Logo à entrada, numa pequena mercearia de produtos nacionais e com uma balança a condizer, somos recebidos com uma frase d’O Principezinho: “O essencial é invisível para os olhos”. Na sala de jantar, onde a ementa contempla apenas refeições ligeiras, Fernando Pessoa dita que “boa é a vida, mas melhor é o vinho”. Almofadas com rostos de rebanhos compõem os aconchegantes sofás e uma “árvore”, com corações de papel repletos de mensagens, integra um canto dedicado às fotografias. O Luz Houses tem ainda uma ermida, cuja paisagem pela janela mostra um caminho rural que segue até ao Calvário Húngaro, nos Valinhos.

20151022_141200“Queremos que as pessoas se sintam em casa”, refere Pedro Silva ao falar do seu “Honesty Bar”, onde os clientes se servem à vontade e registam a despesa num pequeno livro de contas. Até porque “as próprias casas falam com as pessoas”, comenta, descrevendo as várias particularidades do hotel.

Passamos pelos 15 quartos, todos duplos, que dão para um máximo de 40 pessoas, alguns com pequenas cozinhas para usufruto dos clientes. Há bicicletas para passeios pela mata. Ao longe, um curral de pedra, “à moda antiga”, guarda um pequeno rebanho de ovelhas. “Somos bastante procurados por casais que procuram tranquilidade e algum romantismo.”

Cláudia Gameiro, 32 anos, há nove a tentar entender o mundo com o olhar de jornalista. Navegando entre dois distritos, sempre com Fátima no horizonte, à descoberta de novos lugares. Não lhe peçam que fale, desenrasca-se melhor na escrita

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