A manhã começa cedo, com ponto de encontro no Parque Urbano de São Lourenço, em Abrantes. A autarca já iniciara a sua típica caminhada matinal, à qual nos juntámos para iniciar uma conversa informal sobre o dia-a-dia na cidade que gere há 8 anos. Bem-disposta e descontraída, Maria do Céu Albuquerque falou abertamente sobre as potencialidades do concelho, sobre a estratégia para o turismo, sobre o projeto de revitalização do centro histórico e sobre os desafios que se impõe num lugar que comemora 101 anos de elevação a cidade. Tempo houve também para conhecer um pouco mais sobre a mulher, a mãe, a filha… a cidadã por detrás do cargo de Presidente de Câmara tendo sido, aliás, a primeira mulher a assumi-lo em Abrantes.

Na passadeira, em São Lourenço, já muitos outros cidadãos caminhavam, corriam, passeavam os seus cães. O sol começava a aquecer e a manhã estava calma. A caminhada já havia começado às sete e meia. “Já estou a caminhar há algum tempo e gosto particularmente da manhã”, contou-nos. “Este normalmente é o meu espaço de caminhar de manhã [Parque Urbano de São Lourenço, Abrantes] pese embora às vezes também faça o circuito do castelo, outras vezes o Aquapolis, mas claramente este é o meu registo: é vir para São Lourenço”.

“A manhã é muito inspiradora, quer seja no verão, é claro que é muito mais simpático de manhã porque depois, durante o dia, o calor é imenso. Mas mesmo no inverno, mesmo com frio, nos dias em que não chove é muito mais simpático porque acabo por ganhar uma energia com a prática do exercício e mesmo com o contacto com o ar livre que gosto particularmente.”

Maria do Céu Albuquerque recupera de uma cirurgia que a obrigou a fazer fisioterapia e a parar a prática desportiva, como tal, o piso plano de São Lourenço ajuda-a a recuperar o ritmo… E não só. “E depois, cruzo-me com as pessoas. Há muitas pessoas que utilizam esta passadeira para fazer exercício também, para correr, caminhar, andar de bicicleta, e gosto muito deste despertar, assim… de contacto com as pessoas”, desvendou.

Quanto à abordagem das pessoas e à sensação de estranheza que eventualmente poderia gerar-se junto da população ao cruzar-se com a autarca, Maria do Céu Albuquerque refere que a abordagem acontece muito, mas a estranheza nem tanto.

“No início sim, as pessoas estranhavam. Hoje não, eu acho que passei a fazer parte também destas suas rotinas. Aliás, aconteceu uma coisa curiosa, há dois meses, quando fiz a cirurgia, deixei de caminhar e depois voltei, ainda de muletas, conseguia já fazer uns passinhos, e achei curioso porque, um dia, estava a caminhar e há um munícipe que vem ter comigo e diz “Ahh! Já tinha estranhado a sua falta!”, e eu disse “Ai sim?”. Ao que o munícipe respondeu “Sim! Porque deixou de aparecer, e agora já percebo porquê”. Mas a dada altura concretizou, e disse-me “Sabe… é que até o cuidado nos canteiros é diferente quanto está cá… Hum… A presidente não sei onde é que anda…”, contou entre risos e boa disposição.

As pessoas abordam muitas vezes a presidente sobre questões que gostavam de ver resolvidas, e para si esse é um sinal “muito importante”.

“Há uma coisa que eu gosto particularmente: que as pessoas percebam que eu sou uma pessoa igual a todas as outras, também tenho as minhas rotinas, também tenho os meus gostos pessoais, e que faço mais coisas para além de ser presidente de Câmara e fazer este exercício público. Se bem que, em tudo aquilo que eu faço, depois não deixo de concretizar o exercício público, como é o caso da caminhada. É um pouco por aí.”

A adesão da comunidade à prática de exercício físico, desporto e de estilos de vida saudável, “nota-se bastante”.

“Fazemos um esforço muito grande de investimento no desporto, em duas vertentes: uma de fruição, uma vertente de cidadania, de formação, de proporcionar às pessoas, crianças, jovens, idosos, à comunidade em geral o contacto com as modalidades. E depois, claro, uma vertente de competição que também é salutar e também é importante, até para motivar a sociedade civil, as nossas comunidades, associações que são imensas – temos cerca de 180 associações no concelho, que um pouco por todo o concelho vão promovendo a cultura, o desporto, a ação social – e isto é para nós muito importante”.

A autarca entende que as pessoas “começam a ter uma maior consciencialização de que é fundamental mudarem de vida, terem outras práticas, e acho que já interiorizaram que o desporto é importante, e por isso, cada vez se vêem mais pessoas a caminhar, até porque, costumamos dizer, a caminhada não tem custos associados, a não ser ter uns bons ténis para proteger as articulações, e portanto as pessoas acabam por usufruir”.

Mas uma simples caminhada, uma prática sem custos alocados, pode ser extremamente libertadora. “Este momento da caminhada é um momento também muito interessante: nós fazemos caminhadas um pouco por todo o concelho, este ano, por exemplo, todas as nossas freguesias organizaram com a autarquia uma caminhada para dar a conhecer a própria freguesia, e as caminhadas por si são momentos de descontração, de prática de exercício físico, mas também de partilha, de conversa, de socialização. Porque eu vou, e levo uma amiga, e acabamos por conversar. Ou então, como é o meu caso muitas vezes, são momentos de reflexão, porque ou trago os meus fones e ponho música, ou porque não quero ouvir música, porque quero estar vazia, digamos assim… São momentos de facto importantes”.

O gosto pela prática desportiva vê-se cada vez mais, “tanto de manhã a esta hora, esta passadeira de S. Lourenço está sempre cheia de gente, mas também ao final do dia, quando o tempo depois já assim o permite, como ao fim-de-semana há imensa gente por si também a fruir destes espaços”. E aqui, o grande potencial em termos do turismo de desporto e de natureza é elemento-chave para a atração de visitantes à cidade e ao concelho.

“Temos o turismo de natureza, o desporto de natureza propriamente, através das rotas e dos caminhos que fomos criando, a GR do Zêzere é um exemplo feliz desse investimento, que quer promover a prática de btt, a caminhada, ou utilização de embarcações, através da albufeira de Castelo do Bode. Seja também o Caminho do Tejo, que entrando em Alvega e depois terminando na Amoreira, e continuando para Constância e Vila Nova da Barquinha, e que, estamos neste momento a preparar para ligação a Gavião, é um exemplo de que não só para os nossos cidadãos, tentarmos que o desporto possa ser um fator atrativo cada vez maior para o nosso território”, contou a autarca.

Mas os planos não ficam por aqui, pois há muito território por explorar. “Temos um património natural muito importante, e claramente, esta bacia hidrográfica do Tejo reveste-se dessa importância, e nós queremos queremos firmar a nossa presença no Médio Tejo, no meio de Portugal, para podermos atrair mais turistas, nomeadamente aproveitando os caminhos religiosos, o caminho de Fátima, o de Santiago, e capitalizarmos a partir daí”.

Também o turismo desportivo tem sido um investimento “importante”, que tem levado à celebração de protocolos com as Federações nacionais de Natação, de Atletismo, de Futebol, “para trazermos para as nossas infraestruturas, para o nosso concelho, um conjunto de iniciativas de caráter nacional e até internacional, porque é dessa maneira que sabemos que vamos conseguir trazer mais pessoas para dormir, comerem, fazerem compras, na nossa cidade, no concelho, e isso seja um estímulo à economia local, isso é para nós determinante”.

E é Abrantes terra de campeões? “É verdade, ainda este fim-de-semana o Tiago Aperta nos brindou com mais um título, que nos enche com um orgulho imenso, a Francisca Laia, a Mariana António, a Susana Estriga, entre tantos outros”, enumerou Maria do Céu Albuquerque, não conseguindo citar os muitos e distintos atletas abrantinos.

“É muito gratificante perceber que, mesmo pesar de neste momento alguns destes atletas já não competirem no nosso concelho, como é o caso do Tiago e da Francisca Laia, eles continuam a ser nossos atletas, porque foi aqui na sua cidade, no seu concelho, que foram criadas as melhores condições para que gostassem das modalidades que praticam, que as praticassem e que ganhassem também a notoriedade que permitiu que os clubes os viessem buscar para representarem Portugal.”

E já que falávamos em turismo, em desporto, em natureza… Pedimos à autarca que desenhasse uma opção de roteiro para o turista que visite Abrantes pela primeira vez. “O primeiro local, que é o ex-libris e cartão de visita, é o Castelo/Fortaleza de Abrantes, até porque quem visita o castelo e tem uma dimensão daquilo que é o nosso concelho. 714 km2 , o castelo está no ponto mais alto do nosso território, permite uma panorâmica de 360 graus sobre esta área de confluência onde nos encontramos, sobre o Ribatejo, sobre o Alentejo e sobre as Beiras, e portanto nos dias sem nebulosidade, nos dias de sol, céu aberto, praticamente nós conseguimos alcançar com esse campo de visão todo este imenso território, e perceber um bocadinho as dinâmicas da cidade e do próprio concelho a partir dali”.

Dentro do centro histórico, as igrejas, de São Vicente e São João, são outros pontos que merecem ser visitados, bem como a Igreja de Misericórdia, “que tem um património valiosíssimo, e é muito importante que possa ser incluído neste roteiro”.

A Galeria Municipal, hoje quARTel – Galeria de Arte Contemporânea Fernando Figueiredo Ribeiro, que conta ” com mais de 200 peças de arte contemporânea do século passado e já do século em que nos encontramos, e que tem uma exposição dessa coleção que merece ser visitada. As construções arquitectónicas que merecem ser visitadas, por exemplo, o Mercado Diário, um ex-libris do ponto de vista da arquitetura, que está entre os 7 melhores projetos de arquitetura”, continuou.

Tendo alguma disponibilidade a Albufeira de Castelo de Bode deve fazer parte do roteiro, “faz todo o sentido que as pessoas possam ir à Aldeia do Mato, possam ir ao Miradouro das Fontes e observar aquela magnífica paisagem”.

As pessoas que venham durante este período, encontram mais oferta, e por isso “já começa a ser difícil fazer tudo no mesmo dia”. Mas é isto que a autarquia quer que aconteça, estimulando os visitantes a ficar e a aproveitar o território durantemais tempo. “É isso que nós queremos, é que as pessoas venham mas que tenham atrações que os retenham no território por mais de que um simples dia, que fiquem cá, que durmam”, assumiu.

O Museu Duarte Ferreira, no Tramagal, não ficou de fora desta opção de roteiro turístico. A autarca entende que este espaço que fala da história contemporânea, não de Abrantes, mas de Portugal, em torno de “uma grande indústria que deu cartas e que é uma referência internacional inclusivamente, e que fala da nossa indústria e da nossa história, e que está patente neste momento com exposições que merecem ser visitadas”.

Já estamos fora do território da sede de concelho. “Incluía, neste momento, e se fosse só mesmo vir de manhã e ir embora ao final do dia, o centro histórico, a Albufeira de Castelo de Bode e o Museu Duarte Ferreira, no Tramagal. Claro que, quero também introduzir neste roteiro a gastronomia, que é essencial, o provar as nossas iguarias, o levar a caixa da Palha de Abrantes e as tigeladas para casa, para poder continuar a lembrar-se da passagem por Abrantes, e depois a prova dos nossos azeites, dos nossos vinhos, da nossa comida”, justificou.

O conquistar pelo estômago também é ponto assente nesta estratégia para o turismo. “Temos uma muito boa cozinha que é esta junção destas 3 regiões que são charneira no nosso território, o Ribatejo, o Alentejo e as Beiras, desde os maranhos, ao bucho recheado, ao cabrito assado, ao peixe do rio, como o sável frito com açorda de ovas, a lampreia, as enguias, o achigã, sejam as migas nesta tradição mais alentejana, toda a nossa gastronomia é muito rica e isso dá-nos um potencial de atrairmos as pessoas pela boca, que cada vez mais isso acontece”, afirmou.

“As pessoas também vêm porque sabem que se come bem, se bebe bem, e que podem passar um bom momento gastronómico entre nós. Essa é uma valorização que, quem tem um dia para vir a Abrantes, tem que saber aproveitar.”

Quanto ao esforço feito para que “as pessoas venham mais do que um dia”, Maria do Céu Albuquerque recorda uma série de investimentos a acontecer, nomeadamente a recuperação do Convento São Domingos para a instalação do Museu Ibérico de Arqueologia e Arte (MIAA), a recuperação do Edifício Carneiro para instalar a coleção do escultor Charters de Almeida e a ampliação da galeria municipal, o quARTel, para aumentar a capacidade de exposição de peças da coleção Figueiredo Ribeiro.

Ainda assim, há uma ideia que pretende ser uma estratégia turística abrangente. “Queremos ter um roteiro turístico local, mas que depois cruze com o roteiro regional, e quando falo em regional não falo estritamente no âmbito do Médio Tejo, é mais do que isto. Claro que numa primeira fase este anel tem que ser fechado com os nossos parceiros regionais, mas queremos ir mais longe. Queremos que a nossa relação se estreite por exemplo com Castelo Branco, mesmo com Lisboa, Alcobaça, Batalha, este património tão rico que Portugal tem e que se for trabalhado em conjunto vamos conseguir atrair mais pessoas para o território”, explicou ao mediotejo.net.

“Até aqui era difícil para nós montar uma estratégia para poder trazer as pessoas mais do que um dia para o nosso território porque tínhamos poucas camas, felizmente com a recuperação do Hotel Turismo, agora Luna Hotel Turismo, passámos a ter uma oferta melhor, tanto em quantidade como em qualidade. Sem prejuízo dos vários investimentos que têm vindo a ser feitos e bem, um pouco por todo o território, com o turismo rural e de habitação, alojamento local, desde Alvega até Aldeia do Mato, nomeadamente com Vale Manso, é todo esse trabalho que neste momento nós temos que saber aproveitar”

Falando de potencial turístico e de património e natureza, obrigatoriamente se chega ao tema “rio Tejo” e aos problemas que o têm atingido. “O medo e o receio continua a existir, nós sabemos que todo o esforço de valorização do Tejo, seja pela recuperação das margens ribeirinhas, tanto a norte como a sul, o Aquapolis, seja com a instalação do açude insuflável, mas também seja por outras questões que não se vêem mas que se sentem no nosso território, como a melhoria das condições de rejeição das águas residuais que vão direta e indiretamente para o Tejo, porque nos últimos 8 anos o investimento que foi feito para melhorar os efluentes domésticos e industriais que chegam às nossas ETARs foi brutal, um investimento que ronda os 10 milhões de euros para tratar águas residuais. A melhoria do tratamento terciário na ETAR do Pego, da margem sul, ou da Fonte Quente, ou da ETAR dos Carochos aqui na cidade”, justificou.

“O Tejo é internacional, não nasce no nosso território, vem de cima, e portanto tem estado doente tanto na quantidade como na qualidade da água que entra no nosso território (…) temos perfeita consciência que isso pode ameaçar a estratégia que os municípios, e em concreto o nosso, tem traçada para a valorização do Tejo e para a capitalização daquilo que é este grande ativo que é a bacia hidrográfica do Tejo na estratégias locais de desenvolvimento.”

Para a autarca, o rio Tejo deverá ser um ativo para o turismo, semelhante ao caso do rio Douro, referindo que os autarcas e entidades estão “atentos”, e continuam a trabalhar “para chamar a atenção de quem tutela estas matérias de que não pode ser, temos que fazer diferente, estamos no século XXI e quando falamos de sustentabilidade, de desenvolvimento, temos que falar nesta qualidade e nesta quantidade de água deste grande ativo e que, à semelhança do que foi feito com o Rio Douro que hoje é um ativo para o turismo muito importante para Portugal, também o Tejo tem que ter essa valorização”.

O território sofre ainda por esta altura de uma ameaça cíclica – os incêndios florestais. Ameaça essa que o ano passado assolou a zona norte do concelho de Abrantes. Maria do Céu Albuquerque também é responsável pela Proteção Civil do concelho, e acredita que a estratégia está definida e conta com a Associação Humanitária dos Bombeiros voluntários de Abrantes, e com uma rede com as Juntas de Freguesia, as associações de caçadores, com a Associação de Agricultores, com as ZIFs, a de Aldeia do Mato e as que estão a ser criadas.

“Basicamente o que estabelecemos é uma rede que nos permite em primeiro lugar o combate à ignição, a primeira intervenção, e com isso garantir que não temos problemas como sucedeu o ano passado”, referiu, notando que “há fatores que não conseguimos controlar, claramente, e foi o que aconteceu o ano passado, um conjunto de circunstâncias levaram a que uma pequena ignição pudesse ser replicada noutras partes do território e não só no nosso concelho, com as condições climatéricas adversas que estavam aqui em cima da mesa, e claramente isso foi muito, muito, prejudicial”.

A estratégia passa pela prevenção, num território com 714 km quadrados de área e com cerca de 60% de área florestal. “Temos feito um conjunto de iniciativas, nomeadamente com a Associação de Agricultores, com objetivo de criar a proteção dos limites urbanos e da rede viária, fizemos um investimento no âmbito do QREN, temos uma candidatura já apresentada neste quadro comunitário para isso mesmo, e depois da prevenção o combate, e daí esta ligação estreita, daí termos ajudado a criar a AHBVA, e incentivarmos financeiramente esta associação através dos meios que disponibilizamos anualmente, e estamos a falar de mais de meio milhão de euros que disponibilizamos, que tem permitido fazer uma grande investimento em recursos humanos e em meios de combate propriamente ao incêndio”. Abrantes “já ganhou, com este quadro comunitário que começou efetivamente há muito pouco tempo, uma viatura que vai reforçar a nossa capacidade de intervenção mas também na nossa região”.

A cidade começa a despertar, o calor começa a apertar, e seguimos para o centro histórico. A presidente prepara-se em 45 minutos para enfrentar mais um dia de trabalho, entre as suas muitas rotinas, revestidas de grande organização e disciplina pessoais.

Encontramo-nos à porta de casa da autarca, e seguimos rua acima, até nos sentarmos para um chá, verde com gengibre e em bule como aprecia, e a conversa prossegue, desta feita sobre a envolvência e a dinâmica do centro da cidade.

Durante um tempo teve que assumir essa responsabilidade política [enquanto vereadora entre 2006-2009], no pelouro do turismo e património. Mas enquanto presidente de câmara a responsabilidade “é transversal a todas as áreas”, destacando-se esta como uma área que gosta particularmente.

“É o grande desafio neste momento nas autarquias: como é que nós damos mais vida ao centro histórico? Como é que nós revitalizamos o centro histórico?”

Durante a conversa, a autarca refletiu sobre as políticas de urbanismo que levaram “um bocadinho ao esvaziamento dos centros históricos”, deixando “cidades fantásticas mas vazias de pessoas”, pois a população começa a habitar nas periferias. Assim, o grande desafio “é trazer de novo as pessoas no centro histórico, seja para viver, mas seja também para atrair pessoas ao comércio local e aos serviços”.

“Eu própria fiz a minha opção de morar no centro histórico, porque gosto, pese embora perceba as condicionantes que acabamos por ter, por via de se viver com acesso mais reduzido, porque é mais difícil estacionar, e portanto o nosso grande desafio é esse”, fez notar.

Na esplanada onde nos encontramos, com cadeiras e mesas brancas, com resguardo e floreira, já se notam os primeiros passos da requalificação do centro histórico que pretende dar novo alento ao comércio local, atrair a comunidade, não só para fazer as suas compras nas lojas de comércio tradicional, mas também levá-la a querer permanecer mais tempo na zona histórica abrantina, usufruindo em qualquer momento do dia, em qualquer estação do ano, deste espaço icónico e recheado de património, quer histórico, quer cultural.

A aposta, recentemente divulgada pela Câmara e que já se verifica em algumas ruas e estabelecimentos, pretende começar já a dar conforto aos abrantinos e visitantes, nomeadamente nesta altura em que se inicia mais uma edição das Festas da cidade.

“Queremos transformar a vivência no centro histórico”, frisou Maria do Céu Albuquerque, tendo feito notar que, em pleno período de festas da cidade, as barraquinhas instaladas acolhem artesãos e artesãs do concelho e da região. A aposta, continuada, justifica o aglomerar de todas as iniciativas das festas da cidade centenária para o coração do casco histórico.

A estratégia, essa, assenta em 3 pilares, que a líder do executivo municipal de Abrantes nos explicou. A ideia é “converter este espaço num centro comercial a céu aberto, por outro lado podermos ter um centro cultural polinuclear, que estamos a construir, e por outro lado ter um condomínio residencial, ou seja, a própria Câmara com os edifícios que tem devolutos pô-los ao serviço do imobiliário e para o arrendamento jovem a custo controlado”. Por outro lado, pretende-se também que os privados reabilitem o património, e o possam ou utilizar ou pôr no mercado de arrendamento, ou eventualmente para venda.

Mas para já, a par da iniciativa privada, o estímulo “está a surtir”, com um conjunto de lojas que abriram nos últimos dois anos. “Perto de 2 dezenas de lojas que abriram graças também àquilo que é o potencial empreendedor dos cidadãos, mas também de outras pessoas de concelhos vizinhos que escolheram Abrantes para montar o seu negócio, recordando o estímulo dado pela autarquia que passa por, durante o primeiro ano do investimento, ser patrocinada metade da renda”, salientou.

E apontando para a esplanada onde entretanto conversava com o mediotejo.net, referiu pequenas intervenções inseridas na estratégia municipal. “A CMA forneceu as mesas e cadeiras, os chapéus-de-sol, as floreiras e os guarda-ventos para que as pessoas possam usufruir das esplanadas independentemente das condições climatéricas que se façam sentir. É um estímulo para quem investe e para o cidadão que vem e que sente que é necessário mais comodidades para poder fazer face a isso mesmo. Esta praça e o investimento ainda não está completo, porque vão ser colocados estrados nesta praça que é particularmente inclinada e causa alguma desconforto e sabemos que já provocou alguns incidentes aqui”.

O balanço, por si só, é “claramente positivo no sentido da estratégia de estímulo ao investimento e à utilização do centro histórico, mas é claro que há muito a fazer ainda, é claro que este nosso sentimento é de cada vez maior responsabilidade para continuarmos a desenvolver as melhores estratégias para captação de pessoas, de investidores”.

E calha em conversa o papel das autarquias nos dias que correm. A autarca, também presidente da Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo, frisou que “hoje as competências das autarquias são muito diferentes, hoje os papéis dos autarcas são inúmeros, e o nosso desafio é conjugar esses papéis no sentido de sermos facilitadores do investimento privado, sermos atores também, sermos patrocinadores, mas também investidores e reguladores da atividade, no sentido de criarmos essas melhores condições”. Por outro lado, aguarda-se a transferência de competências para as autarquias, e Maria do Céu Albuquerque aguarda com expetativa esse feito, porque no seu entender as autarquias locais “conseguem fazer diferente, estar mais próximas, fazer melhor”.

Reconhecendo que existem sempre riscos, a autarca diz que “é determinante que essa descentralização possa acontecer, aliás é uma descentralização que está prevista na primeira constituição de 76 e que nunca foi concretizada. Portugal é dos países da OCDE com maior centralismo, e a par de outros países que têm passado pelas mesmas dificuldades que Portugal infelizmente passou e que felizmente hoje começa a conseguir respirar e a ter confiança no futuro coletivo. Desde que essas competências venham acompanhadas com um pacote financeiro adequado, que nos criem condições nomeadamente do ponto de vista da legislação para podermos exercer essas competências”, esclareceu.

“Nós, mais do que a construção de edifícios, precisamos da reabilitação do património edificado. Porque neste momento não temos necessidade de nova habitação, as que existem são suficientes para a nossa população e para a atração de mais pessoas.”

Além do centro histórico, do “cabeço” como lembrou ser tratada a sede de concelho, outros centros históricos estão na mira da autarca. Do Rossio, cuja preocupação gira em torno do Tejo e regeneração urbana, e em Alferrarede, com o esforço feito em termos de projeção do Parque Tecnológico do Vale do Tejo, que mesmo sendo áreas diferentes, se cruzam com este investimento no centro histórico, que tem juntado uma série de valências, caso do Mercado Diário, da Unidade de Saúde Familiar e da futura Loja do Cidadão.

Ainda que a oferta já seja muito diversificada e qualificada, em termos do comércio tradicional, com investimentos recentes, a autarca tem uma aspiração pessoal. “Aspiro a que o nosso comércio tradicional possa ter um horário mais compatível com a vida das pessoas, porque o facto de as lojas continuarem a fazer um horário das 9h às 13h e das 15h e às 19h, não é compatível com o horário da trabalho da maior parte das pessoas e isso também afasta as pessoas para as grandes superfícies, e para outros locais que ao fim-de-semana oferecem um horário mais alargado e compatível com as suas vidas, disse.

Confrontada com a ideia de que o centro histórico está ao abandono, desertificado e envelhecido, depressa nos responde que discorda dessa aceção. “Acaba por ser um preconceito. É claro que há muitas pessoas com alguma idade a viver no centro histórico, que já cá viviam e aqui continuaram, mas aquilo que sentimos é que há cada vez mais jovens a fazer essa aposta, e famílias mais jovens que optam por vir para o centro histórico”, respondeu.

Primeira mulher a ser eleita como presidente de Câmara em Abrantes, defensora de uma política de igualdade de género e de igualdade de oportunidades para homens e mulheres, Maria do Céu Albuquerque mostrou-se honrada com o facto de ser a primeira mulher a quebrar o ciclo governativo autárquico maioritariamente masculino. “Isso orgulha-me mas responsabiliza-me muito, até porque infelizmente a sociedade ainda olha para as mulheres com algum preconceito e com alguns estereótipos associados, eu costumo usar sempre o exemplo da Maria de Lourdes Pintasilgo, que há sua época foi uma referência e continua a ser”, e na verdade, no seu gabinete, lê-se estampada na parede uma citação desta ilustre figura abrantina: “Se queremos um futuro melhor, o futuro começa hoje e está nas nossas mãos”.

“A nós, mulheres, é-nos exigido mais a todos os níveis, pessoal, familiar, profissional, porque não podemos falhar em nenhum desses domínios, mas para mim não foi nada fácil assumir este papel, quando tenho uma família, tenho duas filhas, e quando eu fui eleita as minhas filhas ainda eram muito pequenas. Fui eleita a primeira vez como presidente de Câmara há 8 anos e a minha filha mais nova tinha 10 e a minha mais velha tinha 12 anos… E há coisas que nós, mulheres, ainda assumimos muito porque a própria sociedade assim o exige”, assumiu abertamente.

Em termos do trabalho desenvolvido pelo município, dentro das Politicas de Igualdade de género, lembrou haver reconhecimento nacional e internacional, e entende a autarca que “só podemos ser uma comunidade mais desenvolvida, mais justa, se pudermos ter igualdade de oportunidades para homens e para mulheres”.

“Não temos a pretensão de mudar o mundo, mas temos a pretensão de deixar algumas sementes que possam no futuro, em gerações vindouras, ter consequência na vida da nossa comunidade.”

Segundo a presidente da Câmara, as questões de igualdade de género trabalham-se desde tenra idade, desconstruindo estereótipos, preconceitos, “fazendo com que as nossas crianças e os jovens possam ter uma outra maneira de sentir, viver, em relação a estas matérias”.

Por falar em responsabilidade, e uma vez que já se faz tarde e se segue uma manhã de compras no comércio local, afinal como consegue a autarca distribuir o seu tempo perante tantas preocupações, anseios e aspirações? Tanto do foro pessoal como profissional?

O segredo está na organização e começando o dia muito cedo, que nesta segunda-feira, na semana em que a cidade abraça as suas festas anuais, começou às 6h30 da manhã como habitual. “Quando saí para caminhar, já deixei pequeno-almoço preparado para a minha família, já deixei as marmitas para o meu marido levar para o consultório prontas, já deixei as orientações para quem me ajuda fazer algum trabalho de casa, uma colaboradora que tenho desde há mais de 14 anos em casa, que me ajuda naquele trabalho que não consigo fazer”, desvendou.

“Costumo dizer às minhas filhas, e não me tenho dado mal desse ponto de vista em relação à educação delas, quanto mais coisas temos para fazer, mais tempo temos. Porque mais temos que nos organizar”

Fazendo um balanço de 8 anos de passagem pela Câmara, que diz ter levado a este método e disciplina, Maria do Céu Albuquerque divide o percurso em dois ciclos. “Um primeiro ciclo muito focado e com uma presença muito forte minha no território, com todas as iniciativas que fui estimulada a participar e que quis estimular, no fundo foi o primeiro mandato para desenhar e consolidar uma estratégia, este segundo mandato em que há o reconhecimento por parte dos meus pares do trabalho que fiz em Abrantes e que me convidaram para assumir outras funções, seja na TECPARQUES, seja também na CIMT, seja mesmo a nível político com o facto de pertencer ao Secretariado Nacional do Partido Socialista”, explicou.

Porém, a autarca assume uma certa ausência neste mandato no que toca à presença efetiva no território. “Este mandato acaba por me retirar um bocadinho a presença física tão forte, até porque tínhamos um quadro comunitário para desenhar, para nos apropriarmos dele e trazermos investimento para Abrantes e felizmente conseguimos fazer isso, na CIMT, na CMA”. Mas ajudou o facto de neste mandato ter sido eleito mais um vereador, algo que “acaba por nos dar a capacidade de nos dividirmos mais pelas várias iniciativas. Há pouco perguntava-me como se organiza isto tudo?”, questionou, dando imediata resposta com um exemplo recente.

“Por exemplo, no domingo, a minha filha mais velha fez anos, está a estudar no Porto, e eu fiz questão de ir estar com ela, e aconteceu-me que não consegui chegar a horas de ir à entrega de prémios no Concurso Nacional de Saltos de equitação, mas estiveram os meus vereadores que o fizeram e fizeram muito bem. Tem que haver este equilíbrio entre o executivo e aquilo que é possível fazer”, fez notar.

“Tenho para mim que este cargo político, de exercício de funções públicas que é ser presidente de Câmara ou ser vereador ou ser presidente de junta, ou seja, fazer política de proximidade, é das coisas mais interessantes, mais bonitas que se pode fazer verdadeiramente.”

Mas… sendo licenciada em Bioquímica e tendo em conta o seu percurso profissional até entrar no mundo da política, a ambição profissional não passava por aqui, pois não? “O que eu costumo sempre dizer é que gosto de fazer isto. Não fazia parte dos meus planos, mas ainda bem que fui desafiada e que senti que podia fazer um bom trabalho com a minha comunidade. E sinto-me muito satisfeita com o trabalho que estou a desenvolver e que quero desenvolver por mais 4 anos, mas costumo sempre dizer que este não foi e não é o meu projeto de vida… O meu projeto de vida é a minha família, é na minha família que eu me realizo. E portanto tudo o aquilo que eu faço, tudo aquilo que eu organizo, tem como centro a minha família, que é a minha prioridade”, exclamou, visivelmente emocionada.

E as memórias de infância também ajudaram a construir o caminho até aqui percorrido. As memórias, boas, que recorda também pelas marcas que diz ainda ter nos joelhos, das grandes tardes de férias no verão, passadas com o amigo “Zé Jorge” Baeta, responsável da conceituada marca de bicicletas Jorbi. “A avó dele era a padeira da aldeia, onde a minha mãe trabalhou quando era nova, ele vivia na cidade mas vinha passar as férias a casa da avó. Passava na sucata, hoje RSA, e levava rolamentos, e quando chegava aos Casais fazia carrinhos de rolamentos e passávamos o verão inteiro, até porque os Casais têm aquela grande subida e descida, e subíamos e descíamos aquela entrada da aldeia”, recordou com um sorriso franco.

As boas recordações de uma “infância feliz com os avós” vão surgindo em conversa. Falou emocionada da sua avó, que faleceu com 82 anos. “A mãe da minha mãe era uma mulher incrível, porque ela tinha 5 filhas e 1 filho, e o meu avô era muito doente tinha epilepsia, e na altura não era tratada como é hoje, e ela trabalhava muito para sustentar família, mas ainda assim ela fazia tantas coisas naquela comunidade”, desde tomar conta da igreja, fazia os banquetes de casamentos e baptizados, fazia partos, e ainda benzia o cobrão.

E parece que o gosto pela cozinha e a tendência para a organização e ocupação do tempo estará nos genes. “Cozinhava muito bem, coelho com ervilhas frescas, da altura da primavera, e batatinha nova que era uma delícia”, lembrou. Também as tardes na costura nas férias, com a vizinha e com as raparigas que não estudavam, veio à mente, tal como certas tradições da aldeia, onde ainda moram os seus pais.

“Recordo quando enfeitávamos as fontes, na aldeia, a de São João, Santo António e São Pedro, e íamos apanhar o mato para poder enfeitar e fazer a fogueira, as matanças de porco, tenho coisas muito boas. Recordo a minha escola primária e os amigos de escola de primária”, e recorda a posterior e inevitável vinda para a cidade.

“Aquilo que tento fazer é pôr em prática os meus valores, os valores da minha família. Eu quero para a minha comunidade aquilo que quero para as minhas filhas. Estou a trabalhar nesse sentido.”

“Vim estudar para a cidade, vim para o colégio, depois para o Liceu. Vinha de mota, o meu pai comprou-me uma mota muito cedo. Comecei a vir de mota ainda sem ter carta, porque o meu pai queria muito que estudasse e conseguisse aproveitar as oportunidades que infelizmente a vida não lhe proporcionou. E achava que eu aproveitava muito melhor o meu tempo se viesse de mota do que se fosse de autocarro”, contou.

A vivência, essa também ajudou na construção do seu ser. “Nomeadamente do ponto de vista da organização e da responsabilização, acho que foi muito importante. São valores que prezo, cultivo, e que ponho em prática com as minhas filhas. E acho que resultou comigo, agradeço muito aos meus pais pela educação que me deram, pelas oportunidades que me proporcionaram, e agora aquilo que tento fazer é exatamente isso com as minhas filhas”.

Formada em Jornalismo, faz da vida uma compilação de pequenos prazeres, onde não falta a escrita, a leitura, a fotografia, a música. Viciada no verbo Ir, nada supera o gozo de partir à descoberta das terras, das gentes, dos trilhos e da natureza... também por isto continua a crer no jornalismo de proximidade. Já esteve mais longe de forrar as paredes de casa com estantes de livros. Não troca a paz da consciência tranquila e a gargalhada dos seus por nada deste mundo.

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