Miguel Almeida, 22 anos, na sua casa nos arredores de Fátima, onde passou mais de dois meses em isolamento, na sequência de vários testes positivos à covid-19. DR

Não um, nem dois, nem três testes. Miguel Almeida já teve de fazer o terrível teste de zaragatoa ao novo coronavírus por 12 vezes. Mas pior do que sentir tantas vezes a dor de um cotonete gigante entrar pelo nariz e descer pela garganta é receber sistematicamente o temido resultado: positivo.

Miguel tem 22 anos, vive em Fátima e é empregado de restaurante. Nunca teve sintomas, sentiu-se sempre bem, mas foi preciso passar três semanas em isolamento para as análises darem, finalmente, negativo.

Mais de um mês depois de ter “alta”, foi-lhe pedido um segundo teste de confirmação para regressar ao trabalho. Apesar de entender “que não se justificava”, o médico acedeu e passou-lhe a credencial. Quando lhe ligaram para comunicar o resultado, o rapaz sentiu que o mundo lhe escapava debaixo dos pés: positivo, outra vez.

Terá sido uma reinfeção ou uma reativação do vírus? Esta é uma questão que está a intrigar a comunidade médica mundial, e que poderá colocar em causa vários procedimentos de saúde pública que hoje temos em vigor, como o de considerar suficiente o isolamento profiláctico de 14 dias ou dar como recuperado um paciente após dois testes negativos.

Uma vez mais, Miguel não tinha quaisquer queixas. “Nem febre, nem dores, nada…”, diz, lembrando apenas que, uma semana antes do primeiro teste positivo, ficou sem paladar. “A comida não sabia ao mesmo, mas foi o único sintoma”, explica, embora na altura não tivesse valorizado a situação. A mãe e o padastro, com quem vive, também se queixaram do mesmo. E também eles viriam a ter testes positivos para o SARS-CoV-2, no final do mês de abril.

Foi nessa altura que a avó de Miguel caiu e, na sequência de uma ida ao hospital, foi-lhe realizado um teste ao novo coronavírus. Estaria tudo bem e regressou a casa, continuando a receber diariamente os cuidados da mãe de Miguel.

“Nove dias depois ligaram-nos a dizer que tinha havido um engano e que a minha avó, afinal, tinha covid-19”, conta Miguel, ainda indignado com a possibilidade de haver trocas de testes em situações desta gravidade. Lá em casa foram todos testados, então – e todos estavam infetados.

Passados 14 dias, a avó, a mãe e o padastro de Miguel receberam testes negativos. Só ele continuaria a ver avançar o mês de maio, sempre na expectativa de mais um exame, em busca da “alta” desejada.

Fez três testes “inconclusivos” e, a 15 de maio, recebeu finalmente o primeiro resultado negativo. Além do alívio por estar livre do vírus, seria livre outra vez – podia sair de casa, estar com amigos, trabalhar.

Foi por insistência da sua entidade patronal que, quase um mês depois, pediu ao médico para realizar um  novo teste, uma vez que essa é a recomendação da Direção-Geral de Saúde para haver um regresso “seguro” ao trabalho. Foi então que percebeu que o pesadelo estava longe de terminar.

“A princípio ainda pensei que fosse um engano, não queria acreditar que estava positivo outra vez…”, conta, lamentando que todos os seus colegas de trabalho tivessem de ir ser testados em seguida. “Felizmente todos deram negativo, só eu é que voltei para casa.”

Depois reiniciou-se o calvário de Miguel, de teste em teste positivo, durante mais um mês. Sempre sem sintomas, apenas uma revolta a crescer dentro de si, por não saber como lutar contra este inimigo invisível.

Só no passado sábado, 11 de julho, conseguiu ter a segunda análise negativa que lhe permitiu regressar ao trabalho. Foi bem recebido pelos patrões e pelos colegas, que só lhe merecem elogios, e diz que não sentiu qualquer estigmatização.

Talvez o mais assustado seja mesmo ele, que entra nesta nova fase da vida como se caminhasse em cima de um tapete de ovos. “Tenho todos os cuidados, uso máscara e limpo as mãos com álcool de dez em dez minutos”, explica, lembrando o que os médicos não se cansam de repetir: “Ninguém está livre…”

Uma questão de imunidade 

Depois de dois testes negativos e de serem dados como “recuperados”, começaram a surgir vários casos de cidadãos novamente doentes, em vários países do mundo. Na China estão a ser estudados vários pacientes que voltaram a ter testes positivos para covid-19 mais de dois meses depois de terem recebido alta médica. Em Itália, as autoridades de saúde reportaram também à Organização Mundial de Saúde que alguns pacientes com coronavírus mantiveram resultados positivos durante mais de um mês.

A possibilidade de algumas pessoas serem reinfetadas ou permanecerem positivas é um crescente motivo de preocupação, numa altura em que os países querem aliviar os confinamentos e retomar a atividade económica.

Perante estes casos, a diretora-geral da Saúde afirmou hoje que não há provas de que possa ocorrer uma reinfeção de alguém que já tenha tido covid-19, mas que pode haver testes positivos devido à presença de “partículas virais”.

“Não há neste momento evidência de que haja reinfeção nem que as pessoas que venham a testar positivo [depois de consideradas curadas] tenham a capacidade de transmitir” a doença, afirmou Graça Freitas na conferência de imprensa diária de acompanhamento da pandemia no Ministério da Saúde.

No entanto, deve manter-se “o princípio da cautela”, defendeu, e mesmo depois de dadas como curadas ao fim de dois testes negativos, as pessoas devem “manter as medidas” de precaução para evitar contrair ou transmitir o novo coronavírus, como o uso de máscara, lavagem das mãos ou etiqueta respiratória.

Sem “prova inequívoca desse fenómeno da reinfeção”, o que se sabe é que há pessoas que podem “ter um teste positivo, mas isso não significa nem que estejam reinfetadas, doentes ou possam transmitir”, mas que “na sua área respiratória inferior existem partículas virais que dão positivo no teste que as detete”, referiu.

“Isso não quer dizer que sejam partículas viáveis do vírus que são capazes de provocar outra vez a doença ao próprio ou a outras pessoas”, reforçou.

Em relação à imunidade adquirida por pessoas que tenham recuperado da covid-19, Graça Freitas referiu que “não se sabe a duração” dos anticorpos encontrados no organismo nem qual a real capacidade que têm de proteger, indicando também que há outro mecanismo imunitário, as chamadas ‘células T”, que pode desencadear alguma imunidade mesmo sem presença de anticorpos.

Graça Freitas afirmou que o Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge está a fazer testes serológicos – que medem a presença de anticorpos para o SARS-CoV-2 – e que já tem um programa de mais testes supletivos para avaliar a imunidade criada pelo contacto com o vírus.

A diretora-geral da Saúde diz ter também confiança nos testes de diagnóstico que são realizados em Portugal, dizendo que seguem um programa de controlo de qualidade feito por “instituições idóneas” e que os laboratórios licenciados que os realizam também fazem esse controlo. “Todos os testes têm uma sensibilidade e uma especificidade que não é de 100%”, havendo que “contar com uma margem de falsos negativos e positivos, e por isso é que se repetem quando se justifica”.

*Com Lusa 

Patrícia Fonseca

Sou diretora do jornal mediotejo.net e da revista Ponto, e diretora editorial da Médio Tejo Edições / Origami Livros. Sou jornalista profissional desde 1995 e tenho a felicidade de ter corrido mundo a fazer o que mais gosto, testemunhando momentos cruciais da história mundial. Fui grande-repórter da revista Visão e algumas da reportagens que escrevi foram premiadas a nível nacional e internacional. Mas a maior recompensa desta profissão será sempre a promessa contida em cada texto: a possibilidade de questionar, inquietar, surpreender, emocionar e, quem sabe, fazer a diferença. Cresci no Tramagal, terra onde aprendi as primeiras letras e os valores da fraternidade e da liberdade. Mantenho-me apaixonada pelo processo de descoberta, investigação e escrita de uma boa história. Gosto de plantar árvores e flores, sou mãe a dobrar e escrevi quatro livros.

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