Foto tirada a 13 de outubro de 1917, aquando o "milagre do sol", e publicada no jornal "O Século". Foto D.R.

Milagre ou histeria coletiva? Ilusões ou a experiência mística de três pastorinhos? O dia em que o sol bailou ou apenas um eclipse? A história factual do que sucedeu entre maio e outubro de 1917 na Cova da Iria está repleta de zonas cinzentas, que deixam muito à interpretação de cada um, quer se queira olhar pelo lado da fé ou pelo lado da razão. A poucos dias do centenário das Aparições de Nossa Senhora aos três pastorinhos de Aljustrel, o mediotejo.net republica algumas das notícias dos jornais locais, regionais e nacionais sobre o que aconteceu em Fátima, em 1917.

No Arquivo Municipal de Ourém amontoam-se um conjunto de jornais antigos e cópias de múltiplas publicações nacionais. É o espólio existente, em termos de organismo público municipal, da passagem de Fátima pelos órgãos de comunicação nacionais. De Ourém, quase nada. Algumas edições do jornal “O Povo de Ourém” de 1910 e de “A Voz de Ourém” de 1913, ambos dirigidos pelo então administrador do concelho, Artur de Oliveira Santos. O Boletim Municipal “O Ouriense” ainda abre a expetativa quanto a um registo local sobre os três pastorinhos mais famosos do concelho, mas fora duas edições de 1916 e duas de 1917 (uma curiosamente de 13 de maio e outra de julho) nada mais há a marcar localmente a época.

Ainda perguntamos sobre o interrogatório de Artur de Oliveira Santos aos três pastorinhos – um momento polémico da história de Fátima, em agosto de 1917, pelas diferentes versões que dele existem – mas tal também não se encontra em arquivo. A maioria dos exemplares de 1917 que o mediotejo.net consulta são de jornais locais, regionais e nacionais de várias zonas do país, menos de Ourém.

O Arquivo Municipal, de resto, conforme assume a funcionária, é pouco consultado sobre a temática de Fátima, sendo que o Santuário tem o seu próprio arquivo. Uma grande parte do espólio existente em Ourém foi doado pela família de Artur de Oliveira Santos, que ao longo dos anos tentou limpar a imagem de “algoz dos pastorinhos” (título que lhe deu o jornal Diário da Manhã em 1951) pela célebre ameaça de que os queimaria num caldeirão de azeite a ferver se não dissessem que mentiam. No arquivo há registos da defesa do autarca e versões algo contraditórias desse distante 13 de agosto de 1917.

Além do que ficou na História, interessou ao mediotejo.net reproduzir as crónicas e notícias de então sobre Fátima, oferecendo aos nossos leitores a visão que o fenómeno despertou na época, sobretudo nas gentes de Fátima e da sua região. As peças mais conhecidas são as do jornalista Avelino de Almeida, nomeadamente a reportagem, amplamente citada, no jornal “O Século”: “Como o Sol bailou ao meio dia em Fátima”.

Há também outros textos publicados no jornal “Dia” e na revista “Ilustração Portuguesa”, que são a fonte, grosso modo, da maioria das notícias publicadas entre outubro e novembro de 1917 na imprensa regional. Há também testemunhos de pessoas que alegam ter assistido ao milagre e crónicas sarcásticas sobre a crendice popular.

O mesmo confirmámos no Santuário mariano, onde o Arquivo nos autorizou a consulta da “Documentação Crítica de Fátima”. É uma coletânea de vários volumes que reúne os interrogatórios aos três pastorinhos, cartas e transcrição das notícias publicadas nos jornais sobre Fátima, desde 1917, disponível para venda nas livrarias. Confirmamos aqui a sensação, já deixada pelos textos do Arquivo Municipal, de que, com exceção de alguns jornalistas nacionais, pouca é a comunicação social que se desloca efetivamente à Cova da Iria para constatar os factos e a dinâmica das peregrinações. Muito se escreve, muito se opina, muito se contesta, muito “se diz”, muitas cartas de leitores se publicam. Mas poucos jornalistas, ainda que correspondentes locais, mostram ter estado efetivamente em Fátima.

O século XIX foi a época de ouro da imprensa. Aí se fundou uma noção de profissão e de ética profissional do jornalista, tão discutida nestas primeiras décadas do século XXI. Fátima surge antes da rádio e muito, muito antes, da televisão. Em plena Grande Guerra, numa desorganizada Primeira República e a laicização do Estado, no ano da ascensão de Sidónio Pais, e no ano da revolução bolchevique na Rússia, que tanto marcaria as décadas seguintes de Fátima e o seu célebre segredo.

O arquivo noticioso sobre Fátima de 1917 é talvez a forma mais genuína que hoje subsiste dos acontecimentos. Tudo o resto é História.

(O presente texto resulta das impressões deixadas pelas consultas no Arquivo Municipal de Ourém e no Arquivo do Santuário de Fátima, aquando a recolha de material noticioso de 1917. Não deve ser confundido com uma investigação histórica académica, ampla e aprofundada sobre o tema.)

Cláudia Gameiro, 32 anos, há nove a tentar entender o mundo com o olhar de jornalista. Navegando entre dois distritos, sempre com Fátima no horizonte, à descoberta de novos lugares. Não lhe peçam que fale, desenrasca-se melhor na escrita

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